Steinke-Silva-Fialho Geografiadapaisagem-compactado 2 - Pesquisa Operacional (2024)

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Universidade de Brasília

ICH - Instituto de Ciências Humanas

Geografia da

Paisagem

Múltiplas Abordagens

Organizadores:

Valdir Adilson Steinke

Charlei Aparecido da Silva

Edson Soares Fialho

Brasília - DF

2022

Conselho Editorial

Membros internos:

Prof. Dr. André Cabral Honor (HIS/UnB) - Presidente

Prof. Dr. Herivelto Pereira de Souza (FIL/UnB)

Profª Drª Maria Lucia Lopes da Silva (SER/UnB)

Prof. Dr. Rafael Sânzio Araújo dos Anjos (GEA/UnB)

Membros externos:

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Profª Drª Ilía Alvarado-Sizzo (UniversidadAutonoma de México)

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Prof. Dr. Peter Dews (University of Essex - Reino Unido)

Prof. Dr. Ricardo Nogueira (UFAM)

© 2022.

Attribution-NonCommercial-NoDerivatives 4.0 International (CC BY-NC-ND 4.0)

A responsabilidade pelos direitos autorais de textos e imagens dessa obra é dos autores.

[1ª edição]

Elaboração e informações

Universidade de Brasília

ICH - Instituto de Ciências Humanas

Campus Universitário Darcy Ribeiro, ICC Norte, Mesanino Bloco 01qr Campus Universitário

Darcy Ribeiro - Asa Norte, Brasilia DF CEP: 70297-400 Brasília - DF, Brasil

E-mail: ihd@unb.brContato: (61) 3107-7364 Site: ich.unb.br

Equipe técnica

Parecerista: Marcelino de Andrade Gonçalves

Editoração: Luiz H S Cella

Revisão: Amabile Zavattini

Capa: Maria Frizarin

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da Universidade de Brasília

Bibliotecário XXXX - CRB X/XXXXX

5

APRESENTAÇÃO

... A origem, a sucessão das coisas e das ideias

Os diversos encontros entre colegas professores do magistério

superior e pesquisadores vinculados as nossas instituições (ainda)

públicas inevitavelmente geram conexões profissionais e pessoais (essas as

mais importantes) que levam a geração de ideias e projetos, alguns se efeti-

vam como produtos acadêmicos e tornam o trabalho mais rico e prazeroso.

Um desses encontros, talvez o primeiro, foi proporcionado no ano de 2011,

durante o XIV Simpósio Brasileiro de Geografia Física Aplicada, organizado

e realizado na UFGD ente os dias 11 e 16 de julho. Desde então, entre pro-

sas, versos, destilados, fermentados, gastronomias e muito trabalho, vários

produtos no âmbito da ciência geográfica nacional surgiram.

Uma das consequências desses diálogos foi a criação de um Grupo de

Pesquisa do CNPQ, “Estudos em Dinâmica das Paisagens”, fundado em

2011. Em razão das atividades desse grupo realizou-se o Seminário de Ge-

ografia (II SEGEO), no ano de 2012, na UERJ-FFP em São Gonçalo-RJ entre

os dias 5 e 6 de dezembro. Na ocasião as “Dinâmicas das Paisagens” foi o

tema central do seminário, que contou com a participação de pesquisado-

res de diversas universidades brasileiras, cita-se UFRJ, UFF, PUC-Rio, UFGD,

UFV, UFMG e UERJ-FFP.

Em 2014 foi proposto e realizado o III SEGEO. O seminário foi realizado

no campus Goiabeiras da UFES, na cidade de Vitória entre os dias 19 e 20 de

novembro, cuja temática fora “A abordagem multiescalar dos estudos das

paisagens”. A edição contou com a participação de pesquisadores e pós-

-graduandos da UFRGS, UFES, UFV, UGMG, UFGD e EURJ-FFP. O encontro

permitiu a elaboração e a publicação de uma edição especial da Revista

Geografia da UFMG no ano de 2015, um dossiê com trabalhos oriundos do

seminário.

Nesse caminhar passou-me estabelecer parcerias vindouras que se ma-

terializaram em publicações, participação em bancas de defesa de mestra-

dos e doutorados, missões de trabalho e trabalhos de campo, oferta de

6

disciplinas em programas de pós-graduação, realização de colóquios, pa-

lestras e pequenos workshops.

Entre as ideias das conversas informais, algumas sempre surgem com

recorrência, entre elas a mais citada é sem dúvida a preocupação unanime

com a formação dos geógrafos, especialmente na base, na graduação, mas

também na pós-graduação. E neste sentido alguns aspectos estruturantes

tem sido discutidos e mencionados de modo mais frequente, como, as ba-

ses epistemológicas e metodológicas, os avanços, retrocessos e estagna-

ções de cunho conceitual, temas transversais, inserção social do geógrafo,

articulações políticas necessárias, e, ainda alguns temas que são considera-

dos como prementes de debates, como as questões climáticas e suas reper-

cussões na sociedade, as categorias de análise da ciência geográfica.

Uma das coisas que nos chamou atenção sempre era menção para a

“Paisagem”, como uma categoria de análise de grande importância para

compreensão dos fenômenos geográficos no século XXI. A provocação das

prosas era sempre a necessidade de um debate, de aprofundamento, do

reconhecimento claro e objetivo da Paisagem e sua importância no âmbi-

to das pesquisas realizadas pela Geografia brasileira e de outros países. O

olhar sobre a paisagem no Brasil e como isso se desdobra no âmbito da

analise geográfica nos parece original ou no mínimo algo hibrido que incor-

pora elementos e ideias originárias em tempos passados e de outros países.

Em que pese o “senso comum” conjecturar que este tema já tenha sido re-

solvido na escola da geografia brasileira sempre ousamos pensar que não.

E para que não haja dúvidas, sim, acreditamos que exista uma escola, a qual

denominamos aqui de Escola da Paisagem.

Portanto, com o passar destes anos e com esse pulsar da paisagem nos

debates formais (simpósios, congressos e encontros), e outros informais, ao

olharmos para o cenário nacional e as conexões internacionais, vislumbra-

mos há algum tempo a possibilidade da organização de um material para

além de nossos artigos e/ou orientações (teses e dissertações) que pudesse

contribuir nesse debate. Um material que pudesse reunir em um primeiro

momento trabalhos de grupos de pesquisas cuja temática Paisagem se dá

como eixo propositor.

Pois bem, os tempos passam, as ideias persistem e a oportunidade de

aglutinar efetivamente surge no ano de 2020, durante um marco histórico

7

da humanidade, a pandemia desencadeada pela sindêmia, a qual nos co-

locou em uma situação de vulnerabilidade digna de nossa existência insig-

nificante. A pandemia SARS CoV-2/COVID-19 nos trancafiou e assolou so-

bre a sociedade os sentimentos mais obscuros de medo e insegurança, nos

exigindo ainda, seguir adiante via as conexões com os amigos (não apenas

colegas), pois foi neste momento de dificuldade que esta obra surge, como

um necessário folego para nos fazer sentirmos vivos e lutar, contra o vírus

(biológico) e o vírus mais letal (a negligência política).

Obviamente que ao lembrar dos nomes que poderiam compor esta

obra (hoje Volume. 1.) a dúvida era sempre a mesma: Será que o colega irá

aceitar o convite neste momento difícil? E com uma lista significativa em

mãos fomos aos convites, com otimismo e a coragem de fazer dar certo. As

respostas todas positivas, indicavam que sim, todos precisavam de folego,

de algo para contribuir, de um modo (insipiente) de interagir com outros e

tantos também isolados.

A ideia inicial foi plantada, com um horizonte temporal digamos que

audacioso para uma obra sem nenhum tipo de financiamento, a qual inclu-

sive tinha como ponto central a disseminação em meio digital e gratuito

para todos iniciamos esse projeto. Por óbvio que o processo de trabalho

remoto gerou inúmeros desafios e estes impactaram nos prazos originais,

no entanto, tivemos sempre a compreensão dos colegas de entender o de-

safio inicial e o propósito finalístico desta obra. Afinal uma obra destas não

tem o propósito de atender a processos produtivos na academia, tem como

finalidade dar vazão aos trabalhos desenvolvidos nas diferentes regiões do

Brasil e com convidados ilustres do estrangeiro, colegas da Espanha, Por-

tugal e Cuba.

... A Paisagem na sua multifacetada forma, o fazer

Este livro, na forma de coletânea, se inclui, como descrito nos primeiros

parágrafos,

,

espacial e uma articulação que

não são casuais; o espaço, suporte espacial da distribuição dos componen-

tes da paisagem e onde se manifestam as relações entre eles; e, por fim, a

globalidade, uma vez que a paisagem só se pode entender segundo uma

perspetiva global, “pois é o conjunto de todos os elementos inscritos na-

quele espaço e organizados segundo determinada maneira, que lhe dá a

unidade percetível pelo observador” (pág. 20).

Da sistematização destes pressupostos, o autor refere que “estamos

perante uma paisagem quando um determinado trecho da superfície ter-

restre é composto por elementos cuja organização concorre para que, ao

termos dele uma visão global, percebamos a existência duma unidade niti-

damente individualizada dos espaços envolventes” (pág. 20).

Da evolução das ideias e metodologias relacionadas com a paisagem

e o seu estudo por parte de diversas áreas do conhecimento surgiram, na

segunda metade do século XX, alguns conceitos importantes, que se têm

vindo a impor na âmbito dos estudos da paisagem. Um deles corresponde

ao conceito de unidade de paisagem.

No contexto da identificação de unidade de paisagem, especialmente

no âmbito da Ecologia da Paisagem, mas também no da Geografia (Ca-

simiro, 2000), vários contributos foram sendo feitos. Com efeito, a defini-

ção de diferentes estruturas espaciais em função do estabelecimento de

inter-relações distintas/diferenciadas entre os elementos da paisagem, vai

conduzir a uma diversificação das paisagens, permitindo a identificação de

diferentes unidades de paisagem, que se podem definir como “áreas com

características relativamente hom*ogéneas, com um padrão específico que

se repete no seu interior e que as diferencia das suas envolventes” (Abreu

2 “Geossistema” é definido por Beroutchachvili e Bertrand (1978) como um «système géo-

graphique naturel hom*ogène lié à un territoire» (pág. 171).

41

et al., 2004, pág.10).

Zonneveld (1979, cit. por Filho, 1998) introduziu a expressão unidade

de paisagem (land unit) entendida como a expressão da paisagem de acor-

do com uma visão sistémica, definindo-a como um trecho da superfície ter-

restre ecologicamente hom*ogéneo a uma determinada escala de análise.

Para a identificação das unidades de paisagem ter-se-iam em consideração

os elementos relevo, solo e vegetação, bem como a sua alteração por ação

do Homem.

Naveh e Lieberman (1984, cit. por Abreu et al., 2004), por seu lado,

definem unidade de paisagem como “uma área que pode ser cartografa-

da, relativamente hom*ogénea quanto a solo, topografia, clima e potencial

biológico, cujas margens são determinadas pela mudança numa ou mais

características”.

A análise da paisagem e da sua dinâmica pressupõe, do ponto de vista

da Ecologia da Paisagem, a distinção de três características fundamentais:

a estrutura, definida pelas relações espaciais que se estabelecem entre os

diversos elementos; a função, correspondente às interações entre os ele-

mentos espaciais; e a mudança, relacionada com a alteração na estrutura e

função do mosaico paisagístico ao longo do tempo (Casimiro, 2002, pág.

393).

Neste sentido, a análise da paisagem comporta “o estudo dos padrões

da paisagem, das interações entre manchas num mosaico de paisagem e

a forma pela qual estes padrões e interações mudam no tempo [...] consi-

dera o desenvolvimento e dinâmica da heterogeneidade espacial e os seus

efeitos nos processos ecológicos” (Risser, 1984, cit. por Casimiro, 2002),

considerando que os padrões dos elementos da paisagem (nomeadamente

das manchas) influenciam, de forma determinante, as características ecoló-

gicas. Para proceder à compreensão da função e mudança da paisagem, na

relação entre as várias unidades espaciais, torna-se, portanto, indispensável

quantificar a sua estrutura.

A estrutura da paisagem é caracterizada por três tipos de elementos

fundamentais:

- as manchas (patches) correspondentes a uma “superfície não linear,

diferindo em aparência da sua vizinhança. As manchas variam largamente

em termos de tamanho, forma, tipo, heterogeneidade e características de

fronteira. Além disso, as manchas estão por vezes embebidas numa matriz,

área circundante que possui uma diferente estrutura de espécies ou com-

posição” (Forman e Godron, 1986, pág. 83). As manchas são influenciadas

por algumas características importantes como o seu tamanho, uma vez que

a dimensão da mancha condiciona a dinâmica e os fluxos de energia e

42

nutrientes, e a forma, que interfere diretamente com o efeito de margem,

importante ao nível da biodiversidade e da dinâmica aí presentes;

- os corredores, que correspondem a elementos lineares que promo-

vem a mobilidade (de bens, pessoas, energia...) através da paisagem, sen-

do que o “uso de corredores para efeitos de transporte, proteção, recursos

e efeitos estéticos penetra quase todas as paisagens de uma forma ou de

outra” (Forman e Godron, 1986);

- a matriz, que “constitui, embora não de uma forma aparente, o ele-

mento mais importante para a análise e compreensão efetiva da estrutura

da paisagem. (...) é o tipo de paisagem mais extenso e mais conectado, que

portanto desempenha um papel dominante no funcionamento da paisa-

gem” (Casimiro, 2002, pág. 412).

A análise e quantificação destes elementos fundamentais da paisagem

passa pela definição de índices da paisagem (Casimiro, 2002), que se ba-

seiam na análise da distribuição, forma e arranjo espacial das manchas.

Trata-se de uma vertente da análise da paisagem comum na Ecologia

da paisagem, mas também utilizada no contexto de estudos geográficos,

utilizando um conjunto diversificado de métricas da paisagem (Gustafson,

1998; Antrop e Van Eetvelde, 2000), implementadas em softwares especí-

ficos ou suportados em sistemas de informação geográfica (McGarigal e

Marks, 1995; Elkie et al., 1999; Viser e Nijs, 2006), e aplicadas quer ao pla-

neamento e ordenamento do território e da paisagem, quer à avaliação da

paisagem e à análise da dinâmica das paisagens.

Outro conceito que tem vindo a ganhar relevância é o de caráter da

paisagem, correspondente ao resultado da atuação dos múltiplos fatores

que compõem uma paisagem e sua combinação, dando-lhe uma coerência

distinta das que a envolvem, permitindo o estabelecimento de uma iden-

tidade local (Abreu et al., 2004), revelando-se dinâmico e em contínua mu-

dança, mas apresentando-se como único para cada local (Pinto-Correia et

al., 2001). Este conceito seria incorporado na Convenção Europeia da Pai-

sagem, que define paisagem como “uma parte do território, tal como é

apreendida pelas populações, cujo carácter resulta da acção e da inter-ac-

ção de factores naturais e/ou humanos” (Council of Europe, 2000).

43

2. OS CONTRIBUTOS PARA O ESTUDO DA PAISAGEM EM

PORTUGAL, NUMA PERSPETIVA

EMINENTEMENTE GEOGRÁFICA

2.1. ESTUDOS GEOGRÁFICOS PIONEIROS

Os primeiros trabalhos geográficos apresentaram-se, muito por influ-

ência da escola regional francesa, como estudos regionais e incorporando

uma grande abrangência de dimensões geográficas, que iam desde a cara-

terização do relevo, clima ou vegetação, até à dimensão mais social, inte-

grando as componentes demográficas, atividades económicas e até mesmo

etnográficas. Não é de estranhar, portanto, que estes estudos geográficos

reunissem, frequentemente, informação suficiente para que se pudesse

consubstanciar uma caraterização mais ou menos pormenorizada da pai-

sagem das áreas em estudo (por vezes até extensivamente desenvolvida)

permitindo uma clara definição das paisagens em análise e sua distinção

quando em territórios mais abrangentes.

Tratam-se de trabalhos de cariz eminentemente monográfico, onde as

diversas dimensões geográficas eram tratadas, conferindo uma perspetiva

mais abrangente da análise das caraterísticas dos territórios em estudo.

São exemplos disso as primeiras dissertações de doutoramento em

Geografia (ou em Ciências Geográficas) desenvolvidas em Portugal nas pri-

meiras décadas do século XX, nomeadamente

,

as elaboradas por Amorim

Girão (1922), Virgílio Taborda (1932) e Orlando Ribeiro (1935).

A primeira, debruçando-se sobre “A bacia do Vouga”, apresenta-nos

uma caraterização física da área em estudo, abordando a “natureza dos

terrenos”, o “relêvo do solo”, a “hidrografia e acidentes litorais”, o “cli-

ma”, seguindo-se-lhes as “associações vegetais e animais” e os aspetos

humanos do território, nomeadamente os relacionados com a “população”

e a “ocupação do solo”. Aspeto de destaque, à giza de “Conclusão”, a in-

clusão de uma identificação e caraterização daquilo que o autor designa de

“regiões naturais”. A este propósito refere Amorim Girão que é “a região

natural, somatório de todos os aspectos de superfície, «resultado», para nos

servirmos da expressão de BRUNHES, da combinação dêsses mesmos as-

pectos”. Recorrendo às caraterísticas físicas e humanas presentes nos terri-

tórios estudados, faz uma identificação e caraterização das regiões naturais

e sub-regiões da bacia do Vouga, traduzindo-se tal trabalho na carateriza-

ção das paisagens aí presentes naquele primeiro quartel do século XX. Mais

44

tarde viria a estender a metodologia, a uma escala mais abrangente, para

identificar as regiões de Portugal continental.

Também Virgílio Taborda promove uma caraterização física e humana

do território de Trás-os-Montes, num trabalho igualmente de caraterísticas

monográficas, definindo as linhas gerais que caraterizam as paisagens tipi-

camente transmontanas.

Por seu lado, Orlando Ribeiro expõe, na sua dissertação sobre “A serra

da Arrábida” (1935, 1986 reed.) os elementos marcantes e caraterísticos da

sua paisagem, fazendo referência quer à “Arquitetura do solo”, aos “Fa-

tores do relêvo” e “Formas do relêvo”, ao “Litoral” e ao “Clima e vegeta-

ção”, enquadrando os fatores físicos que caraterizam a Serra da Arrábida,

quer a “Alguns aspetos da geografia humana”, onde considera os aspetos

de ocupação do território, população e aspetos económicos e culturais.

Conclui que “…a Arrábida é estremenha pela morfologia do solo e

pelos aspectos da ocupação humana; pelo clima e pela vegetação difere

muito das regiões mais próximas (…) – uma nesga mediterrânea entre terras

e águas atlânticas.” (pág. 83).

Contudo, mais marcante que a sua tese de doutoramento, no que ao

tratamento do tema da paisagem diz respeito, foi sem dúvida o livro “Portu-

gal, o Atlântico e o Mediterrâneo” que estabelece uma descrição das paisa-

gens em Portugal continental, constituindo um marco na análise e descrição

das paisagens de Portugal continental, fundamentada num conhecimento

profundo do território, das suas gentes e das dinâmicas existentes ao tem-

po em que foi escrito. Sem dúvida, um documento geográfico fundamental

e único para a caraterização das paisagens do nosso território.

2.2. Os exercícios de identificação de tipos de paisagens em Portugal

Relativamente aos estudos da paisagem realizados em Portugal, ainda

que não possamos dizer que a produção tenha sido muito profícua ou que

tenha contribuído de forma significativa para a discussão dos conceitos e

pressupostos teóricos que balizam a sua investigação, especialmente numa

primeira fase e num contexto internacional, a realidade é que surgiram,

ainda assim, alguns contributos importantes, além dos trabalhos pioneiros

referidos anteriormente, para a compreensão das paisagens e sua organiza-

ção no contexto do território continental português.

Com efeito, os principais contributos realizados em Portugal para o es-

tudo da paisagem direcionaram-se essencialmente para a caraterização da

paisagem do território nacional e identificação das unidades de paisagem

que o compõem.

As divisões regionais propostas para o território nacional por diver-

45

sos autores, como Barros Gomes (1875), Amorim Girão (1930, 1933) ou

Orlando Ribeiro (1945), traduzem já, de certa forma, as características do

território, resultado das cambiantes físicas e humanas que caracterizam as

diversas paisagens. É claro que estas propostas suscitaram, no seu tempo,

alguma discussão, dada a falta de consenso inerente à própria subjetivida-

de da análise, que está subjacente à metodologia e aos fatores utilizados

e também devido à própria dinâmica da paisagem e dos seus elementos.

No entanto, consideramos importante a análise destas divisões regionais

que traduzem, no fundo, também divisões da paisagem, desenvolvidas por

geógrafos ou investigadores de áreas científicas próximas, que acabaram

por contribuir para a discussão em torno da problemática da paisagem em

Portugal.

Barros Gomes, ainda que silvicultor de formação, já no final do século

XIX, propunha uma divisão de Portugal, na sua “Carta orográfica e regio-

nal” (incluída nas “Cartas elementares de Portugal para uso das escolas”,

1875), baseada em fatores essencialmente físicos/naturais: latitude, exposi-

ção e relevo. Esta carta identificava em

Portugal doze regiões (Fig. 1), definin-

do dois eixos principais que estabele-

ciam segmentação entre o “norte do

Tejo” e o “sul do Tejo” e entre o litoral

e o interior.

Referia B. Barros Gomes (1878) que

“se basearmos uma divisão regional do

paiz puramente n’estas condições de

latitude, exposição e relevo, teremos

um ponto de partida seguro para es-

tudos sociaes de primeira ordem. Te-

remos achado as causas determinantes

dos nossos climas locaes e com ellas as

differenças principaes que entre elles

se possam notar”.

Ainda que claramente orientada

por fatores exclusivamente naturais

(seguindo, se quisermos, a linha natu-

ralista de classificação das paisagens

promovida por Humboldt), esta divisão

regional de Portugal continental fazia

transparecer claramente aspetos gerais

de caraterização das paisagens da épo-

Figura 1. Carta orográfica e regio-

nal de B. Barros Gomes (1878)

46

ca. Ainda que sem o rigor necessário para uma definição exata das regiões

que reuniam caraterísticas similares e identitárias, cada uma incluía carate-

res claramente distintivos das demais “unidades de paisagem”.

Amorim Girão (1933) viria a referir-se à Carta orográfica e regional, ad-

jetivando-a de “a mais perfeita sem dúvida de tôdas as que possuímos”,

apontando que representaria “para a época em que foi publicada um acen-

tuado progresso no conhecimento das condições físicas e climatéricas do

nosso território”, mas contrapondo que necessitava “sofrer algumas modi-

ficações, além de ser omissa quanto às divisões menores” (pág. XIV).

É, efetivamente, já no século XX que Amorim Girão retoma esta pro-

blemática e define uma divisão do território nacional na “Carta Regional

de Portugal” (1930; 1933), tendo a preocupação de introduzir fatores de

natureza socio-económica (que estariam na base de algumas críticas), apre-

sentando treze regiões. Apesar do objetivo de divisão regional do território

nacional, a perceção quer de Amorim Girão quer de Barros Gomes é guia-

da pela ideia de hom*ogeneidade dos

elementos que constituem as diferentes

regiões e, consequentemente, carateri-

zam as paisagens que lhe são inerentes

(e que as caraterizam).

Na proposta que apresenta (Fig. 2),

Amorim Girão (1933) afirma que o que

apresenta é “um esboço de carta regio-

nal em que todos os elementos e facto-

res que se inscrevem sôbre a superfície

do solo foram tomados em considera-

ção, desde a constituição geológica dos

terrenos e suas feições geográficas do

relevo, clima, hidrografia e associações

vegetais – caracteres chamados natu-

rais – até ao revestimento humano nas

formas sempre tão contingentes da sua

adaptação ao meio, e nas diversas mani-

festações da sua actividade modificado-

ra – caracteres estes tão naturais como

aqueles” (pág. XVIII).

Neste contexto o autor reforça a

importância do conceito de região geo-

gráfica, sinónimo de “tôda a fracção ter-

ritorial em que o homem intervém como

Figura 2. Carta regional de Amorim

Girão (1933)

47

elemento integrante da paisagem e agente modificador da superfície; (…)

é sempre a expressão última da

,

interdependência e reciprocidade dos di-

versos elementos e factores que sôbre um determinado território exercem

a sua influência – a constituição geológica dos terrenos, o relêvo do solo, o

clima, as associações vegetais e animais, o homem, finalmente” (pág. 23).

Em 1937 Herman Lautensach apresentou, também, um esboço de di-

visão regional (Fig. 3), tendo como fator fundamental de definição das re-

giões a morfologia, a distribuição das massas de relevo no território conti-

nental de Portugal. Esta abordagem fica bem patente pela individualização

da unidade “Cordilheira Central”, claramente associada à morfologia e es-

trutura características desta região de Portugal, que condiciona de forma

determinante a paisagem.

Em 1945 o reconhecido geógrafo Orlando

Ribeiro elabora uma divisão geográfica de Por-

tugal continental (Fig. 4), “que constitui uma sín-

tese de altíssimo interesse baseada não só em

moderna metodologia científica como também

num profundo conhecimento do território” (Cal-

das e Loureiro, 1966, pág. 129). A respeito desta

caracterização das regiões portuguesas e, con-

sequentemente, das suas paisagens, Orlando Ri-

beiro (1998, 7ª Ed.) refere: “uma região geográfi-

ca caracteriza-se por certa identidade de aspetos

comuns a toda ela. Não apenas as condições ge-

rais de clima e posição, mas ainda as particulari-

dades da natureza e do relevo do solo, o manto

vegetal e as marcas da presença humana, nos

darão o sentimento de não sairmos da mesma

terra. A consciência desse facto entre os habi-

tantes traduz-se muitas vezes por uma apelação

regional; mas nem sempre regiões tradicionais

ou circunscrições administrativas coincidem com

regiões geográficas” (pág. 140).

Figura 3. Carta regional de Portugal de Herman

Lautensach (1937)

48

Figura 4. Carta das divisões geográficas da autoria de Orlando Ribeiro (1998, 7ª Ed.)

Também J. Pina Manique e Albuquerque apresentou uma divisão do

território nacional, baseada essencialmente em critérios ecológicos, defi-

nindo regiões naturais. No Atlas do Ambiente é reproduzida uma carta (Car-

ta das regiões naturais de Portugal Continental – Fig. 5) que traduz a divisão

elaborada pelo autor. Apesar de identificar os diferentes tipos de paisagem

existentes em Portugal continental, a carta não é acompanhada de notí-

cia explicativa, não permitindo esclarecer quais os pressupostos utilizados

para a sua elaboração, que se basearão, segundo Pinto-Correia (2005), em

trabalhos anteriores do autor desenvolvidos em 1954 e 1961, relacionados

com a elaboração da carta ecológica de Portugal e a divisão regional do

continente português, respetivamente.

49

Mais recentemente, com o objetivo

de identificar as unidades de paisagem

em Portugal continental na atualida-

de, Abreu et al. (2004) elaboraram um

estudo, intitulado “Contributos para a

identificação e caracterização da paisa-

gem de Portugal continental”, no qual

procederam à realização de uma carto-

grafia de unidades de paisagem. Foram,

assim, individualizadas 128 unidade de

paisagem, reunidas em 22 grupos de

paisagens (Fig. 6)

Tendo como objetivo geral a

compreensão da paisagem, os au-

tores adotaram “uma abordagem

holística, integrando as suas várias

dimensões: a ecológica, que inclui

as componentes físicas e biológi-

cas dos ecossistemas; a cultural,

em que são considerados tanto os

fatores históricos como as ques-

tões de identidade e capacidade

narrativa da paisagem; a socioeco-

nómica, referente aos fatores so-

ciais e às atividades humanas que

permanentemente constroem e al-

Figura 5. Carta das regiões naturais elabo-

rada por J. de Pina Manique e Albuquer-

que (Fonte: Atlas do Ambiente, 1985)

Figura 6. Unidades e grupos de unidades

de paisagem em Portugal Continental

(extraído de Abreu et al., 2004)

50

teram a paisagem (também os regulamentos e instrumentos que condicio-

nam tais atividades); e, finalmente, a dimensão sensorial, ligada ao modo

como as paisagens são apreciadas por diferentes pessoas ou grupos de

pessoas” (pág. 10).

É importante referir que os autores consideraram como unidades de

paisagem, para este estudo, “as áreas com caraterísticas relativamente ho-

mogéneas, não por serem exatamente iguais em toda a sua superfície, mas

por terem um padrão específico que diferencia a unidade em causa das

envolventes” (pág. 32). Os autores consideraram, ainda, “que devia existir

coerência interna (…) e um carácter próprio, identificável do interior e do

exterior e, eventualmente, associado às representações da paisagem mais

fortes na identidade local e/ou regional”.

O processo de análise das unidades de paisagem baseou-se numa me-

todologia “fundamentada na Análise de Clusters, que pressupõe um con-

junto vasto de procedimentos de análise espacial em Sistemas de Informa-

ção Geográfica, associados a Estatística

Multivariada” (Abreu et al., 2004, pág.

58) (Fig. 7).

Apesar da importância da sistema-

tização desenvolvida, os próprios auto-

res referem que este trabalho “constitui

mais uma base de reflexão para a com-

preensão e conhecimento das paisa-

gens portuguesas, deixando em aberto

várias pistas para aprofundamentos fu-

turos” (Pinto-Correia et al., 2001, pág.

205).

2.3. A RECENTE

DIVERSIFICAÇÃO DOS

ESTUDOS DA PAISAGEM

E DAS PERSPETIVAS DE ANÁLISE

As últimas décadas do séc. XX e inícios do séc. XXI viram crescer, de

forma exponencial, a investigação sobre a paisagem nas diversas áreas cien-

tíficas e também na Geografia. O âmbito deste trabalho não nos permite

fazer uma análise exaustiva das inúmeras contribuições que têm sido feitas,

Figura 7. Síntese da modelação espacial (extraído de Abreu et

al., 2004)

51

pelo que iremos salientar as que nos parecem mais relevantes.

Gaspar (1993), num trabalho intitulado “As regiões portuguesas”, evi-

dencia a importância da paisagem na definição das diferentes regiões de

Portugal, referindo que aquela é um poderoso elemento de identificação

cultural, comparável à língua e à religião. Uma obra que sistematiza um

vasto conjunto de informações (nomeadamente estatística, mas também

aspetos físicos e históricos) nas quais se baseia para a individualização das

várias unidades consideradas.

Um outro contributo importante foi dado por Campar de Almeida que,

após desenvolver a problemática da paisagem numa perspetiva ecológica

na sua tese de doutoramento sobre as Dunas de Quiaios, Gândara e Serra

da Boa Viagem (Centro litoral de Portugal), promoveu, à imagem dos tra-

balhos de Kevin Lynch, K. D. Fines e A. Bailly, uma avaliação do valor da

paisagem, apoiada na perspetiva do observador, aplicada a duas áreas tam-

bém do centro litoral de Portugal (Almeida, 1999a, 1999b, respetivamen-

te). Através da aplicação de inquéritos, procedeu ao “reconhecimento das

paisagens mais qualificadas” e identificou os “indicadores mais valorativos

dessa paisagem” (Almeida, 2006, pág. 35). Idêntico exercício foi aplicado

por Vieira (2001), no contexto da avaliação da qualidade da paisagem para

a prática turística na Serra de Montemuro, considerando diversos fatores

abióticos, bióticos, antrópicos e potencialidades paisagísticas para a prática

do turismo.

Noutra perspetiva se apresenta o trabalho desenvolvido por Casimi-

ro (2002) e aplicado ao concelho de Mértola, que explora a aplicação de

métricas da paisagem, baseada nos conceitos da Ecologia da Paisagem,

de forma a compreender as dinâmicas ocorridas na paisagem e analisar os

seus padrões espaciais. Estas metodologias têm vindo a ser aplicadas por

outros autores (Viana e Aranha, 2008; Vieira, 2008; Cruz et al., 2013), cons-

tatando-se a pertinência destas metodologias para o apoio à caraterização

das paisagens, especificamente no que à sua dinâmica e padrões de ocor-

rência diz respeito.

Uma publicação que consideramos importante também referir aqui,

especialmente pela diversidade de abordagens e de autores envolvidos e

por um certo carácter de síntese que apresenta, é o volume 36, número 72

da revista Finisterra, especificamente

,

dedicado à Paisagem, publicado em

2001. Associado à comemoração dos 35 anos desta revista e ao evento or-

ganizado para o efeito sob o tema da Paisagem, permitiu a reunião de um

conjunto de textos relativos à temática em causa.

Das diversas contribuições, de realçar a abordagem feita por Salguei-

ro (2001), que analisa a evolução do conceito e dos estudos da paisagem,

52

salientando a importância da paisagem na Geografia e identificando as di-

ferentes perspetivas que se foram desenvolvendo, referindo, no que diz

respeito às correntes atuais, o destaque que tem vindo a ganhar a perspe-

tiva essencialmente subjetiva, em que “a paisagem é essencialmente uma

construção mental a partir da percepção e vivência no território” (pág. 44).

Também Gaspar (2001), fazendo uma resenha evolutiva dos estudos

da paisagem, reforça as novas perspetivas de análise, focadas nas “«novas»

dimensões sensoriais da paisagem: a olfativa, a sonora e a táctil” (pág. 83),

referindo-se também às paisagens biográficas e/ou literárias.

Nesta sequência, é interessante trazer também aqui a perspetiva das

paisagens fílmicas, de que são exemplo os trabalhos de Azevedo (2005,

2006), explorando a produção e o universo fílmico português, desde o pe-

ríodo do cinema mudo até ao contemporâneo (2006).

3. ASPETOS CONCLUSIVOS

O presente texto claramente não faz justiça ao significativo contributo

que a Geografia e os diversos geógrafos deram para o estudo da paisagem

em Portugal. Tratando-se de uma síntese, muito ficou por dizer e muitos

ficaram por citar, especialmente os inúmeros geógrafos que têm, nestas

últimas décadas, contribuído para a diversificação das formas de análise da

paisagem e das multiplicidade de contributos que têm vindo a público.

Contudo, estas breves notas permitem-nos ter uma perceção do ca-

minho trilhado nesta temática em Portugal e das referências maiores que

fizeram evoluir o conhecimento neste que é um objeto de estudo maior da

Geografia.

Efetivamente, a paisagem é objeto de estudo da geografia! Como re-

fere Medeiros (2001), “uma das mais penetrantes e, ao mesmo tempo, mais

simples definições de geografia (…) era a de «descrição e interpretação das

paisagens da superfície terrestre»” (pág. 27).

Em jeito de conclusão, sobressai, desta síntese, que ainda que a pers-

petiva naturalista tenha dominado durante um longo tempo na análise da

paisagem em Portugal e ainda esteja muito presente, especialmente no

âmbito do planeamento do território, diferentes perspetivas, com um cará-

ter mais subjetivo, se têm vindo a evidenciar e a ganhar protagonismo nas

ultimas décadas, diversificando as formas de perceber a paisagem no con-

texto geográfico português.

Acompanhando aquele que foi o desenvolvimento do estudo da paisa-

53

gem a nível internacional, também em Portugal se observou uma significa-

tiva dinâmica ao nível das perspetivas e abordagens do tema, pautada por

compassos, mais curtos ou mais longos, de estagnação ou aceleração da

investigação, mas promovendo o avanço do conhecimento e sua integra-

ção em diversas áreas da sociedade, também promovido por outras áreas

científicas. De facto, não podemos deixar de referir o importante contributo

que todos os diversos estudos desenvolvidos sobre a paisagem, também

no âmbito da Geografia, têm dado na definição de políticas públicas e de

planeamento e gestão do território, integrando a valorização da paisagem

e sua proteção.

A nível nacional, de referir a Constituição da República Portuguesa,

que no seu artigo 66 refere que é “dever do Estado classificar e proteger a

paisagem e promover a sua gestão para garantir o equilíbrio do território”.

Também a Lei de Bases do Ambiente, na sua versão de 1987, definia o con-

ceito de paisagem e referia a necessidade de criação de instrumentos para

a sua gestão. Na atual Lei de Bases do Ambiente, de 2014, a paisagem é

considerada como um dos componentes ambientais naturais, reconhecen-

do a necessidade da sua salvaguarda, através da “preservação da identi-

dade estética e visual, e da autenticidade do património natural, do patri-

mónio construído e dos lugares que suportam os sistemas socioculturais,

contribuindo para a conservação das especificidades das diversas regiões

que conjuntamente formam a identidade nacional” (artigo 10º, alínea f).

A nível europeu, a Convenção Europeia da Paisagem constitui-se como

uma ferramenta fundamental para a promoção do ordenamento e gestão

da paisagem. Com efeito, quer fomentando a definição e aplicação de po-

líticas públicas conducentes à sua adequada gestão, quer estabelecendo

mecanismos para o seu reconhecimento como património natural e cultural,

a Convenção Europeia da Paisagem desempenha um papel extremamente

relevante, contribuindo, também, para a valorização da identidade cultural

europeia e da qualidade de vida das populações (Abreu et al., 2004).

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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56

ECOLOGIA DA PAISAGEM

E GEOGRAFIA

Carlos Hiroo Saito

INTRODUÇÃO

A paisagem, como um constructo acadêmico, reveste-se de grande com-

plexidade e expressa as qualidades e as contradições inerentes ao campo da

ciência, sobretudo no que se refere a aspectos da disciplinaridade, da verticali-

zação e da fragmentação do conhecimento, bem como da valorização da mate-

matização como prova do rigor científico.

Assim, num primeiro passo introdutório, propõe-se apresentar alguns ele-

mentos que situam a paisagem junto aos domínios da ecologia da paisagem

e da geografia, e as questões suscitadas segundo a filiação a uma abordagem

ecológica ou geográfica, entendida aqui como geográfica-humanista.

Apesar do geógrafo alemão Carl Troll ter defendido que a ecologia da pai-

sagem poderia representar a unificação de princípios das ciências da natureza e

da terra (TROLL, 1939) e promover uma combinação da abordagem horizontal

do geógrafo com a abordagem vertical da ecologia tradicional (TROLL, 1971),

expressa pelos seus atributos ecológicos, o que se viu ao longo das décadas foi

o distanciamento entre ecologia da paisagem e geografia.

De forma simplificada, poder-se-ia dizer que a abordagem geográfica inclui

a dimensão humana e as práticas sociais e culturais de uso da terra, e os padrões

espaciais refletiriam esses aspectos socioculturais. Para Metzger (2001), essa

abordagem, que ele designa como sendo o primeiro nascimento da ecologia

da paisagem, teria tido forte influência da geografia humana, da fitossociologia

e da biogeografia, e de disciplinas da geografia ou da arquitetura relacionadas

ao planejamento regional. Para esse autor, essa abordagem geográfica seria ca-

racterizada por três pontos fundamentais: a possibilidade de atender ao planeja-

mento territorial; a compreensão das paisagens transformadas pelo homem, ou

seja, as chamadas “paisagens culturais”; e a análise de amplas áreas espaciais,

com atenção às questões de macroescalas.

Já na abordagem ecológica, com grande preponderância de foco nas pai-

sagens naturais e na conservação da biodiversidade, há uma valorização dos

57

elementos da natureza como constituintes da paisagem. Para Metzger

(2001), essa abordagem corresponderia a um segundo nascimento da eco-

logia da paisagem, ocorrido na década de 1980. A abordagem ecológica

seria herdeira principalmente da Biogeografia de Ilhas e das tentativas de

incorporação dessa como teoria-guia para delimitação de áreas protegidas

e proteção da biodiversidade (DIAMOND, 1975). A abordagem ecológica

seria, ainda, influenciada pela ecologia de ecossistemas e pela modelagem

e análise espacial, beneficiada pelas geotecnologias. Diferentemente da

abordagem geográfica, essa abordagem não enfatiza necessariamente ma-

croescalas, apresentando interesse, numa primeira aproximação, no reco-

nhecimento de componentes estruturais, sua morfologia e disposição es-

pacial. Vem daí a conclusão do viés estruturalista na ecologia da paisagem

(SAITO, 1998), que prioriza a identificação/reconhecimento dos elementos

visíveis da paisagem para então quantificá-los por métricas e estabelecer

relações entre eles. Rose (2002) acrescenta que os estudos de paisagem

continuam a depender das justificativas estruturais para explicar como as

paisagens existem.

A lembrança do estruturalismo é cabível por representar uma forma

de teorizar a descontinuidade do mundo, como o historicismo ou evolucio-

nismo pretendiam tratar da continuidade do fenômeno, ou seja, tratar do

fenômeno como continuidade (LEPARGNEUR, 1972). Ao pensar a ecologia

da paisagem como filiada ao estruturalismo, é preciso resgatar três pres-

supostos de um arquétipo estrutural (um meta-modelo) transponível para

essa situação, trazidos por Eco (1991): a universalidade, ou seja, se funcio-

nam universalmente por terem sido construídos para funcionarem univer-

salmente; a perenidade, tal que o modelo seja preexistente e ao mesmo

tempo, genérico; e a exclusividade, em que busca-se encontrar a essência

do objeto, de forma que o modelo construído corresponda à única forma

de explicar a realidade.

Para Saito (1998), essa proximidade entre ecologia da paisagem e es-

truturalismo passa a exigir alguns cuidados no desenvolvimento de pesqui-

sas, pois os três pressupostos anteriormente citados acabam por conferir à

ecologia da paisagem aparente independência da relação sujeito-objeto, o

que representa a objetificação da paisagem.

Cosgrove (1985) comenta que justamente as mesmas razões que fize-

ram a paisagem ser rejeitada por seus predecessores levaram à retomada

do interesse de geógrafos pelo conceito de paisagem, apontando para seus

aspectos holísticos, experienciais e humanos da relação com o ambiente,

mais que sua objetificação e a valorização dos aspectos mecanicistas dessas

relações fortificadas

,

pela divisão cartesiana entre sujeito e objeto. Talvez

58

por isso Bertrand (1978) avalie que a paisagem se exclui das categorias

científicas tradicionais, não podendo ser um conceito e não podendo se

tornar um, dada sua complexidade.

Postas essas questões introdutórias, propõe-se apresentar o(s) concei-

to(s) de paisagem segundo diferentes escolas de pensamento, destacando

os elementos-chave presentes nas conceituações. Na sequência à apresen-

tação do conceito (ou conceitos), reflete-se sobre os limites conceituais e de

aplicação, bem como sobre os desafios por conseguinte postos ao debate

acadêmico sobre paisagem. Finalmente, a partir da discussão dos limites e

desafios pretende-se retomar alguns aspectos introdutórios em favor da sua

contextualização frente ao desenvolvimento sustentável.

A PROPÓSITO DA DEFINIÇÃO DE PAISAGEM

Em função das controvérsias em torno da abordagem, pode-se apre-

sentar múltiplas e diferenciadas definições de paisagem, o que é admitido

por diferentes autores.

A primeira dessas definições vem apresentada por Antrop (2000), ba-

seado em Zonneveld (1995), como sendo a visão de paisagem proveniente

de Alexander von Humboldt em que a paisagem representaria o caráter

total de uma região da terra (‘Landschaft ist das Totalcharakter einer Erdge-

gend’).

Wu (2012, p. 5776-5777), como parte da descrição enciclopédica do

estado da arte em paisagem, sistematiza um conjunto de definições sobre

paisagem. Para esse autor, o geógrafo alemão Carl Troll teria cunhado o

termo “ecologia da paisagem” em 1939 e o definido em 1968 como sendo

o estudo das principais relações causais complexas entre as comunidades

de vida e seu ambiente em uma determinada seção de uma paisagem,

sendo que essas relações seriam expressas regionalmente em um padrão

de distribuição definido (mosaico de paisagem, padrão de paisagem) e em

uma regionalização natural em várias ordens de magnitude (TROLL, 1968

apud TROLL, 1971). No entanto, Minca (2007) aponta que haveria uma pu-

blicação anterior a essa, de Carl O. Sauer (1925), tratando do termo como

sendo uma forma de terreno em que o processo de modelagem não é con-

siderado simplesmente físico, mas por uma associação distinta de formas,

tanto físicas quanto culturais, levando-a a ter uma constituição reconhecível,

limites e relação genérica com outras paisagens que constituem um sistema

geral. Minca (2007) também reforça a anterioridade de Humboldt, inclusive

analisando como e porque teria ocorrido o forçado esquecimento desse

59

autor na história do conceito de paisagem.

Wu (2012), em sua enumeração de conceitos, também aponta que

Zonneveld (1972) teria afirmado ser a ecologia da paisagem um aspecto do

estudo geográfico que considera a paisagem como uma entidade holística,

composta de diferentes elementos, todos influenciando uns aos outros, in-

dicando, portanto, que a terra seria estudada como o ‘caráter total de uma

região’, e não em termos dos aspectos separados de seus elementos com-

ponentes. Já para Naveh e Liberman (1994), a ecologia da paisagem repre-

sentaria um ramo jovem da ecologia moderna que lida com a interrelação

entre o homem e suas paisagens abertas e construídas com base na teoria

geral dos sistemas, biocibernética e ecossistema, em que as paisagens cor-

responderiam, nesse contexto, a entidades naturais e culturais tangíveis e

heterogêneas, intimamente interligadas entre si. Outra definição indicaria a

paisagem como uma área com quilômetros de extensão onde um aglome-

rado de povoamentos ou ecossistemas em interação se repetiria de forma

semelhante, de tal maneira que a ecologia da paisagem se debruçaria so-

bre o estudo da estrutura, função e desenvolvimento das paisagens (FOR-

MAN, 1981; FORMAN; GODRON, 1986). Trata-se de definição próxima da

trazida por Risser et al. (1984), segundo a qual a ecologia da paisagem teria

foco explicitamente no padrão espacial, considerando o desenvolvimento

e a dinâmica da heterogeneidade espacial, as interações e trocas espaciais

e temporais ao longo de paisagens heterogêneas, as influências da hetero-

geneidade espacial nos processos bióticos e abióticos, e a gestão da hete-

rogeneidade espacial. Os autores concluíram que a ecologia da paisagem

não seria uma disciplina distinta ou simplesmente um ramo da ecologia,

mas representaria a intersecção sintética de muitas disciplinas relacionadas,

que privilegiariam o padrão espaço-temporal da paisagem. Nessa listagem

de Wu (2012), consta também a definição trazida por Pickett e Cadenasso

(1995) de que a ecologia da paisagem seria o estudo dos efeitos recíprocos

do padrão espacial nos processos ecológicos e as maneiras pelas quais os

fluxos são controlados dentro de matrizes heterogêneas. Assim, essa defi-

nição também se articularia com a de Wiens et al. (1993) de que a ecologia

da paisagem seria uma ecologia espacialmente explícita ou locacional, ou

seja, o estudo da estrutura e dinâmica dos mosaicos espaciais e suas causas

e consequências ecológicas em qualquer nível de uma hierarquia organiza-

cional, ou em qualquer uma de muitas escalas de resolução.

A importância das noções de estrutura e escala dessas definições

também é enfatizada ao trazer-se a definição de Nassauer (1997) de que

a ecologia da paisagem investigaria a estrutura da paisagem e a função

ecológica em uma escala que abrange os diferentes elementos comuns da

60

experiência humana da paisagem como quintais, florestas, campos, riachos

e ruas. Ou ainda na definição de Wu e Hobbs (2007) segundo a qual a eco-

logia da paisagem seria a ciência e a arte de estudar e influenciar a relação

entre o padrão espacial e os processos ecológicos em níveis hierárquicos

de organização biológica e diferentes escalas no espaço e no tempo. Esca-

las também fazem parte da definição de Turner (1989) e Turner et al. (2001),

de forma que a ecologia da paisagem enfatizaria escalas espaciais amplas,

muito maiores do que aquelas tradicionalmente estudadas em ecologia, e,

ao analisar os efeitos ecológicos da configuração de padrões espaciais dos

ecossistemas, ela se debruçaria sobre as causas e consequências da hetero-

geneidade espacial em uma gama de escalas.

A essas definições, Metzger (2001) incorpora outras, algumas que se

sobrepõe àquelas trazidas por Wu (2012), como as de Forman & Godron

(1986), Risser et al. (1984) ou Turner (1989), e outras diferentes das de Wu

(2012), por exemplo: ecologia da paisagem corresponderia à investigação

da estrutura e funcionamento de ecossistemas na escala da paisagem (PO-

JAR et al., 1994); seria uma forma de considerar a heterogeneidade ambien-

tal em termos espacialmente explícitos (WIENS et al., 1993); ou uma ciência

interdisciplinar que lida com as interações entre a sociedade humana e seu

espaço de vida, natural e construído (NAVEH; LIEBERMAN, 1994).

Rose (2002) também nos traz outro conjunto de definições diferente

das anteriores: a paisagem seria uma parte da superfície da terra que pode

ser compreendida de imediato, com um simples olhar (JACKSON, 1984);

a paisagem poderia surgir através de um esforço da imaginação exercido

sobre o que foi capturado pelos sentidos do observador (TUAN, 1979); ou

poderia, ainda, corresponder a uma forma de ver, uma composição e estru-

turação do mundo de modo que ela possa ser apropriada por um especta-

dor individual, distante, a quem uma ilusão de ordem e controle é oferecida

através da composição de espaço (COSGROVE, 1985). Para Lewis (1976), a

paisagem poderia ser a nossa autobiografia inconsciente, refletindo nossos

gostos, nossos valores, nossas aspirações e até mesmo nossos medos, de

forma tangível e visível.

A essas definições, acresce-se ainda que paisagens corresponderiam

aos sistemas ‘Gestalt’ tridimensionais concretos do Ecossistema Humano

Total, que seria a entidade ecológica coevolucionária mais elevada na Terra

(NAVEH, 2000). Para esse último autor, as paisagens constituiriam a matriz

espacial e funcional para todos os organismos,

,

incluindo seres humanos e

suas populações, comunidades e ecossistemas, e seriam mais do que ecos-

sistemas repetidos em trechos de quilômetros de largura. As paisagens,

sendo sistemas concretos, tangíveis, de nosso Ecossistema Humano Total,

61

devem ser, portanto, estudadas e manejadas em si, em diferentes escalas e

dimensões funcionais e espaciais (NAVEH, 2000).

Para Bertrand (1978), a paisagem não existe fora do sistema em que

funciona, de maneira que desenvolver um “enquadramento” da paisagem

consiste em encerrá-la em um sistema de referência socioecológico, em que

seu conteúdo socioecológico e seu envelope ecoespacial podem ser deli-

mitados. Por isso, mais do que apresentar uma definição, ele prefere apre-

sentar elementos a serem nela considerados: o reconhecimento da ação (ou

produção), baseada no funcionamento do sistema de produção material e

cultural, o reconhecimento do fator tempo que corresponde a um período

estável do sistema de produção, e o reconhecimento do lugar, delimitando

o espaço material no qual o sistema de produção se desenvolve.

Seguindo a mesma linha de argumentação, Anschuetz et al. (2001) pre-

ferem trazer o que eles considerem as quatro premissas fundacionais do

paradigma de paisagem:

a) Paisagens não seriam sinônimos de ambientes naturais, mas promo-

veriam uma síntese dos sistemas culturais, estruturando e organizando as

interações das pessoas com seus ambientes naturais;

b) Paisagens seriam produtos culturais, resultantes das atividades co-

tidianas, crenças e valores por meio dos quais as comunidades transforma-

riam o meio físico em espaços que lhes seriam significativos;

c) Paisagens corresponderiam a uma espécie de arena ou meio em que

as populações sobreviveriam e se sustentariam, e o domínio de uma paisa-

gem resultaria na emergência de padrões observáveis de traços materiais

e espaços vazios pelos quais as interações entre dimensões culturalmente

organizadas e recursos não culturalmente organizados se manifestariam;

d) Paisagens seriam construções dinâmicas, servindo tanto como uma

construção material que comunicaria informações quanto como um tipo de

texto histórico, registrando processos de mudança comportamental através

do espaço e ao longo do tempo, o que resultaria em uma paisagem em

constante mudança.

Finalmente, cabe apresentar a definição presente na Convenção Eu-

ropeia da Paisagem, do ano de 2000: paisagem designaria uma parte do

território apreendida pelas populações, cujo caráter resultaria da ação e das

62

interações de fatores naturais e/ou humanos e suas interrelações (CONSEIL

DE L’EUROPE, 2008).

Neste momento do texto, apresenta-se um quadro-síntese compilando

esse conjunto de definições (Quadro 1), à semelhança da estratégia adota-

da por Wu (2012), porém ampliando-a para novas definições aqui apresen-

tadas, de forma que seja possível alguma função analítica na sequência.

Uma nuvem de palavras produzida a partir desta listagem de definições

é apresentada na Figura 1, expressando as palavras de maior frequência no

rol textual presente no Quadro 1.

Quadro 1. Lista de definições de ecologia da paisagem

Definição Fonte

A paisagem representaria o caráter total de uma região da terra Alexander von

Humboldt,

segundo Zonneveld

(1995)

A paisagem corresponderia a uma área com uma forma de terreno em

que o processo de modelagem não seria considerado simplesmente

físico, mas associado a distinta formas, tanto físicas quanto culturais,

levando essa a ter uma constituição reconhecível, limites, como tipo

ou uma variante do tipo, mas sempre considerando o caráter genérico

e a relação genérica com outras paisagens que constituem um sistema

geral

Sauer (1925)

A ecologia da paisagem seria o estudo das principais relações

causais complexas entre as comunidades de vida e seu ambiente em

uma determinada seção de uma paisagem, em que as relações se

expressariam regionalmente em um padrão de distribuição definido

(mosaico, padrão) e em uma regionalização natural em várias ordens

de magnitude

Troll (1939); Troll

(1968); Troll (1971)

A ecologia da paisagem seria um aspecto do estudo geográfico que

consideraria a paisagem como uma entidade holística, composta de

diferentes elementos, todos influenciando uns aos outros, indicando,

portanto, que a terra seria estudada como o ‘caráter total de uma

região’ e não em termos dos aspectos separados de seus elementos

componentes

Zonneveld (1972)

A ecologia da paisagem seria uma ciência interdisciplinar que lidaria

com as interações entre a sociedade humana e seu espaço de vida,

natural e construído, com as paisagens abertas e construídas, com base

na teoria geral dos sistemas, biocibernética e ecossistema; as paisagens

corresponderiam, nesse contexto, a entidades naturais e culturais

tangíveis e heterogêneas, intimamente interligadas entre si

Naveh e Lieberman

(1994)

63

Definição Fonte

A paisagem seria uma área com quilômetros de extensão em que um

aglomerado de povoamentos ou ecossistemas em interação se repetiria

de forma semelhante, de tal forma que a ecologia da paisagem se

debruçaria sobre o estudo da estrutura, função e desenvolvimento das

paisagens

Forman (1981);

Forman e Godron

(1986)

A ecologia da paisagem teria foco explicitamente no padrão espacial,

considerando o desenvolvimento e a dinâmica da heterogeneidade

espacial, as interações e trocas espaciais e temporais ao longo de

paisagens heterogêneas, as influências da heterogeneidade espacial nos

processos bióticos e abióticos, e a gestão da heterogeneidade espacial,

representando a intersecção sintética de muitas disciplinas relacionadas

que privilegiariam o padrão espaço-temporal da paisagem

Risser et al. (1984)

A ecologia da paisagem seria o estudo dos efeitos recíprocos do padrão

espacial nos processos ecológicos e as maneiras pelas quais os fluxos

são controlados dentro de matrizes heterogêneas

Pickett e Cadenasso

(1995)

A ecologia da paisagem investigaria a estrutura da paisagem e a função

ecológica em uma escala que abrange os diferentes elementos comuns

da experiência humana da paisagem como quintais, florestas, campos,

riachos e ruas

Nassauer (1997)

A ecologia da paisagem seria uma ecologia espacialmente explícita

ou locacional, visando o estudo da estrutura e dinâmica dos mosaicos

espaciais e suas causas e consequências ecológicas em qualquer nível de

uma hierarquia organizacional, ou em qualquer uma de muitas escalas

de resolução

Wiens et al. (1993)

A ecologia da paisagem enfatizaria escalas espaciais amplas, muito

maiores do que aquelas tradicionalmente estudadas em ecologia e,

ao analisar os efeitos ecológicos da configuração de padrões espaciais

dos ecossistemas, ela se debruçaria sobre as causas e consequências da

heterogeneidade espacial em uma gama de escalas

Turner (1989);

Turner et al. (2001)

A ecologia da paisagem seria a ciência e a arte de estudar e influenciar

a relação entre o padrão espacial e os processos ecológicos em níveis

hierárquicos de organização biológica e diferentes escalas no espaço e

no tempo

Wu e Hobbs (2007)

A ecologia da paisagem corresponderia à investigação da estrutura e

funcionamento de ecossistemas na escala da paisagem

Pojar et al. (1994)

A paisagem seria uma parte da superfície da terra que pode ser

compreendida de imediato, com um simples olhar

Jackson (1984)

A paisagem seria nossa autobiografia inconsciente, refletindo nossos

gostos, nossos valores, nossas aspirações e, até mesmo, nossos medos,

de forma tangível e visível

Lewis (1976)

64

Definição Fonte

A paisagem seria um esforço da imaginação exercido sobre o que foi

capturado pelos sentidos

Tuan (1979)

A paisagem seria uma forma de ver, uma composição e estruturação

do mundo de modo que ela possa ser apropriada por um espectador

individual, distante, a quem uma ilusão de ordem e controle é oferecida

através da composição de espaço

Cosgrove (1985)

As paisagens corresponderiam aos sistemas ‘Gestalt’ tridimensionais

,

concretos do Ecossistema Humano Total, constituindo uma

matriz espacial e funcional para todos os organismos, incluindo

seres humanos e suas populações, comunidades e ecossistemas, e

seriam, portanto, mais do que ecossistemas repetidos em trechos

de quilômetros de largura, devendo ser estudadas e manejadas em

diferentes escalas e dimensões funcionais e espaciais

Naveh (2000)

A paisagem não existiria fora do sistema em que funciona, ou seja,

desenvolver um “enquadramento” da paisagem consistiria em encerrá-

la em um sistema de referência socioecológico, em que seu conteúdo

socioecológico e seu envelope ecoespacial seriam delimitados segundo

o reconhecimento da ação (ou produção) baseada no funcionamento

do sistema de produção material e cultural, o reconhecimento do fator

tempo que corresponde a um período estável do sistema de produção,

e o reconhecimento do lugar, delimitando o espaço material no qual o

sistema de produção se desenvolve

Bertrand (1978)

A paisagem como paradigma teria quatro premissas fundacionais: a)

Paisagens não são sinônimos de ambientes naturais, mas promovem

uma síntese dos sistemas culturais, estruturando e organizando as

interações das pessoas com seus ambientes naturais; b) Paisagens são

produtos culturais, resultantes das atividades cotidianas, crenças e

valores por meio dos quais as comunidades transforma o meio físico

em espaços que lhes são significativos; c) Paisagens correspondem a

uma espécie de arena ou meio em que as populações sobrevivem e

se sustentam, e o domínio de uma paisagem resulta na emergência

de padrões observáveis de traços materiais e espaços vazios, com

interações entre dimensões culturalmente organizadas e recursos não

culturalmente organizados; d) Paisagens são construções dinâmicas,

servindo tanto como uma construção material que comunica

informações quanto como um tipo de texto histórico, registrando

processos de mudança comportamental através do espaço e ao longo

do tempo, o que resulta em uma paisagem em constante mudança

Anschuetz et al.

(2001)

Paisagem designa uma parte do território apreendida pelas populações,

cujo caráter resulta da ação e das interações de fatores naturais e/ou

humanos e suas interrelações

Conseil de l’Europe

(2008)

65

Depreende-se pela Figura 1 o destaque para as ideias-chave em Eco-

logia da Paisagem/Paisagem: espacial, interações, padrão/ordem, num

primeiro bloco principal; sistema, heterogeneidade, modelagem, cultural,

num segundo bloco de valorização; e um terceiro bloco constituído pelos

termos forma/configuração, fluxos/processos, reconhecível, estrutura, dinâ-

mica, ecológicos, ecossistemas, escalas, lugar.

Nesse ponto, é importante compreender que a frequência de termos

apenas expressa a maior incidência das palavras mais ligadas à objetivação

da paisagem a partir de suas estruturas, evidenciando a visão hegemônica

dessa abordagem, que valoriza as relações entre padrão, processo e escala

conforme herança do workshop de Allerton Park, evento-marco na história

da Ecologia da Paisagem, realizado de 25 a 27 de abril de 1983, em Illinois,

EUA. No entanto, deve-se notar também que o termo cultural começa a

despontar com maior destaque.

Esse resultado pode ser ainda comentado com base em Paquette et

al. (2005), que também analisaram os múltiplos sentidos da palavra “pai-

sagem” e concluíram pela existência de duas grandes famílias conceituais

que se destacam de forma consistente: a primeira família de definições tra-

ta a paisagem associando-a às formas materiais e objetivas do território,

enquanto outra trata a paisagem como uma manifestação de relações sen-

síveis com a terra, mediada pelos aspectos culturais e valorações sociais em

relação ao território.

Figura 1. Nuvem de

palavras a partir das

definições de Eco-

logia da Paisagem/

Paisagem contida no

Quadro 1

OS LIMITES E

OS DESAFIOS PARA

A PAISAGEM

As preocupa-

ções de ordem teó-

rico-metodológicas

também se fazem

presentes em balanço feito por Li e Wu (2004), que avaliam que a compre-

ensão ecológica decorrente das análises de padrões de paisagem resultou

66

aquém do esperado, por três motivos: falhas conceituais na análise de pa-

drão da paisagem, limitações inerentes aos próprios índices de paisagem e

uso inadequado de métricas de paisagem.

No entanto, desde o despertar da ecologia da paisagem na década de

1980 já reconhecia-se a existência de gargalos, seja pela forte influência da

biogeografia de ilhas ou pela presunção de que as características no nível

do ecossistema seriam suficientes para se estabelecer as características no

nível da paisagem, ou, ainda, pela crença que as sobreposições de planos

de informação (mapas), propiciadas pelas geotecnologias, seriam capazes

de capturar os atributos-chaves da paisagem (WIENS, 2008).

Para esse autor, o workshop de Allerton Park trouxe quatro questões

necessárias para a reflexão de avanços futuros:

a) Como os fluxos de organismos, de material e de energia estão rela-

cionados à heterogeneidade da paisagem?;

b) Quais processos formativos, históricos e presentes são responsáveis

pelo padrão existente em uma paisagem?;

c) Como a heterogeneidade da paisagem afeta a propagação da per-

turbação?; e

d) Como a gestão dos recursos naturais pode ser aprimorada por uma

abordagem de ecologia da paisagem?

Além disso, o workshop buscou fortalecer o debate na área, alertando

que o foco inicial na heterogeneidade per se era excessivamente simplista

e indefinido, requerendo sua expansão rumo à análise quanto ao arranjo

espacial explícito dos elementos em uma paisagem (WIENS, 2008). Li e Wu

(2004) apontam a necessidade de refletir sobre eventuais falhas conceituais

às quais os estudos em ecologia de paisagem podem incorrer: relações

injustificadas entre padrão e processo, insignificância ecológica dos índices

da paisagem e confusão entre a escala de observação e a escala de análise.

Complementarmente, para Metzger (2001), haveria ainda questões ecoló-

gicas básicas envolvendo o conceito de escala, a saber:

i) questionar se existe uma escala espacial e temporal determinada

para cada processo ecológico ou para cada espécie;

ii) refletir se é possível transpor resultados obtidos numa escala pontual

para uma escala global.

67

O período subsequente ao workshop de Allerton Park, como reflexo

também da expansão da pesquisa na área da ecologia da paisagem, trou-

xe novas questões para reflexão: embora a quantificação e a avaliação por

meio de métricas e indicadores tenha fornecido uma riqueza de informa-

ções sobre a estrutura da paisagem, essa profusão também criou uma fon-

te potencialmente grande de confusão, visto que muitas métricas medem

simultaneamente vários aspectos da estrutura, confundindo a composição

e configuração da paisagem (CUSHMAN et al., 2008). A falta de parcimônia

no uso das métricas pode resultar ainda em possibilidade de redundância

e sobreposição. Li e Wu (2004), ao reforçarem a preocupação com o uso

indevido de índices da paisagem, destacam dois exemplos que mereceriam

atenção: o estabelecimento de um padrão de quantificação sem considerar

o processo, e a falha em lidar com as advertências da análise de correlação

com os índices da paisagem.

Nessa mesma linha de preocupação, Metzger (2006) chamou a aten-

ção para a necessidade do cuidado que a biologia da conservação deve ter

quanto ao uso indiscriminado das métricas de paisagem dissociado de uma

análise espécie-específica. Para esse autor, a definição do próprio mosaico

e sua extensão dependeria da espécie envolvida, visto que a percepção de

paisagem como mosaicos interativos poderia ser totalmente diferente em

função das características de uma espécie em relação à outra.

Essa orientação pode ser ilustrada com o exemplo de Rodrigues (2001),

que desenvolveu e aplicou uma metodologia de seleção de áreas para sol-

tura de animais arborícolas resgatados durante o enchimento do reservató-

rio da Usina Hidrelétrica Luis Eduardo Magalhães

,

(UHE-LEM), no Tocantins,

tomando como referência o macaco prego ou capuchinho (Cebus apella),

após monitoramento da abundância e estimativa da área vida e distância

percorrida entre fragmentos florestais por radiotelemetria. As análises e

métricas simples foram referidas tomando essa espécie como referência

justamente por terem uma área de vida significativamente ampla dentre os

animais com as mesmas restrições de habitat, podendo servir de base para

o planejamento e definição de áreas de soltura que abranjam os demais

animais (espécies guarda-chuva). A metodologia incluiu quatro parâmetros

para seleção e classificação dos fragmentos florestais quanto ao potencial

para recepção da fauna resgatada (Tamanho do fragmento, observando a

filtragem por tamanho mínimo de 0,6 km², Permeabilidade ou Conectivi-

dade, correspondendo ao tipo de ambiente existente entre o fragmento e

seus vizinhos, Distância do fragmento analisado para seus vizinhos, obser-

vando a distância reportada para travessia da espécie em ambientes aber-

tos como sendo de 100 a 800 metros, e Adensamento, correspondendo ao

68

número de fragmentos vizinhos), gerando um índice de classificação final

dos fragmentos: TOTAL-P = (Tamanho x 0,5) + (Distância x 0,2) + (Permea-

bilidade x 0,2) + (Adensamento x 0,1) (Figura 2).

Figura 2. Mapeamentos dos parâmetros utilizados para seleção e classificação dos fragmentos

florestais (A=tamanho, B=Permeabilidade, C=Distância, D=Adensamento), quanto ao potencial

para recepção da fauna resgatada durante o enchimento do reservatório da Usina Hidrelétrica

Luis Eduardo Magalhães (UHE-LEM), no Tocantins, gerando um índice de classificação final

(E=Total) dos fragmentos.

Fonte: Adaptada de RODRIGUES (2001)

Essas questões derivadas de Allerton Park trazidas por Wiens (2008), e

69

aqui atualizadas e complementadas com base em Metzger (2006) e Cushman

et al. (2008), também se circunscrevem no domínio da abordagem ecológi-

ca, sem erigir questões relativas ao campo da abordagem geográfica (ge-

ográfica-humanista) ou quanto a uma necessária articulação entre as duas

abordagens. Para Paquette et al. (2005), para além dessa polarização entre

duas abordagens, que expressam a dicotomia objetividade x subjetividade,

existiria a emergência de uma terceira posição conceitual particular, segun-

do a qual a paisagem não deve ser vista como apenas referenciada a uma

realidade físico-espacial objetiva, e tampouco limitada a uma qualificação

subjetiva do olhar, mas sim associada à relação dialética existente entre as

duas abordagens.

Simensen et al. (2018) também compartilham desse mesmo raciocínio

ao caracterizarem os estudos contemporâneos em paisagem contemporâ-

nea segundo uma divisão clara dos escopos em três abordagens:

a) análises holísticas;

b) estudos com base em propriedades geoecológicas relacionadas ao

uso da terra, e

c) caracterização biofísica da paisagem por análise estática – sendo a

segunda abordagem aquela que se aproximaria da terceira posição concei-

tual de Paquette et al. (2005).

Bertrand e Tricart (1968) reforçam essa discussão, argumentando que

a paisagem não seria o simples acréscimo de elementos geográficos díspa-

res, mas o produto da combinação dinâmica de elementos físicos, biológi-

cos e antrópicos que interagem dialeticamente uns com os outros. Portan-

to, a paisagem corresponderia a um todo único e indivisível em contínua

evolução, o que exigiria também a dialética como método de pesquisa da

paisagem.

Silva et al. (2020), numa tentativa de promover essa aproximação dialé-

tica entre as abordagens ecológica e geográfica/humanista, desenvolveram

um estudo para demonstrar que o zoneamento da paisagem produzido no

campo por geógrafos vinculados à Geografia Humana seria acurado e po-

deria ser plenamente validado pelos procedimentos matemáticos usados

na ecologia da paisagem, como métricas e índices. Para tal, desenvolveu-

-se um sistema de assinatura gráfica das métricas de paisagem (número

de classes, porcentagem de cobertura vegetal, percentual de fragmentos

na paisagem, número de fragmentos, índice de diversidade, tamanho dos

70

fragmentos, distância entre fragmentos, índice de forma dos fragmentos)

para cada um dos tipos de paisagens (Figura 3). Esse sistema de assinatu-

ra, inspirado nos moldes de assinatura espectral no sensoriamento remo-

to (LAQUES, 2009; NIESTEROWICZ; STEPINSKI, 2016), permitiria visualizar

padrões diferentes para cada tipo de paisagem, que foram estatisticamente

confirmados como tendo diferença significativa entre si. O teste estatístico

serviu para confirmar a hipótese dos autores de que o mapa paisagístico

resultante das observações e pesquisas de campo, com reputação subjeti-

vista e sem acurácia, apresenta uma coerência que comprova a legitimida-

de e viabilidade desse. Os autores assim concluem ser a paisagem capaz

de promover uma mediação integradora da geografia física e da geografia

humana, que pode ser transposta aqui para as abordagens ecológica e ge-

ográfica (geográfica-humanista) da paisagem.

Figura 3. Exemplo de assinatura de paisagem para os tipos 3-Quintais crioulos na Guiana

Francesa e 5-Assentamentos rurais no Brasil

Fonte: Adaptada de Silva et al (2020)

Outro trabalho que se enquadra na busca da terceira posição concei-

tual de Paquette et al. (2005) é o de Antrop e Van Eetvelde (2000), que

investigaram se os mapas de métricas da paisagem, supostamente capazes

de revelar padrões espaciais, corresponderiam às unidades de paisagem

definidas por abordagens holísticas baseadas na percepção humana. Cabe

assinalar, no entanto, que os trabalhos de Silva et al. (2020) e o de Antrop e

Van Eetvelde (2000) diferem entre si: o primeiro buscou a aplicação das mé-

tricas em unidades de paisagem previamente definidas in situ para então

analisar o nível de diferenciação entre os tipos de paisagem e confirmar pela

matematização a correção da abordagem geográfica-humanista, enquanto

que Antrop e Van Eetvelde (2000) utilizaram as suas próprias métricas como

ponto de partida para definir as unidades da paisagem e compararam seus

limites com aqueles derivados da interpretação visual das imagens, assim

71

conjecturando que a matematização seria capaz de chegar na abordagem

geográfica (geográfica-humanista).

Aponta-se que não é possível reificar o poder discriminatório propicia-

do pelas formas espaciais capturadas pelas geotecnologias, porque faz-se

necessário analisar as dinâmicas sócio-históricas que produziram o fenôme-

no. Deve-se considerar também a possibilidade de ilusionismo provocado

pela confiança advinda da fetichização da tecnologia (SAITO, 1995).

É preciso lembrar que não se pode ignorar o fator cultural como parte

integrante do reconhecimento e estabelecimento das formas de uso e tipos

de paisagem, como pode ser visto em Robbins (2003). Esse autor mostrou

a parcialidade da tecnologia de mapeamento, e como o significado cultural

das paisagens depende dos papéis sócio-políticos na produção regional e

gestão dos recursos, apresentado ainda possibilidades de uso crítico da fer-

ramenta a partir de um estudo de caso em uma região de Rajasthan, Índia.

Por outro lado, deve-se reconhecer que as geotecnologias podem ser

apropriadas e possuem um poder de avaliação fundamental, considerando

sua capacidade de operar as métricas, cartografando com precisão e ra-

pidez. Essa apropriação da geotecnologia pode representar um aumento

no poder analítico e de criticidade, como mostrado por Levin et al. (2010)

em um estudo sobre os padrões de assentamento no Negev. Os autores

mostraram que o padrão do gradiente espacial de distribuição das tendas

de beduínos em direção ao norte apresenta uma interrupção abrupta, en-

quanto a mesma distribuição das tendas diminui gradualmente em direção

ao sul, sugerindo uma paisagem historicamente construída sob relações de

poder e coerção, e com representações diferentes devidas a grupos hege-

mônicos.

Tratar da trajetória de busca

,

por uma perspectiva mais integradora em

termos conceituais da paisagem inclui, necessariamente, fazer referência

à Convenção Europeia da Paisagem, de 2000, que traz a noção de que a

paisagem resulta da interrelação natureza-sociedade, opondo-se tanto ao

conceito de paisagem como bem, quanto à qualificação entre cultural e

natural. Essa convenção assume a paisagem como locus em que deve-se

exercer o tema da qualidade dos locais onde as populações vivem, seu

bem-estar (entendido nos sentidos físico, fisiológico, psicológico e intelec-

tual) do indivíduo e social, e o desenvolvimento sustentável (CONSEIL DE

L’EUROPE, 2008).

Para Saito e Laques (2021), a paisagem na Convenção Europeia da Pai-

sagem é vista nem como substrato, nem como uma configuração a ser pro-

tegida, sendo assim compreendida como um processo de transformação a

ser apreendido e compreendido.

72

As recomendações contidas no documento Recomendação CM/

Rec(2008)3 do Comitê de Ministros do Conselho da Europa aos Estados

membros sobre as diretrizes para a implementação da Convenção Europeia

da Paisagem, de 6 de fevereiro de 2008 (Conseil de l’Europe, 2008), tomam

como princípios orientadores, primeiramente, que leve-se em consideração

o território como um todo, abarcando os espaços naturais, rurais, urbanos

e periurbanos, incluindo tanto os espaços terrestres quanto as águas inte-

riores e marítimas. Essa recomendação também pode ser entendida como

uma contraposição ao surgimento de terminologias de tipificarão ou adjeti-

vação, como “waterscapes” em oposição a “landscapes”, na literatura base-

ada na língua inglesa. Outro princípio orientador é de que toda e qualquer

política de paisagem deve basear-se num diagnóstico que a qualifique com

base não apenas nas características físicas, mas também nos seus aspectos

históricos e culturais e, indo mais além, recomenda também considerar a

percepção da paisagem pelas populações tanto em uma evolução histórica

quanto de seu significado presente.

Para essa convenção, a gestão da paisagem a partir de uma perspec-

tiva de desenvolvimento sustentável visa garantir a manutenção regular de

uma paisagem, de modo a orientar e harmonizar as mudanças que são

provocadas por processos sociais, econômicos e ambientais. A estreita re-

lação entre paisagem e desenvolvimento sustentável seria também de mão

dupla, tanto o desenvolvimento sustentável orientando a gestão da paisa-

gem, quanto a paisagem como campo da ciência, contribuindo para o pró-

prio desenvolvimento sustentável e seus objetivos preconizados na Agenda

2030. Para Opdam et al. (2018), o apelo por abordagens interdisciplinares e

de escala múltipla na ecologia da paisagem é consistente, justamente, com

os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

Um aspecto importante a ressaltar sobre a visão de paisagem presente

na Convenção Europeia da Paisagem é que essa convenção reconhece que

a paisagem se encontra em constante mudança, e que proteger a paisagem

não pode representar nem a interrupção do tempo nem a restauração das

características naturais ou de formas de influência humana que não existem

mais. Assegurar que a gestão da paisagem esteja vinculada ao seu desen-

volvimento sustentável significa, então, orientar mudanças nos locais de

modo a transmitir suas características específicas, materiais e imateriais, às

gerações futuras.

O que a Convenção Europeia da Paisagem pode estar propiciando

é a retomada da centralidade da paisagem como conceito balizador da

gestão territorial e, igualmente, como uma síntese única das características

naturais, sociais e culturais, tal como em sua origem reclamada por Antrop

73

(2000). Além disso, a retomada da paisagem na perspectiva integradora

pode também contribuir para uma maior aproximação entre a geografia

humana e física, cuja separação Tadaki et al. (2012) analisaram.

Assim, adicionalmente aos desafios anteriormente postos, consideran-

do o disposto na Convenção Europeia da Paisagem, pode-se retomar algu-

mas questões trazidas por Tadaki et al. (2012), direcionadas para este con-

texto específico: como podemos valorizar a cultura e quais seriam os efeitos

disso no estudo e na gestão da paisagem? Quais as reais consequências

de reduzir as “dimensões humanas” a insumos materiais para modelagem

numérica (que ainda representa a valorização da matematização)? Como

reconhecer experiências leigas e não leigas (conhecimentos heurísticos e

empíricos) sobre o meio ambiente e valorizá-las no processo de produção

de conhecimento sobre a paisagem em que existem? Como a história ge-

ográfica pode nos ajudar a entender onde estivemos e para onde ainda

podemos ir com relação à gestão da paisagem? Que tipo de trabalho uma

geografia física cultural pode organizar para a geografia como um todo e

especificamente sobre a gestão da paisagem nos moldes propostos pela

Convenção Europeia da Paisagem?

Essas questões convergem com as preocupações de Minca (2007) em

sua busca por resgatar o compromisso original humboldtiano que, segundo

o autor, poderia ter feito da geografia moderna uma forma genuinamente

crítica de conhecimento: conceber a ideia de paisagem de Humboldt como

um limiar da Modernidade (soglia della modernità), “como um espaço de

potencial e de possibilidade, o enquadramento entre o que existe, o que

existia e o que poderia existir” (p.183). Talvez seja possível caminhar nessa

direção seguindo a sugestão de Opdam et al. (2018), para quem a ecologia

da paisagem deve integrar mecanismos ecológicos e sociais ao pensamen-

to sistêmico, na busca de sintonia com o desenvolvimento sustentável.

À guisa de síntese desta seção, a Figura 4 traz um esquema situando os

principais termos (aqueles mais frequentes) nas conceituações da paisagem

apresentadas no Quadro 1 e organizadas em nuvem de palavras (Figura 1),

relacionando-os aos desafios apresentados.

É interessante notar, com base na Figura 4, o quanto, nas conceitua-

ções, a frequência reiterada de termos pende para a abordagem ecológi-

ca, mas que as questões postas e os desafios identificados para o avanço

dos estudos em paisagem pendem para a abordagem geográfica (geo-

gráfica-humanista). Esse comportamento diferenciado na preponderância

de termos nos conceitos (e por conseguinte o reforço de uma abordagem

em relação à outra) e de prevalência de campos nos desafios futuros talvez

expressem uma reconhecida necessidade de síntese, podendo, nesse caso,

74

reforçar a sugestão da emergência da terceira posição conceitual sugerida

por Paquette et al. (2005).

Figura 4. Esquema-síntese po-

sicionando os desafios para o

avanço dos estudos em paisa-

gem em relação à frequência

de termos nas conceituações de

paisagem, segundo o eixo abor-

dagem ecológica-abordagem

geográfica

75

E é por isso que faz-se muito atual a recomendação de insistir sempre

no aprofundamento do debate sobre o aspecto epistemológico da noção

de paisagem (PALIERNE, 1969).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A revisão sobre a relação entre ecologia da paisagem e geografia per-

manece longe de estar esgotada e, na verdade, ela trata não apenas da

história do conceito de paisagem em si, mas também, e entrelaçada com

ela, da história do desenvolvimento da ciência moderna, do primado do

cartesianismo, da separação entre a geografia física e humana, e da retoma-

da das preocupações com uma visão sistêmica, holística e integradora nas

ciências de modo geral, e na paisagem em particular.

Conhecer a multiplicidade de conceitos e abordagens também exige

uma atenção quanto à origem epistemológica da diferenciação, bem quan-

to as consequências práticas e aplicadas dessas. Os limites identificados em

diversos momentos na literatura remetem, igualmente, aos desafios teóri-

co-metodológicos que permitirão aos estudos de paisagem contribuir para

o bem-estar da humanidade e a manutenção da vida no planeta.

A paisagem renasce no meio acadêmico, e sua emergência na arena

pública da política e da gestão, propiciada pela Convenção

,

em um processo de esforço em pensar sobre a dimensão da pai-

sagem, no âmbito da ciência geográfica e num segundo momento apresen-

tar estudos de caso sobre as modificações produzidas pela sociedade sobre

a paisagem. O leitor perceberá que temas contemporâneos e de signifi-

cância estão presentes, o antropoceno, unidades de conservação, geopa-

8

trimônio, patrimônio natural, técnicas de sensoriamento remoto, cartografia

das paisagens, mapas mentais, Turismo, Ecologia da Paisagem, gestão do

território e as paisagens climáticas.

A escolha dos capítulos foi norteada pela necessidade inicial de apre-

sentar um debate teórico sobre a Paisagem, que pode ser concebida, como

conceito ou método, ou como uma narrativa ou forma de leitura do mundo.

O livro é assim composto por dezenove capítulos, com a contribuição de

três trabalhos de pesquisadores internacionais, de Portugal (Universidade

do Minho), Cuba Universidad de Havana) e da Espanha (Universidad Autô-

noma de Madrid), e, de pesquisadores sêniores e pós-graduandos de oito

universidades brasileiras distribuídas por quatro regiões, a saber: duas no

sul (UFSM e UFRGS); quatro no Centro-Oeste (UFGD, UnB, UFMS e UFG);

uma no Nordeste (UFPB) e uma no Sudeste (UFV). Soma-se ainda dois capí-

tulos escritos por pesquisadores da Embrapa-Cerrado e do IBAMA.

De um modo ou de outro, os autores desta coletânea, sob diferentes

perspectivas, apontaram a importância do estudo e do debate acerca da

Paisagem no atual contexto de transformação intensa da superfície terres-

tre, reafirmando o conhecimento com uma arma indispensável no enfrenta-

mento e na superação dos problemas vividos pela sociedade, não apenas

do Brasil, mas, de certa forma do Mundo.

Acreditamos que abrangência e a profundidade dado a questão da

Paisagem em diferentes dimensões torna esta obra uma contribuição para

professores, graduandos e pesquisadores das áreas das ciências humanas,

biológicas, para aqueles que se dedicam em compreender a complexidade

da Paisagem. Esse convite, o convite a leitura, se estende aos profissionais

dos mais variados organismos sociais, que reconhecem que o processo de

organização e gestão do território perpassa pelo imperativo de compreen-

der e desenvolver melhores maneiras de gerir, monitorar, perceber, sentir

e analisar a Paisagem, como parte de um procedimento estratégico para a

construção de um Mundo mais justo.

Aquele que ousar, se predispor a se dedicar a leitura dos capítulos des-

ta obra, buscando não penas se aventurar pelo tema, mas compreender o

mesmo, perceberá que a Paisagem é um mosaico, com formas, cores, gos-

to, odores e dinâmicas geobiofísicas, que passam a ser composições, mas

também de expressão singular e plural do ser no e do mundo. Isso é por

demais Geográfico e de grande interesse para o século XXI.

9

... O pensar, aquilo que virá

Quando o projeto do livro foi pensado a informalidade e a vontade do

fazer eram as tónicas postas. Vê-lo pronto surge o contentamento e a satis-

fação da realização - essencialmente por ser uma obra coletiva.

No cenário seguinte está a responsabilidade atribuída a nós (organiza-

dores) pela continuidade daquilo pensado; no caminhar e no desenrolar do

fazer e do fazimento percebemos que o livro não se esgota, pelo contrário,

deixa em aberto anseios por coisas que ainda estão por vir. Nesse por vir

optamos por ter o livro como Volume 1 - mesmo que possa inicialmente

parecer uma pretensão.

Na audácia e na vontade de coisas, no pensar da organização da cole-

tânea, nos instigou a deixar a possibilidade de outros volumes; como uma

porta aberta, um lugar de acolhimento aos grupos de pesquisa e pesqui-

sadores que se dedicam ao estudo da Paisagem. O contexto institucional

presente no selo Caliandra do Instituto de Ciências Humanas da UnB de fato

nos permite pensar que outras contribuições, outros livros, podem vir nos

próximos ano; há o desejo para que isso aconteça, e, como sabem, o verbo

desejar antecede o verbo fazer.

... Para finalizar

Agradecemos as autoras e autores que acreditaram no projeto, por de-

dicarem-se na escrita e na revisão dos capítulos, por compreenderem os

desafios envolvidos em todas as etapas que antecederam a publicação do

livro.

Aos leitores que chegaram até aqui, agradecemos. Que as palavras e as

propostas presentes no livro venham ao encontro das expectativas individu-

ais e coletivas que os trouxeram a leitura.

Nossos mais eloquentes agradecimentos à Profa. Neuma Brilhante, di-

retora do Instituto de Ciências Humanas da UnB; à equipe editorial do selo

Caliandra e ao Departamento de Geografia da UnB.

10

Os organizadores

Valdir adilson steinke

Charlei apareCido da silVa

edson soares Fialho

Obra concluída entre verões e invernos

Entre outonos e primaveras

Na distância e na intimidade

Na crueldade da pandemia

No afeto da amizade fraterna

Por isso a poesia:

Distância

Querer voltar e não poder

Querer ir ao encontro

E ter que ficar

A quilômetros, milhares deles

Distante

(Poema de Gigio Sartori)

11

SUMÁRIO

PREFÁCIO ____________________________________________________ .15

A PAISAGEM NA GEOGRAFIA FÍSICA OU PAISAGEM E NATUREZA

dirCe Maria antunes suertegaray__________________________________ .18

CONTRIBUTO DA GEOGRAFIA PARA OS ESTUDOS DA

PAISAGEM EM PORTUGAL

antónio Vieira__________________________________________________ .36

ECOLOGIA DA PAISAGEM E GEOGRAFIA

Carlos hiroo saito_____________________________________________ .56

PAISAGENS ANTROPOCÊNICAS: Uma Proposta Taxonômica

adriano seVero Figueiró_________________________________________ .80

DAS PAISAGENS ORIGINÁRIAS ÀS PAISAGENS ANTROPOGÊNICAS:

As Unidade de Conservação da Natureza Como

Testemunho de um Percurso

Valdir adilson steinke

gabriella eMilly pessoa

sandra barbosa_______________________________________________ .107

12

PAISAGEM E PATRIMÔNIO NATURAL: Conexões Históricas e Conceituais

JoMary MauríCia l. serra

Valdir adilson steinke________________________________________ .131

TURISMO DE NATUREZA, ECOTURISMO, NATUREZA E PAISAGEM:

Imbricativos Conceituais

Charlei apareCido da silVa

patríCia Cristina statella Martins______________________________ .158

A PAISAGEM DA CIDADE PELOS MAPAS MENTAIS: Possibilidades e

Percursos na Construção de Uma Leitura Especial Crítica

denis riChter

igor de araúJo pinheiro______________________________________ .185

CARTOGRAFIA DE PAISAGENS: Fundamentos, Tendências e Reflexões

luCas Costa de souza CaValCanti

adalto Moreira braz

Cristina silVa de oliVeira______________________________________ .207

ESTUDOS DE PAISAGEM E SISTEMA DE INFORMAÇÕES GEOGRÁFICAS:

Para Além da Representação Cartográfica

edilson de souza bias

abiMael Cereda Junior

rôMulo José da Costa ribeiro__________________________________ .233

ANÁLISE DA PAISAGEM POR MEIO DE SENSORIAMENTO REMOTO

edson eyJi sano

daniel Moraes de Freitas______________________________________ .262

13

EL PAISAJE Y LA GESTION DEL TERRITORIO

eduardo salinas CháVez_____________________________________ .287

ESTUDOS DE PAISAGEM NA CONTEMPORANEIDADE: Da Paisagem ao

Projeto de Planejamento e Gestão Territorial

roberto VerduM

luCile lopes bier

luCiMar de FátiMa dos santos Vieira

eber pires Marzulo_________________________________________ .315

PAISAGEM FLUVIAL E O GEOPATRIMÔNIO

karen apareCida de oliVeira

VeníCius JuVênCio de Miranda Mendes

Valdir adilson steinke______________________________________ .340

íCones de paisageM: Um Conceito em Construção

bruno de souza liMa_______________________________________ .357

GESTIÓN EDUCATIVA EN UN ANÁLISIS E INTERPRETACIÓN DE UN

PAISAJE KÁRSTICO MEDITERRÁNEO

alFonso garCía de la Vega__________________________________

,

Europeia da

Paisagem, só vem a reforçar o seu protagonismo atual. Que esse renasci-

mento seja profícuo e capaz de valorizar seu aspecto integrador.

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79

AGRADECIMENTOS

Agradece-se ao Projeto INCT/Odisseia-Observatório das dinâmicas socio-

ambientais: sustentabilidade e adaptação às mudanças climáticas, ambientais e

demográficas (chamado INCT – MCTI/CNPq/CAPES/FAPs n.16/2014), e à FAP-

DF, ao CNPq e ao CAPES, pelo apoio financeiro.

80

PAISAGENS

ANTROPOCÊNICAS:

UMA PROPOSTA TAXONÔMICA

Adriano Severo Figueiró

INTRODUÇÃO: O QUE SABEMOS DO ANTROPOCENO?

Desde a instalação plena da Modernidade, os axiomas da cultura ca-

pitalista (a racionalidade extrema, o dogma científico, o antropocentrismo,

a busca da expansão ilimitada, o culto à objetividade e o reforço da desi-

gualdade como valor humano) são responsáveis por uma sistemática e ace-

lerada mudança nas estruturas internas em que opera a relação da socieda-

de com a natureza. A natureza deixa de ser um espaço de reprodução da

vida (incluindo a humana), para se transformar em um simples e gigantesco

depósito de recursos, supostamente à disposição daqueles que puderem

pagar, na quantia e na intensidade de exploração que for necessária à re-

produção ampliada do capital.

Esse processo se tornou ainda mais evidente a partir da retomada indus-

trial no pós-guerra, quando evidenciou-se que as áreas florestais do mundo

foram reduzidas praticamente à metade, e que um quarto dos recursos pes-

queiros do planeta já desapareceram (BROSWIMMER, 2005). No clássico

livro do ecólogo Norman Myers The Sinking Ark, a estimativa, à época, era

de que a retração florestal se processava a um ritmo de 2% de perdas ao

ano (MYERS, 1979), e de que até o final do século XXI, metade de todas as

espécies vivas do planeta já poderiam ter desaparecido (LEAKEY;LEWIN,

1997). Várias luzes de advertência, atualmente, nos relembram desse alerta

que insistimos em não perceber. Ainda na década de 60 do século XX a

humanidade utilizava apenas metade da capacidade biológica do planeta,

enquanto que em 2003 a taxa de utilização chegou a 1,2 vezes a capacida-

de de regeneração, o que implica na inevitável conclusão de que passamos

a “queimar o estoque”, ou seja, estamos consumindo mais recursos ecoló-

81

gicos do que o planeta é capaz de repor (WACKERNAGEL;BEYERS, 2010).

Toda essa mudança da condição biofísica dos ecossistemas terrestres e ma-

rinhos faz com que a grande “marca ecológica” da sociedade contemporâ-

nea seja o seu poder de superar a “biocapacidade” do planeta.

Tal é a intensidade da mudança provocada nas paisagens terrestres a

partir do pós-guerra, que muitos cientistas são unânimes em afirmar que

não estamos apenas diante de um período peculiar da história econômica

da civilização moderna, mas de um novo período geológico, o Antropoce-

no (LEWIS ;MASLIN, 2015), em que a força da ação humana prevalece sobre

todas as demais forças geobiofísicas que moldam o sistema Terra.

Definido originalmente pelo químico atmosférico holandês Paul Crut-

zen (CRUTZEN; STOERMER, 2000), o termo passou a designar um período

de tempo a partir do qual a ação humana pode ser responsabilizada por

uma mudança global nos ciclos biogeoquímicos do planeta, definida a par-

tir de marcadores universais como microplásticos, metais pesados e núcleos

radioativos deixados por testes de armas termonucleares (MONASTERSKY,

2015).

Embora a maior parte dos especialistas do Grupo de Trabalho sobre

o Antropoceno da União Internacional de Estratigrafia (ICS) aponte o início

da era atômica3 como um marco de referência para esse novo período ge-

ológico (SANDERS, 2015), não há unanimidade no assunto. Alguns pesqui-

sadores ligam o Antropoceno à criação da máquina a vapor (1780), como

um marco simbólico da revolução industrial que desencadeou as grandes

transformações que hoje percebemos (CRUTZEN e STOERMER, 2000). Já

outros retroagem ainda mais, demarcando como um possível início o século

XVII (pelo início do intercâmbio colombiano entre o Novo e o Velho Mundo)

ou a Revolução Neolítica (por volta de 12.000 anos atrás), com o advento da

agricultura (LEWIS e MASLIN, 2015).

Independente do marco histórico que defina o início da cronologia do

Antropoceno, o fato é que nesse novo período de tempo, o protagonismo

das transformações vem da humanidade, convertida no mais importante

agente de mudança ambiental em escala planetária. Daí a conclusão de

Mark Lynas: “A natureza já não governa a Terra. O fazemos nós. Nos corres-

ponde dizer o que é que sucederá com ela” (LYNAS, 2011, p.08).

O grande motor dessa imensa transformação por certo se associa ao

aumento acelerado de consumo de recursos naturais, já que mais de um

terço da superfície terrestre do mundo e quase 75% dos recursos de água

doce são, atualmente, dedicados à produção agrícola ou pecuária. Mais do

3 Iniciada em 16 de julho de 1945, com o primeiro teste nuclear da história, conduzido pelos Estados Unidos

no deserto do Novo México.

82

que necessidade alimentar, essa é a base de uma cadeia produtiva de gera-

ção de um sem número de mercadorias que alimentam a extração mineral

e a produção de energia em larga escala.

Essa tendência tem feito com que, desde a década de 30 do século

passado, estejamos colecionando a impressionante média de construção

de 1,2 represas por dia (FIGUEIRÓ, 2017), com um total de mais de 58.000

grandes represas em funcionamento no mundo (MARQUES, 2015). Essas

enormes construções drenam metade das zonas úmidas do planeta e são

responsáveis pela retenção de 15% do fluxo hidrológico dos rios em to-

dos os continentes, cuja água é armazenada em uma superfície de mais

de 400.000 km2, representando cerca de 0,3% de toda área do planeta. É

a verdadeira

,

face de uma “esquizofrenia civilizatória” desencadeada pela

alucinação do desenvolvimento, a partir da exploração do trabalho e da

natureza.

A China, por exemplo, pretende quintuplicar a geração de energia em

quinze anos, e a construção de mais quatro centrais nucleares faz parte des-

se projeto de expansão. Nesse mesmo país, as áreas desérticas crescem a

uma taxa superior a 100 mil hectares por ano, o que se soma à perda anual

de 1 milhão de hectares de solo agricultável por conta do avanço da urba-

nização (KEMPF, 2011). Trezentos milhões de chineses bebem água poluí-

da, já que os lençóis subterrâneos estão poluídos em 90% das cidades da

China, e mais de 70% dos rios e lagos compartilham da mesma sorte. Não

é de se estranhar, portanto, que a maior pandemia da história civilizatória

moderna tenha surgido justamente no país que representa um dos princi-

pais epicentros das transformações antropocênicas modernas.

A Índia, um país marcado por contradições sociais e dificuldades nos

quesitos básicos de saúde, educação e saneamento básico, projetava, des-

de a década passada, multiplicar por sete a sua geração de energia até

2022, com o planejamento de sete novas plantas nucleares contribuindo

para esse objetivo (SILVA, 2008). Assim, os problemas sociais da Índia e seu

projeto de expansão energética são, na verdade, diferentes facetas de uma

única crise, a crise da percepção sobre os reais problemas e suas alternati-

vas para o futuro.

Dezenas de bilhões de toneladas de minérios e sedimentos são mo-

bilizados por ano em todo o mundo, alterando a fisiografia terrestre e a

composição química de corpos de água e da atmosfera. Essas alterações

geoquímicas e de uso do solo, por sua vez, recondicionam a distribuição es-

pacial e a estrutura trófica dos ecossistemas. A resultante destas dinâmicas

em termos da conservação da natureza biótica, leva alguns autores a pro-

por a substituição do termo Biomas por “Antromas” (ELLIS; RAMANKUTTY,

83

2008), tal o nível de interferência humana nos ciclos naturais de susten-

tação das paisagens terrestres. Ao reconhecerem que mais de 75% das

terras emersas do planeta mostraram evidências de alterações decorren-

tes de formas humanas de uso da terra, os autores alegam que não faz

sentido continuar a utilizar classificações ecológicas que desconsideram ou

simplificam a influência humana sobre as paisagens terrestres. Assim, par-

tindo do princípio de que as paisagens ditas “naturais” representam uma

absoluta exceção diante das paisagens antropo-naturais, Erle Ellis e Navin

Ramankutti propuseram o conceito de “biomas antropogênicos” ou “an-

tromas” (ELLIS et al, 2010; ELLIS, 2014), apresentando uma classificação de

dezoito categorias baseadas em padrões globais de interação humana dire-

ta e sustentada com ecossistemas (figura 1). Outros autores, antes deles, já

haviam proposto outras denominações, como “Antropostroma”, proposta

pelo geólogo italiano Pietro Passerini. Segundo o autor, “a palavra grega

‘stroma’ é utilizada no sentido literal de ‘tapete’, devido à associação dos

artefatos humanos e construções desenvolvidos como uma camada, um ta-

pete, sobre a superfície terrestre” (PASSERINI apud ROHDE, 2005, p.136).

Figura 1 - Proposta de

classificação dos biomas

antropogênicos feita pe-

los geógrafos Erle Ellis e

Navin Ramankutti, em

que se demonstra a re-

dução progressiva das

paisagens primárias

entre o século XVIII e

o início do século XXI.

Segundo os autores,

os processos ecológi-

cos neste novo século,

na grande maioria dos

biomas terrestres serão,

predominantemente,

controlados pelas ações

humanas diretas.

Fonte: Adaptado de

ELLIS et al. (2010)from

1700 to 2000. Location:

Global. Methods: An-

thropogenic biomes

(anthromes

No entanto, ainda que o Antropoceno seja um conceito cada vez mais

explorado no mundo acadêmico, não apenas no campo das Ciências da

84

Terra, mas em uma verdadeira abordagem multidisciplinar (THOMAS;

WILLIAMS; ZALASIEWICZ, 2020 TSING et al., 2017), boa parte daquilo que

se pensa e se diz sobre esse novo período geológico ainda parte de uma

premissa equivocada, de que o Antropoceno representa apenas e tão so-

mente uma dilatação hiperabissal das tendências entrópicas da moderni-

dade, na direção de um aparentemente inevitável colapso ecológico e, na

sequência, humano.

Para o bem ou para o mal, vivemos hoje em um período sem retorno;

os sistemas humanos de regulação da natureza se transformaram em novos

sistemas primários da Terra, não apenas desregulando dramaticamente os

processos naturais preexistentes, mas também, e mais importante do que

isso, alterando processos, introduzindo materiais e construindo estruturas

inteiramente novas para o sistema terrestre. Excetuados alguns casos pon-

tuais, nossas urbes não retroagirão, a agricultura terrestre dificilmente ocu-

pará menores áreas em face de uma população crescente e nossos oceanos

e florestas não serão menos ocupados no futuro, independente do que

dissermos ou fizermos. Cabe-nos, portanto, agir rápido e com inteligência,

ao invés de apenas lamentarmos o que se perdeu, como um prelúdio ao

colapso absoluto.

Como indivíduos biológicos, ou mesmo em conjuntos de indivíduos

(populações), nós, humanos, somos apenas mais uma das recentes espécies

que habitam o planeta. No entanto, como civilização capaz de construir

interações simbólicas, nossos sistemas representam os efeitos integrados e

sinérgicos de humanos interagindo uns com os outros, em escalas capazes

de forçar mudanças na atmosfera, litosfera, biosfera e, por conseguinte, em

todas as paisagens terrestres. Assim como uma colmeia é muito mais do que

a soma das abelhas que a compõe, os sistemas humanos são mais do que

a soma dos indivíduos humanos transformando a natureza. Nós não apenas

somos responsáveis pelo aumento na magnitude dos processos geobiofísi-

cos anteriores ao próprio homem, incluindo a queima de florestas e outras

vegetações, extinção de espécies, erosão do solo, represamento hidrológi-

co e fixação de nitrogênio, como também somos responsáveis pela criação

de novos processos geobioculturais, como a queima de combustíveis fós-

seis, a construção de estruturas materiais permanentes, a evolução dirigida

de espécies incapazes de se reproduzir sem humanos, o cultivo planejado,

a irrigação e o subsídio artificial de nutrientes aos solos, dentre outros.

Como resultado desse ponto de não retorno, o paradigma conserva-

cionista clássico, de sistemas naturais em equilíbrio perturbados pelas ações

humanas, é insuficiente para oferecer respostas concretas aos dilemas atu-

ais, já que a tentativa de conservação dos sistemas não perturbados, em

85

um mundo cada vez mais ocupado, faz com que a crítica se esgote em si

mesma. Nesse sentido, os sistemas humanos se tornaram um componente

tão integral e definidor dos processos deste planeta quanto os sistemas

biológicos, atmosféricos, hidrológicos e geológicos (ELLIS ;RAFF, 2009).

Assim como o surgimento dos organismos fotossintéticos no Paleozói-

co desencadeou uma mudança qualitativa estrutural no funcionamento da

biosfera, em direção a um aumento de complexidade, a intensificação dos

sistemas humanos no Antropoceno conduz a Terra por um caminho novo e

sem precedentes, que pode, no entanto, ser ainda mais complexo do que

aquele com que estávamos acostumados.

Não há dúvida de que esta não é apenas uma questão terminológica

das datações do tempo, mas de uma mudança profunda na forma como

interpretamos a relação sociedade-natureza e como planejamos o futuro

da humanidade a partir dessa interpretação. Isso não significa, como bem

nos lembra Manuel Maldonado, avançar para um novo paradigma baseado

na completa transformação antropogênica da natureza, mas sim rever nos-

sas premissas epistemológicas de conservação baseadas exclusivamente

na fantasia de uma “wildness”, em que o ser humano pareça sempre ser

o elemento de desequilíbrio (MALDONADO, 2018). A resistência psíquica

da sociedade

,

humana de acabar com o mito da existência de uma “nature-

za intocada” (DIEGUES, 1996) parece proporcional à sua incapacidade de

fazer frente ao descontrole produzido pelo “desenvolvimento” capitalista

sobre as estruturas e processos originais das paisagens. Nas palavras de

Maderuelo:

A consciência da deterioração irreversível conduziu à criação dos

mitos do primitivo e do autêntico, que o mundo da publicidade

tem resumido no tópico do “verde” e tem banalizado através da

oferta turística a lugares exóticos e paraísos falsamente perdidos

(2010, p.7)

Tal como nos explica Mircea Eliade, essas paisagens sem seres huma-

nos,

(...) invocam a nostalgia de um passado mitificado, transformando-

-o em arquétipo, que esse “passado” contém, além da saudade

de um tempo que acabou. Elas expressam tudo o que poderia ter

sido mas não foi, a tristeza de toda a existência que só existe quan-

do cessa de ser outra coisa, o pesar de não viver na paisagem e no

tempo evocados (ELIADE, 1991, p.9)

Tanto se interpretarmos a persistência do mito como um instrumento

de resistência ao metabolismo predatório da sociedade moderna (diante

86

da impotência da ação, a alienação na fantasia), quanto se pensarmos no

mito do “paraíso perdido” como uma estratégia de reprodução do próprio

capital na sua marcha destruidora (figura 2), o fato é que a manutenção de

uma narrativa fantasiosa acerca de paisagens idílicas e intocadas nos torna

incapazes de pensar a ação humana como um potencial de autorregulação

para naturezas transformadas.

Figura 2 - Imagem do mirante de

Trolltunga, na Noruega, às margens

do lago Ringedalsvatnet. A divulga-

ção dessa paisagem “intocada” pelo

Instagram, onde poucos felizardos

parecem ter a oportunidade de con-

templar em silêncio a natureza em

seu estado original (foto de cima),

fez com que o número de visitan-

tes aumentasse de 500 por ano em

2009, para 40.000 em 2014. O que

as imagens dificilmente mostram é a

longa fila que se forma no rochedo

desde muito cedo (foto de baixo), à

espera do “click” do falso “minuto de

solidão junto à natureza”. Esse mito

do turismo em paisagens isoladas

alimenta um rico mercado turístico

ao redor do mundo, permitindo que

consumidores de imagens invistam

vultosas quantias para “conhecer an-

tes que acabe”.

Fonte: Miller (2017)

Com isso perde-

mos a oportunidade

de aprender a coexistir

de forma sustentável

com o restante da na-

tureza, dentro daquilo

que emerge como um

novo estado planetá-

rio. Nesse sentido, Erle

Ellis mira ainda mais

longe, ao defender a

necessidade de integrar as ciências naturais e as ciências sociais na criação

de uma “antroecologia” (ELLIS, 2015), capaz de dar conta, ao mesmo tem-

po, do desenvolvimento antropológico humano e do curso das relações

87

sócio-naturais. Para o autor, os seres humanos diferem das demais espécies

em três aspectos principais: somos engenheiros de ecossistemas, podemos

manipular um grande número de ferramentas para tal fim e somos criaturas

sociais capazes de gerar uma ação coletiva e uma aprendizagem social.

É nesse o contexto em que surgem as paisagens antropocênicas, so-

bre as quais cabe refletir. Ainda que esse seja um conceito em construção,

guarda uma potência explicativa inigualável para fazermos frente à crise

civilizatória em que nos encontramos neste princípio de século.

Nosso planeta já não funciona mais como funcionou nos onze milênios

anteriores, e é preciso instaurar uma nova forma de pensamento se quiser-

mos interpretar o Antropoceno como algo mais do que a marca do colapso

humano. Já esgotamos todas as possibilidades de denúncia do projeto ca-

pitalista de modernidade que nos conduziu a essa profunda crise ambien-

tal, econômica, social e ética; e todas essas denúncias apenas agravam a

sensação de impotência e amplificam as estratégias de autoengano, como

bem demonstra Marques (2015)4 ao discutir os mecanismos psicológicos

que dificultam a tomada de consciência acerca da gravidade da crise am-

biental contemporânea.

É chegado, portanto, o momento de enunciar um novo mundo de pos-

sibilidades, em que a integridade da relação sociedade-natureza possa ser

reconstruída, a partir de novos princípios, holísticos e autorregulados. Ain-

da nos anos 1980, George e Claude Bertrand já chamavam a atenção para

o fato de que a “antropodependência direta ou indireta dos geossistemas

é um fato quase geral. (...) É preciso ultrapassar o esquema da natureza-

-clímax e da intervenção humana desestabilizadora” (BERTRAND; BER-

TRAND, 1986:305). Ocorre, agora, a abertura de um novo ciclo histórico,

não mais de) uma natureza intocada, mas de uma natureza transformada e

regulada pelos sistemas humanos em busca de um equilíbrio híbrido.

COMPREENDENDO AS PAISAGENS ANTROPOCÊNICAS A

PARTIR DE UM PARADIGMA PÓS-NATURALISTA.

A paisagem não é a estrutura fisionômica sobre a qual nossos olhos

pousam, essa é apenas a parte final dela, o produto das relações ecológicas

e sociais que se processam ao longo de diferentes escalas de tempo. A pai-

4 Luis Marques destaca os mecanismos de aversão à perda, habituação e dissociação entre causas estruturais e

efeitos pontuais como os principais responsáveis por dificultar a tomada de consciência e a organização de uma ação

concreta capaz de reverter o quadro de entropia instalado no Antropoceno.

88

sagem é muito mais do que a “fotografia”, ela é o processo de apropriação

da natureza pela sociedade, ou, como nos lembram Bertrand e Bertrand

(2002), ela é “uma interpretação social da natureza” (p. 224). Esther Prada

alude à paisagem o papel de uma síntese do território “baseada na vida e

no trabalho acumulado sobre um espaço” (apud BLANCO, 2010, p. 12).

Em última instância, a paisagem representa o tecido que reflete a espessura

histórica de uma civilização (DOLFUSS, 1970), e a sua existência depende,

fundamentalmente, do olhar de quem a interpreta.

Ao longo do tempo, a interação da sociedade com os demais seres

vivos e com o conjunto dos elementos e dinâmicas abióticas no proces-

so de construção e transformação da paisagem acarreta um acúmulo de

memórias particulares dessa interação, que se expressam não apenas na

estética da transformação da natureza original, mas também na variedade

de genes, línguas e saberes que atravessam a estrutura de cada paisagem e

produzem a sua singularidade (TOLEDO; BARRERA-BASSOLS, 2015). Nes-

sa perspectiva, podemos afirmar que a paisagem não passa de um artifício

perceptivo, que só existe na medida em que exista o ser capaz de mirar e

tomar consciência de si como presença e como agente territorial de organi-

zação do espaço. Nas palavras de Pozo:

(...) só existe paisagem se houver vistas, de diferentes perspecti-

vas, sobre essa paisagem. O planeta Terra, sem uma espécie viva

com capacidade de perceber, de exercitar o sentir, compreender,

elaborar paisagens simbolicamente, seria, mesmo com a mesma

configuração física atual, um planeta sem paisagem; porque, como

todos lemos e repetimos muitas vezes, a paisagem é acima de

tudo o olhar que a hospeda. (2011, p.20)

A partir disso, podemos compreender a paisagem como uma categoria

analítica ou um modelo mental de integração dos elementos do espaço,

formado por um

(...) sistema singular, complexo, onde interagem os elementos hu-

manos, físicos, químicos e biológicos, e onde os elementos sócio-

-econômicos não constituem um sistema antagônico e oponente,

mas sim estão incluídos no funcionamento do sistema. (MONTEI-

RO, 2000, p.22).

Esse modelo sistêmico foi interpretado de diferentes formas (ROUGE-

RIE; BEROUTCHACHVILI, 1991) por diferentes autores ao longo de uma

história da Geografia das Paisagens (MATEO RODRÍGUEZ, 2011), porém,

em quase todas essas representações, a presença humana sempre foi con-

89

siderada como um elemento central de regulação da natureza (figura 3), a

ponto de Naveh (1982) propor que no estudo da paisagem a espécie hu-

mana seja considerada como um componente inter-relacionado e coevolu-

,

tivo do ecossistema, cujos processos se derivam da “noosfera” – o campo

da mente e da consciência humana. Exatamente por isso somos capazes

de compreender o motivo da ideia de paisagem, na Geografia, parecer

indissociável da ideia de território, entendido como “o recipiente físico e o

suporte do corpo político organizado sob uma estrutura de governo. Des-

creve a arena espacial do sistema político (...) que é dotada de certa auto-

nomia” (GOTTMANN, 2012, p.523).

Ainda que os conceitos de paisagem e de território não possam ser,

obviamente, compreendidos como sinônimos, e mesmo que a transição de

um conceito a outro não seja algo automático, nos parece evidente que,

cada vez mais, a paisagem transcende seu aspecto cênico e se torna um

instrumento chave na dispu-

ta de poder no território, o

que nos autoriza a refletir so-

bre um conceito híbrido de

paisagem-território (WALLE-

NIUS, 2017) ou um “sistema

paisagístico territorializado”

(BERTRAND, 2008).

Figura 3 - Modelo geral de inter-

pretação das interações que se es-

tabelecem entre o sistema humano

e o sistema natural no processo de

estruturação da paisagem.

Fonte: Adaptado de Zonneveld

(apud MATEO RODRIGUEZ,

2011)

Essa paisagem-territó-

rio representa tanto o espa-

ço privilegiado de expressão

do sistema produtivo hege-

mônico, quanto o espaço de

resistência e reafirmação da

cultura local. O primeiro, se

enraíza no espaço local para

acelerar as suas formas de

90

acumulação, buscando se apropriar dos recursos da paisagem e controlar

as relações sociais que ali se realizam; já o segundo, resiste e se reafirma

pela perpetuação da memória, pela conservação dos valores e pelas ex-

periências locais transgeracionais, em constante processo de adaptação às

dinâmicas tecnológicas e socioeconômicas de cada período.

Por isso mesmo, Georges e Claude Bertrand nos alertam sobre a res-

significação da paisagem: “farta de contradições e de sua irredutível glo-

balidade, a paisagem tornou-se um desafio político: sua análise científica

se coloca tanto em termos de saber quanto de poder” (BERTRAND; BER-

TRAND, 2002, p.157)

Nos atrevemos a afirmar que a síntese dialética produzida pela inte-

ração entre os elementos da natureza e da cultura definem a paisagem

como uma expressão material (viva e em movimento) do próprio espaço

geográfico, definido por Santos (2008) como “(...) um conjunto indissoci-

ável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas

de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no

qual a história se dá” (p. 63). Ainda que o conceito de paisagem de Milton

Santos jamais tenha alcançado tal grau de complexidade5 (e tampouco se

propôs a isso), entendemos que essa aproximação entre os conceitos é ne-

cessária e urgente, a fim de pavimentar o diálogo entre todos os campos de

conhecimento que se movem no entorno da paisagem.

A proporção e a intensidade com que objetos e ações (elementos e

processos) participam da organização estrutural e funcional da paisagem

definem o seu grau de equilíbrio, dependência e complexidade, a partir

dos quais as paisagens podem ser classificadas em naturais, antropo-natu-

rais ou culturais.

As paisagens naturais são definidas por Mateo Rodriguez como:

5 Não nos cabe aqui discutir a concepção miltoniana de espaço e paisagem, já que esse tema extrapola o objeto

e o espaço deste capítulo. Ainda assim, entendemos que é necessário chamar a atenção para essa frágil dissociação

presente na obra do autor. Para Milton Santos, enquanto o espaço é a “totalidade verdadeira” (SANTOS, 2008),

envolvendo, ao mesmo tempo, um sistema articulado entre o real-abstrato (as ações) e o real-concreto (os objetos),

“a paisagem é sempre fragmentária, uma ‘totalidade morta’, a paisagem é o agido, não a ação, a paisagem é uma

categoria técnica” (apud SERPA, 2010, p.132). Separar o objeto da intencionalidade que o produziu e/ou o transfor-

ma, bem como dos processos temporais segundo os quais atua essa intencionalidade, é como aceitar a existência de

uma falsa dicotomia entre a forma e a função. As forças que atuam sobre a paisagem jamais podem ser dissociadas da

sua morfologia, ainda que não sejam evidentes e se situem no criptosistema dessa paisagem (ROMERO; JIMÉNEZ,

2002). Assim, longe de ser “o agido”, a paisagem é a interação dialética dos objetos no tempo, ligando o que foi ao vir

a ser, cuja estrutura visível capaz de ser fotografada é tão somente o congelamento de uma fase, que contém em si a

sua origem e a sua destruição.

91

Uma área da superfície terrestre de qualquer dimensão, em cujos

limites os diferentes componentes naturais (a estrutura geológica,

incluindo a litologia, o relevo, as massas de ar, o clima, as águas,

os solos, a vegetação e o mundo animal), tanto em estado natural

como modificados e transformados pela ação humana, se encon-

tram em estreita interação, formando um sistema integrado (2011,

p.12)

Percebe-se, pela definição acima, que as paisagens naturais não impli-

cam ausência do trabalho humano, já que a ideia de “primeira natureza”,

como uma referência à “natureza que estava aqui primeiro e que continua a

existir” (SOHN-RETHEL, 1974, p.185), é tão e somente uma abstração6, um

tour de force da clássica tradição geográfica, como bem nos lembra Sauer

(2004), mas cujo estudo se torna fundamental como “um artifício descritivo

empregado onde é necessário para tornar claro o relacionamento das for-

mas físicas que são importantes para a ocupação humana” (op.cit. p.43). As

paisagens naturais, portanto, correspondem àqueles sistemas paisagísticos

cuja regulação se dá essencialmente pelos fluxos biogeoquímicos desen-

cadeados pelos processos naturais, e onde a interferência humana, ainda

que presente, não chega a ser significativa para alterar o seu funcionamento

natural, organizado a partir dos grandes parâmetros macroestruturais do

holoceno. São, assim, consideradas como paisagens holocênicas7 (figura

4), em que o funcionamento geossistêmico8 (MATEO RODRIGUEZ; SILVA,

2019) é o que as caracteriza.

Já as paisagens antropo-naturais são aquelas compostas por elemen-

tos naturais e antropo-tecnogênicos condicionados socialmente, os quais

modificam ou transformam as propriedades naturais originais das paisagens

6 Lembremos, pelo que foi abordado no início deste texto, que sem o olhar humano que interpreta e classifica,

não há paisagem, e sim, apenas natureza. Nessa perspectiva, não podemos falar em paisagens anteriores ao homem,

senão por um artifício abstrato de comparação com as paisagens ocupadas pelos seres humanos.

7 O uso do tempo geológico para a terminologia da classe de paisagem não tem relação com os processos

formadores ou o tempo decorrido desde sua formação, mas sim com a identificação dos mecanismos predominan-

tes no processo de regulação da sua dinâmica atual. Considerando o equilíbrio biostático do Holoceno (ERHART,

1967) mantido a partir das condições interglaciais úmidas, as paisagens holocênicas se caracterizam por um potencial

ecológico estável, com fraca atividade geomorfogenética em que o equilíbrio da dinâmica natural é essencialmente

controlado pelos processos geobioquímicos.

8 O conceito de geossistema representa uma polissemia a parte dentro da ciência geográfica, especialmente

pelo conflito entre as contribuições de Bertrand (1968) e de Sotchava (1977) no que tange à inclusão dos seres huma-

nos ou não nesse conceito. Uma boa discussão acerca dessa questão pode ser encontrada em Oliveira e Neto (2020).

No presente texto, trabalhamos a partir da contribuição russa, na qual o geossistema representa “o espaço terrestre de

todas as dimensões, onde todos os componentes naturais individuais encontram-se em uma relação sistêmica uns com

os outros e, como integridade, interatuam com a esfera cósmica e com a sociedade humana” (apud MATEO RODRI-

GUEZ; SILVA, 2019, p.23). Nesse sentido, entendemos o geossistema como o modelo conceitual do sistema físico da

paisagem, compreensão

,

que também aparece nos trabalhos mais recentes de Bertrand (BERTRAND; BERTRAND,

2002; 2014).

92

e as mantém em novo patamar metabólico. Diferentemente das paisagens

naturais, nessa categoria o funcionamento do sistema humano já se dá em

uma intensidade tal que o estado de equilíbrio (ou de desequilíbrio) da pai-

sagem passa a ser regulado pelo metabolismo sócio-natural ali presente.

Essa é a condição que define a marca essencial das paisagens antropocêni-

cas, ou seja, são paisagens hibridizadas pela cultura humana, cujo ponto de

não retorno às condições originais as coloca na dependência, para o bem

ou para o mal, da regulação humana, por meio de um complexo territorial

produtivo, que dá origem ao que Mateo Rodriguez (2011) define como um

“sistema antropogeoecológico”.

Figura 4 -

Esquema da taxono-

mia genético-fun-

cional das paisagens

atuais, indicando sua

funcionalidade, estado

de equilíbrio e grau de

complexidade.

Fonte: Organização do

autor

Exatamente por isso, Maldonado (2018) nos alerta para o fato de que o

Antropoceno se constitui uma hipótese científica com forte carga moral, já

que o sistema humano transita de essencialmente extrativista (no holoceno)

à regulador (no Antropoceno). Já não temos mais o benefício da inocência

de pensarmos que as propriedades homeostáticas da natureza carregam

um eterno “dom da regeneração”. Descobrimos, e não sem traumas, que a

capacidade de regeneração é função do tempo, e que a perspectiva de um

metabolismo extrativista acelerado e ilimitado é facilmente capaz de rom-

per com a capacidade autorregulatória dos sistemas mais frágeis, conde-

nando as paisagens a estados permanentes de pobreza estruturo-funcional.

Por isso mesmo, há um gradiente bastante diverso das paisagens antro-

po-naturais, dependendo da intensidade das forças produtivas que trans-

formam e regulam os geossistemas ali presentes. Assim, mais do que um

apego às estruturas visíveis que se expressam no fenossistema, a taxonomia

93

dessas paisagens considera seus aspectos genético-funcionais, tendo como

referência a perda, manutenção ou incremento dos serviços paisagísticos9

após e durante a intervenção humana no geossistema.

Na maior parte dos casos, a intervenção humana procede de forma

a desestabilizar o equilíbrio ecológico anterior, ainda que essa não seja ne-

cessariamente a única possibilidade, já que muitas passagens de uma con-

dição estrutural a outra10 podem ocorrer com incremento de funcionalidade

(figura 5), ou seja, a ação humana ocorre para introduzir matéria e energia

capazes de ampliar a diversidade e agregar estabilidade ao sistema, sem

comprometer os serviços originalmente prestados por aquela paisagem.

Figura 5 - A introdução de oli-

vais no Pampa gaúcho, uma

paisagem originalmente cam-

pestre, de pastoreio extensi-

vo, representa uma passagem

estrutural marcante para esta

paisagem, mas a entrada de

energia, nesse caso, ao invés

de desestabilizar o equilíbrio

anterior, amplia e diversifica

os serviços paisagísticos do

Pampa, definindo aí o apare-

cimento de uma paisagem an-

tropo-natural enriquecida, isto

é, com incremento funcional

em relação ao metaestado an-

terior.

Fonte: Acervo do autor

Dizemos, nesse caso, que o estado da paisagem produzido pela in-

tervenção humana é de uma paisagem enriquecida, uma vez que novas

funcionalidades são agregadas àquelas anteriormente existentes. Inúme-

ros exemplos poderiam ser relacionados para exemplificar essa condição,

desde a diversificação de plantas alimentares por melhoramento genético

9 Nos utilizamos aqui do conceito de Westerink et al. (2017), para quem os serviços da paisagem correspon-

dem a funções, fenômenos e propriedades sistêmicas da paisagem em dinâmicas interações geossistêmicas que pro-

vêm bem-estar ao ser humano. O termo foi utilizado pela primeira vez por Termorshuizen e Opdam (2009), tendo por

princípio que as paisagens são sistemas heterogêneos, funcionais e estruturalmente adaptados pelos usuários humanos.

10 Toda paisagem apresenta uma dada estrutura fisionômica produzida pela interação dialética entre o fluxo de

energia ingressante e as propriedades de resistência e resiliência dessa estrutura paisagística, produzindo uma con-

dição de metaestado diante das pequenas flutuações derivadas dos pulsos de energia ao longo do tempo (variações

estacionais, flutuações do regime hídrico, fenômenos climáticos extremos e ocasionais, impactos humanos isolados

e não duradouros etc.). Todavia, sempre que a estrutura da paisagem é submetida a uma energia intensa, concentrada

ou distribuída no tempo, que tende a alterar, ainda que de forma provisória, a condição do seu metaestado, o sistema

busca estabelecer um novo nível de equilíbrio termodinâmico, configurando aquilo que Muñoz (1998) denomina

“passagem estrutural”.

94

(realizado há milhares de anos pelos povos originários), até intervenções

estruturais na paisagem que tem a função de ampliar sua capacidade de

resiliência (introdução regulada de novas espécies que buscam restaurar

equilíbrios bióticos perdidos, sistemas controlados de irrigação que bus-

cam ampliar a oferta de umidade no solo, construção de terraços agrícolas

que buscam reduzir a erosão das vertentes, processos de fertilização natural

dos solos etc.).

Na medida em que essas passagens estruturais vão sendo produzidas

de forma lenta e sustentável, com um enriquecimento funcional que acaba

por expressar na estrutura paisagística a marca da cultura humana que a

produziu, nós encontramos ali uma paisagem cultural, ou seja, uma pai-

sagem “(...) com dados e códigos explícitos acerca do sistema de valores

que dá um sentido de vida aos grupos humanos instalados em diferentes

ambientes (MATEO RODRIGUEZ, 2013, p.21). Isso representa, em outras

palavras, uma condição extrema (e não degradadora) de “domesticação

da paisagem” (FIGUEIRÓ, 2014), e quando o espaço é domesticado, isto

é, reorganizado/transformado a partir da racionalidade humana que busca

maior segurança, conforto ou eficiência, a paisagem passa a ser ingrediente

fundamental de coesão dos grupos humanos que a habitam, reforçando os

mecanismos de resiliência e garantindo condições de estabilidade (TER-

RELL et al., 2003). Têm-se aí o ponto no qual os ecossistemas naturais dão

origem aos antroecossistemas (ELLIS, 2015),

Essa domesticação da paisagem, que envolve a modificação gradu-

al dos seres vivos, além da reorganização dos elementos da natureza ma-

nejados pelas comunidades humanas, define o principal processo atuante

dentro das paisagens antropocênicas: a construção social do nicho (SMITH,

2007). Ou seja, diferentemente da maior parte das demais espécies vivas,

submetidas à seleção natural do meio, que evoluem como forma de adap-

tação às condições da natureza, os seres humanos (ainda que não apenas

eles) modificam as condições do meio para adaptá-lo às suas necessidades.

Nesse quesito em particular, devemos reconhecer que os seres humanos

são construtores de nicho especialmente eficazes, graças a sua capacidade

para gerar e transmitir cultura; na medida em que somos capazes de simbo-

lizar, nossa capacidade de interagir e cooperar com uma enorme quantida-

de de indivíduos não aparentados, nos coloca na condição da espécie mais

ultrassocial do planeta (TOMASELLO, 2014).

Conforme a natureza é transformada, a complexidade da paisagem

acompanha o grau de transformação, aumentando-a ou reduzindo-a, con-

forme a qualidade e a intensidade da transformação. Logicamente, essa

construção social do nicho desencadeada pela sociedade humana mobiliza

95

mecanismos de seleção natural em outras espécies, com nítido favoreci-

mento às espécies domesticadas ou com maior plasticidade ecológica. No

entanto, ao invés de encararmos essas mudanças de forma generalizada

como uma elevação dos níveis de entropia no sistema (ainda que não pos-

samos fechar os olhos ao fato de que boa parte delas o seja), talvez seja

possível começar a buscar, neste mar de incertezas

,

em que fomos jogados

na velocidade do Antropoceno, elementos de mudanças que nos permitam

compreender essa “natureza híbrida” como um novo metaestado de equi-

líbrio flutuante na relação sociedade-natureza, nem melhor e nem pior do

que a “natureza primitiva” idealizada pelos naturalistas, apenas diferente.

Há que se destacar, no entanto, que o que caracteriza fortemente as

paisagens culturais, e as diferencia das paisagens antropo-naturais enrique-

cidas, é a efetiva materialização de uma (inter)ação entre a natureza e a cul-

tura, ou seja, não apenas a natureza se reorganiza para expressar os traços

culturais de uma comunidade, mas também a cultura dessa comunidade se

constrói historicamente tendo por referência e limites as estruturas e os pro-

cessos da natureza que habita (figura 6). Assim, a paisagem passa a ser, ao

mesmo tempo, nutrida e nutridora de representações, imagens e sentidos

(CANTERO, 2004). Nas palavras de Menegat,

(...) quando uma cultura domestica a paisagem ao longo do tempo

ela ajusta os instrumentos culturais, desde habitação até visão de

mundo, àquele lugar. O processo de domesticação não é outro

senão a transferência do DNA do lugar à cultura, e vice-versa, de

modo que ambos se pertençam (2008, p.7)

Se, por um lado, a construção social do nicho é a principal responsá-

vel pela hibridização da natureza, por outro lado, esse processo só ocor-

re mediante a capacidade comunicativa de transmissão intergeracional da

cultura. Essa envolve a linguagem, a memória histórica e a memória afetiva

das comunidades em interação próxima com a natureza; essencialmente,

uma memória geo-bio-cultural, balizadora de metabolismos socioecológi-

cos de elevada sustentabilidade e resiliência, uma vez que os arranjos téc-

nico-institucionais derivados de tais forças se baseiam em um conjunto de

princípios similares àqueles que organizam o funcionamento da natureza: a

diversidade, a natureza cíclica dos processos, a flexibilidade adaptativa, a

interdependência e os vínculos associativos e de cooperação.

96

Figura 6 - O milenar siste-

ma de pastoreio na Serra

da Estrela (Portugal) não

apenas foi adaptando as

ovelhas às gramíneas que

ali se desenvolvem e os

cachorros às ovelhas, mas

também foi provocando

sucessivas mudanças na

composição botânica (de-

vido ao pastoreio seletivo

de ovelhas que age como

seleção natural sobre a

comunidade de plantas)

e na forma como essas

comunidades de pastores

constroem sua cultura

(suas lendas, seus saberes,

a forma de construir suas

casas, sua organização do

tempo, suas formas de

cooperação). Portanto, a

montanha, os pastores, as

ovelhas, as gramíneas e os

cachorros estão submetidos a um processo coevolutivo de longo prazo que define o mútuo pertencimento de todos a

essa paisagem cultural portuguesa.

Fonte: https://www.abrilabril.pt/cultura/romaria-de-pastores-da-serra-da-estrela-vira-documentario

Dessa forma, as paisagens antropocênicas (os antroecossistemas) vão

sendo alteradas por meio de processos evolutivos na construção do nicho

sociocultural ao longo das gerações humanas, “acumulando, perdendo e

combinando heranças culturais, materiais e ecológicas por meio de pro-

cessos graduais de seleção, acumulação, atrito e recombinação” (ELLIS,

2015, p.304), que acabam por se transformar em benefícios adaptativos a

indivíduos, grupos e sociedades (figura 7). Nas palavras de Laureano:

A modificação do ambiente é realizada por meio de conhecimen-

tos e técnicas que são o resultado de experiência coletiva de longo

prazo. Este conhecimento é produzido por pessoas e repassado a

pessoas por atores reconhecíveis e competentes. É sistêmico (in-

tersetorial e holístico), experimental (empírico e prático), passado

de geração em geração e tem valor cultural. Este tipo de conhe-

cimento promove a diversidade, valoriza e reproduz os recursos

locais. Cada técnica não é um expediente para resolver um único

problema, mas é um sistema elaborado e muitas vezes polivalente

com base na gestão cuidadosa dos recursos locais. Faz parte de

uma abordagem integrada (sociedade, cultura e economia) que

está estritamente ligada a uma ideia e percepção do mundo que

se materializa na paisagem, que se torna fruto do microcosmo de

97

uma cosmovisão. Portanto, a técnica tradicional é parte de um con-

junto de links e relacionamentos fortemente integrados e apoiados

por símbolos e significados. (2012, p.08)

Justamente por serem sistemas de alta complexidade, produzidos em

tempo lento de mútuas adaptações11 (que envolvem diversidade, criativi-

dade, memória e mudanças de ambas as partes), as paisagens culturais

tendem a ser as paisagens com o mais alto nível de valor patrimonial e para

as quais se dirige a maior parte das reflexões e dos debates acerca das

estratégias de conservação. Nesse caso, cabe aqui chamar a atenção para

a significativa guinada paradigmática assumida pela UNESCO a partir de

2012, com relação a essas paisagens.

Figura 7 - Modelo conceitual de

mudanças de regime na constru-

ção sociocultural do nicho hu-

mano nos principais tipos de sis-

temas produtivos. Ainda que as

mudanças genéticas da espécie

possam ser consideradas insig-

nificantes desde o início do Ho-

loceno, o acúmulo das heranças

culturais, materiais e ecológicas,

de uma geração à outra, amplia

a complexidade das interações e

promove uma paisagem cada vez

mais antropodependente (A),

permitindo que transitemos da

classe das paisagens holocências

para as paisagens antropocênicas

(B)

Fonte: Adaptado de Ellis (2015,

p.305)

A política internacional de proteção da paisagem, focada no seu as-

pecto patrimonial, sempre esteve pautada na ideia de “monumentalidade”

e espetacularidade (SCIFONE, 2008). No entanto, esse direcionamento se

11 Mateo Rodriguez (2013) chama a atenção para a distinção que se estabelece entre a “adaptação” (resposta

construída pela comunidade após um longo período de exposição a um dado problema, resultando em mudanças estru-

turais, biológicas ou culturais) e a “adequação” (resposta de prazo mais curto, envolvendo ampliação do uso tecnológi-

co ou instrumental e/ou mudança em práticas e comportamentos com vistas à melhoria de qualidade/produtividade na

relação com o ecossistema). Nesse sentido, diz o autor, “(...) a cultura como estratégia adaptativa é uma plataforma

complexa que dificilmente pode ser entendida sem analisar de que maneira as sociedades buscam estratégias adap-

tativas que lhes permitam manter um certo equilíbrio com o meio externo” (op.cit., 2013, p.18)

98

alterou a partir do simbólico quadragésimo aniversário da Convenção do

Patrimônio da Humanidade, celebrado em Florença, em setembro de 2012,

com o sugestivo tema de “A proteção internacional das paisagens” (LAU-

REANO, 2012). Na ocasião se celebrava, também, o vigésimo aniversário

de incorporação da “paisagem cultural” como categoria patrimonial12.

Na reunião de Florença, a principal demanda estava relacionada à ne-

cessidade de abandonar a ideia de patrimônio como uma herança disso-

ciada da cultura e das atividades humanas cotidianas, evoluindo-se da con-

servação dos objetos (os monumentos) para a proteção das pessoas, como

verdadeiros impulsionadores do valor patrimonial, seja na sua criação, seja

na conservação e manutenção de sua funcionalidade. Por isso mesmo, tra-

tou-se de revisar o próprio conceito de paisagem cultural (MARTÍN, 2017),

com a finalidade de ampliar o número e a diversidade de paisagens prote-

gidas, renunciando à obrigatoriedade que até então se colocava do “Valor

Universal Excepcional”. A partir de Florença, a UNESCO passa a reconhecer

a importância dos valores patrimoniais presentes em paisagens quotidia-

nas, entendendo que proteger as paisagens significa estender essa pro-

teção para o território onde ela se localiza e, também, à sociedade que a

criou, sua cultura e suas tradições. Isso representa, efetivamente, uma nova

visão de paisagem frente ao que se defendia até então (quadro 1).

Quadro 1

,

- Comparação entre os critérios utilizados pela UNESCO na conservação do patrimô-

nio mundial desde 1972 e a nova visão estabelecida a partir da Declaração de Florença, de 2012.

CONVENÇÃO DO PATRIMÔNIO MUNDIAL NOVA VISÃO DA PAISAGEM

Universalismo Multiculturalismo e diversidade

Definição fixa Definição evolutiva e regionalmente adaptada

Separação entre natureza e cultura Integração entre natureza e cultura

Lista de paisagens de excelência Todas as paisagens são passíveis de conservação

Busca de valores excepcionais Referência a paisagens cotidianas

Conservação do patrimônio tangível Conservação do patrimônio tangível e intangível

Patrimônio como algo estático Patrimônio como algo dinâmico

Foco no monumento Foco no ecossistema

Aproximação museográfica Aproximação social, produtiva e evolutiva

Prioridade na conservação Prioridade na prevenção, gestão e preservação através

da mudança

Autenticidade Preservação dos conhecimentos tradicionais

Voltada para uma herança universal Voltada para as pessoas e comunidades

Fonte: Adaptado de Laureano (2012, p.7)

Voltando à classificação taxonômica expressa na figura 4, naqueles ca-

sos em que as paisagens antropo-naturais não se desenvolveram pelo mú-

tuo acoplamento estrutural da sociedade e da natureza, também temos a

12 Ocorrida a partir da reunião do comitê de especialistas da UNESCO realizada em La Petite Pierre (França),

em 1992.

99

possibilidade de, ao menos, a intervenção humana caminhar para a garan-

tia das funcionalidades originais da paisagem ou, até mesmo, do enriqueci-

mento funcional que não necessariamente precisa resultar na formação de

uma paisagem cultural, mas que contribui para um ganho de estabilidade

do sistema paisagístico. Nesses casos, apontamos a estabilidade da paisa-

gem como um estado de equilíbrio regulado, ou seja, ainda que o sistema

geoecológico tenha a tendência de perder a funcionalidade original, devi-

do ao estresse estrutural provocado pela intensidade da energia aportada,

a regulação do equilíbrio se dá a partir da intervenção humana estabilizado-

ra, evitando as perdas estruturais (e funcionais) mais drásticas, que ocorrem

em paisagens com entropia máxima. É o caso, por exemplo, das paisagens

protegidas que estão localizadas em áreas de grande pressão econômica

(figura 8).

Figura 8 - O Parque Estadual do Turvo, representa uma unidade de conservação criada em 1947,

no noroeste gaúcho, para salvaguardar o último grande fragmento de Floresta Estacional Semi-

decidual existente no RS. Localizado às margens do rio Uruguai, na fronteira com a Argentina, a

garantia do equilíbrio ecológico da floresta é dada tão somente pela regulação humana, que pre-

serva a estrutura florestal no estrito limite do Parque, já que as áreas circundantes foram comple-

tamente devastadas pela expansão da soja. Assim, diferentemente de algumas UCs da Amazônia,

por exemplo, onde o atual status de proteção legal de Parque pouca diferença faz sobre o fun-

cionamento atual da paisagem natural ali presente, no Parque Estadual do Turvo, não é possível

dizer que há uma paisagem natural, e sim uma paisagem antropo-natural com permanência fun-

cional, cujo estado de equilíbrio regulado cabe à política do sistema humano de conservação.

Fonte: Imagem extraída do Google Earth

Isso acaba sendo verificado, também, em paisagens urbanas ou rurais

manejadas a partir de princípios permaculturais, ou paisagens de explora-

ção agrícola extensiva e sustentável, que envolvem produção agroflorestal,

pecuária extensiva, extrativismo sustentável etc. Em outras palavras, venci-

100

do o preconceito de que a ação humana é sempre e inexoravelmente des-

truidora, é possível perceber algumas possibilidades de feedback humano

que retroalimentam positivamente os sistemas paisagísticos, garantindo ou,

até mesmo, enriquecendo funcionalmente a paisagem. Isso se evidencia

nos casos em que a paisagem é manejada por uma “inteligência de enxa-

mes” (FIGUEIRÓ, 2012), como no caso dos planejamentos de cidades inte-

ligentes e sustentáveis (BIBRI; CROGSTIE, 2017).

A inteligência de enxames, ou swarm intelligence, nasceu nas ciências

da computação e na biologia, buscando compreender o comportamento

coletivo de sistemas auto-organizados, flexíveis, dinâmicos e com gestão

descentralizada. Baseada no princípio de que os indivíduos são capazes de

perceber e modificar localmente seu ambiente com base no comportamen-

to dos demais indivíduos com quem interagem, essa teoria prevê a possi-

bilidade da emergência de padrões funcionais globais, mesmo na ausência

de um controle centralizado ou de um “modelo” global pré-definido. Se

considerarmos a noção termodinâmica de desenvolvimento como um pro-

cesso evolutivo desencadeado pelas interações locais entre os componen-

tes do sistema paisagístico, cuja trajetória não pode ser prevista a priori,

então somos obrigados a reconhecer que a inteligência de enxames ofere-

ce uma contribuição teórica fundamental para pensarmos o enriquecimento

funcional e a sustentabilidade como propriedades sistêmicas capazes de

permitir que as sociedades coevoluam com mais qualidade e estabilidade,

a partir de sistemas paisagísticos adaptados às condições do Antropoceno.

Infelizmente, esses estados da paisagem ainda são minoritários frente

a uma grande diversidade de paisagens antropo-naturais com amplo gra-

diente de perdas funcionais, decorrentes da pressão da ocupação superior

à capacidade de resiliência do sistema paisagístico. Não faltam pesquisas e

dados que atestem o impacto sinérgico dessas perdas na biosfera terrestre,

tal como discutimos no início deste texto.

Consideramos que essas paisagens apresentam um estado degra-

dado, que produz uma progressiva redução da complexidade, seja pela

simplificação artificial do sistema, seja pela perda estrutural decorrente do

estrangulamento dos fluxos homeostáticos originais (figura 9). Essa perda

pode ser calculada por meio do Coeficiente de Transformação Antropogê-

nica proposto por Shishenko (apud MATEO RODRIGUEZ; SILVA; CAVAL-

CANTI, 2004), a partir do qual é possível classificar as paisagens segundo o

seu grau de hemerobia13. A cada nova perturbação, o sistema paisagístico

13 A hemerobia expressa o nível de interferência humana no sistema da paisagem, definindo, por conseguinte,

tanto o seu grau de naturalidade (SUKOPP, 1972), quanto o grau de dependência tecnológica e energética necessário

para a manutenção do seu equilíbrio homeostático (HABER, 1990), variando, segundo Naveh e Lieberman (1984)

101

se depara com um “ponto de bifurcação” que antecipa a fronteira entre a

manutenção da estabilidade a partir de um dado patamar (uma retroação

positiva que age na correção dos desequilíbrios) e a produção do caos que

é gerada com a ruptura da informação termodinâmica.

Essas bifurcações formam a principal característica dos sistemas com-

plexos, uma vez que implicam na existência de um ponto vulnerável de

indeterminação entre a estrutura e o estado do sistema da paisagem, na

medida em que o “estado” corresponde à resultante da dialética de forças

entre a entropia e a neguentropia14 . Nos casos em que a pressão entrópica

supera as possibilidades de informação termodinâmica, a paisagem assu-

me progressivos patamares de degradação estruturo-funcional até atingir a

condição de não retorno absoluto, quando então, passa a ser considerada

uma paisagem colapsada.

Figura 9 - As paisagens antropocênicas com perdas funcionais apresentam um enorme gradiente

de estados, desde as paisagens degradadas até as paisagens colapsadas. Na foto da esquerda, vê-se

a imagem de uma sub-bacia degradada no vale do Paraíba, em São Paulo, com destaque para as

cicatrizes erosivas (em pontilhado) produzidas pela ruptura das funcionalidades geo-hidro-eco-

lógicas da Mata Atlântica desde o avanço do cultivo do café no período do Brasil Colônia. O re-

torno ao metaestado de equilíbrio original, ainda que possível, é bastante improvável, como atesta

seu estado atual de degradação,

,

passado mais de meio século de abandono produtivo da área. Na

foto da direita, a imagem de uma paisagem colapsada no município de Caçapava do Sul (RS),

referente à mineração de cobre a céu aberto abandonada desde a década de 1990. Paisagens como

essa podem sofrer processos de refuncionalização por meio do turismo ou esportes de aventura,

mas jamais serão capazes de recompor as funções ecológicas anteriores, o que pressupõe perdas

em cadeia devido às funções holárquicas da paisagem.

Fonte: Acervo do autor

desde as paisagens a-hemerobióticas (paisagens naturais) até as paisagens consideradas meta-hemerobióticas (paisa-

gens culturais).

14 Enquanto a entropia representa a desordem da energia produzida pelos fluxos não homeostáticos de ex-

ploração da paisagem (ocupação ou extração em excesso e desreguladas), resultando em erosão estrutural e perdas

de funcionalidade, a neguentropia é o seu oposto dialético, reunindo todas as forças (informações termodinâmicas)

responsáveis por gerar uma retroação positiva, capaz de atribuir resistência e resiliência ao sistema, garantindo a sua

sustentação a longo prazo.

102

Felizmente esse não se trata de um caminho linear e inexorável, já que

a cada ponto de bifurcação é possível assumir uma escolha divergente,

enriquecer funcionalmente a paisagem, recompor e reconstruir. Uma impor-

tante contribuição ao entendimento dessa capacidade de autorregulação

dos sistemas socioambientais vem do conceito de “autopoiése” proposto

pelos biólogos Humberto Maturana e Francisco Varela (MATURANA;VARE-

LA, 2001). Esse conceito parte da ideia de que a flexibilidade e a criativida-

de são princípios inerentes à informação celular de todos os seres vivos, do-

tando-os, desde a sua origem, da capacidade necessária para se adaptarem

(poiesis=criação) às flutuações de energia e às mudanças dos patamares

hierárquicos de organização.

Essa capacidade se reflete, também, e de forma fractal, em todos os

níveis superiores de organização dos seres (das células à sociedade), ga-

rantindo a propriedade central das paisagens antropocênicas: adaptação.

Ainda há muito para se refletir, teorizar, experimentar e concluir sobre esse

processo, porém, se não formos capazes de superar a noção ingênua de

que é preciso lutar pelo retorno ao Éden, continuaremos a lutar as bata-

lhas do século XIX, imersos em uma natureza cada vez mais degradada e

colapsada. Nossa distorção perceptiva faz com que continuemos lutando

contra o jardim, desejando a floresta, sem perceber que caminhamos para

as paisagens lunares.

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AGRADECIMENTOS

Fica aqui o meu mais profundo agradecimento ao meu grande mestre,

colega e amigo, José Manuel Mateo Rodriguez, que me ensinou que se

aprende sobre as paisagens caminhando. Para onde quer que tua boa ener-

gia tenha caminhado, meu amigo, saiba que estaremos sempre seguindo

tuas pegadas!

107

DAS PAISAGENS ORIGINÁRIAS ÀS

PAISAGENS ANTROPOGÊNICAS:

AS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO

DA NATUREZA COMO

TESTEMUNHO DE UM PERCURSO

Valdir Adilson Steinke

Gabriella Emilly Pessoa

Sandra Barbosa

INTRODUÇÃO

Seguramente, inúmeros leitores e pesquisadores são levados a acreditar

que discutir a definição de paisagem é algo infrutífero. Tal conceito, de acordo

com alguns, já está superado. Torna-se deveras corriqueiro encontrar uma defi-

nição simples - e até objetiva - de paisagem, induzindo pessoas ao erro de que

o conceito de paisagem está exaurido.

No entanto, ao ampliar e aprofundar o debate, colocando algumas ques-

tões mais contundentes em foco, é inevitável perceber que o tema exige mais

seriedade. A paisagem impõe um conjunto de reflexões, argumentos e consi-

derações que reconstroem os elementos capazes de subsidiar o conceito de

paisagem.

Neste primeiro exercício, não se trata de defender quais áreas do conheci-

mento tem mais razão e propriedade a respeito do conceito, pois a diversidade

de abordagens - que muitas vezes não conversam entre si - é intrínseca a própria

fragmentação das ciências e áreas afins, peculiares do século XX. Nesse sentido,

a Biologia, a Geografia, a Geologia, as Artes, a Arquitetura, a Filosofia, entre ou-

tras áreas do conhecimento, debruçaram-se sobre essa terminologia e, dentro

do que as suas demandas esboçaram, deram ao conceito o significado que mais

se adequou aos propósitos específicos de cada área.

Isso, por si só, já se consolida como uma evidência da miscelânea de con-

cepções. Consequentemente, gera uma certa confusão aos leigos e, até mes-

108

mo, aos mais experientes - porém desavisados - investigadores. Em uma

leitura superficial, leva a crer que essa polissemia é apenas um resultado da

complexidade da paisagem. Contudo, é possível perceber que a miscelâ-

nea de significados empregados ao termo não passa de uma fuga elegante

do enfrentamento da complexidade; complexidade que a paisagem carre-

ga consigo em qualquer que seja a área do conhecimento.

Essa fuga se revela

,

.384

geossisteMa CárstiCo e geoeCologia da paisageM

raFael brugnolli Medeiros___________________________________ .414

14

paisageM e Cobertura Vegetal:

Da Generalização ás Especificidade da Caatinga

dr. bartoloMeu israel de souza

MsC. Joseilson raMos de Medeiros

dr. rubens teixeira de Queiroz_______________________________ .439

nuVens, néVoas e neblinas:

DESCORTINANDO PAISAGENS CLIMÁTICAS NA ZONA DA MATA MINEIRA

edson soares Fialho_______________________________________ .460

SOBRE OS AUTORES_____________________________________ .496

15

PREFÁCIO

OS DE HOJE, OS MODERNOS E OS DE ORIGEM AO

REDOR DE UM TEMA CHAVE

A Geografia surgiu sob o signo da paisagem. Viajante e espírito atento,

Estrabão registra no seu olhar arguto a diferença dos lugares, atribuída à

diferença das paisagens, a paisagem formando os lugares e os lugares for-

mando os homens, num mundo que se faz na e como diferença. Geo-gra-

fia é, então, o nome que dá a essa forma de ver e saber que com ele está

nascendo. Prescrutador da relação das coisas em seus lugares e interações,

Ptolomeu, seu quase contemporâneo, vê na interação da visualidade das

partes da superfície terrestre o que desta faz o efeito convergente-diver-

gente do Cosmos, o geral que liga e diversifica o todo num quadro de múl-

tiplos pontos. Todo e partes, partes e todo, Estrabão e Ptolomeu pensando

o desafio de explicar, como bons gregos de cultura clássica, uma dialética

de totalidade de antagonismos encravada embaixo do domínio de Roma.

Dois arquétipos, dois paradigmas, assim construídos ao redor de um

mesmo tema, o sentido e o significado da paisagem, distintos no modo de

olhar a grafia da superfície da terra, o indutivo-dedutivo, de Estrabão e o

dedutivo-indutivo, de Ptolomeu. Alguns diriam idiográfico de um e nomo-

tético de outro. Arquétipos antigos, reproduzidos, porém, no olhar con-

temporâneo dos paradigmas que permanentemente os recriam em novas

formas. Dois arquétipos, e seus paradigmas, que inauguram a forma uno-

-múltipla com que desde então vemos a Geografia. O arquétipo ora diverso

de Estrabão, ora unitário de Ptolomeu. Tornados múltiplos paradigmáticos

mesmo quando da dialética da unidade da diversidade do gênio de Hum-

boldt.

É esse quadro de um saber a um só tempo uno e múltiplo que me traz

à mente a leitura desse Geografia da Paisagem: múltiplas abordagens, or-

ganizado pelos colegas Charlei Aparecido da Silva, Edson Soares Fialho e

Valdir Adilson Steinke, analisando e inovando o tema básico da paisagem.

O que sugnifica, a própria Geografia. Ora num arquétipo. Ora noutro. To-

dos remetendo, embora, à unidade-diversidade da visão de ntegralidade

16

de Humboldt, aqui e ali reiteradamente citado. O hoje numa relação recria-

dora e tributária dos ontens, qual seja, a plêiade de pensadores que surgem

e reduplicam no longo do trajeto da história dessa ciência. Com eles, o

conceito-chave da paisagem. O conceito aqui de Sochava, ali de Bertrand,

noutro canto de Tricart, e outros tantos, como

nossos Aziz Nacib Ab` Sáber e Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro,

os autores de hoje mostrando no conceito de agora o contributo dos que

despontam como sua referência.

Eis que sob a unicidade técnica, percebida nos inicios da globalização

por esse outro clássico que é Pierre George, atento à destruição e rearran-

jo das configurações de espaços da urbano-industrialização do pós-anos

1950, a paisagem se faz arranjo (o arranjo territorial), a distribuição das lo-

calizações que age por trás e por dentro da sua ordem orgânica, descaman-

do e transformando a riqueza da paisagem numa pura e seca estrutura de

fragmentos de espaço. O arranjo de espaço da sociedade descerrada dos

seus encantos e imprevistos, a sociedade do desencanto do olhar crítico de

Max à sociedade tecnificada do capitalismo. A sociedade da contradição

homem-natureza emergida da acumulação primitiva, diremos nós, que hoje

se revela um simulacro de ordenamento recíproco do espaço da natureza e

do espaço do homem. Relação já em si frágil, qual o meio do conceito de

meio instável de Tricart, aqui pensada a propósito da relação de sobreposi-

ção do homem e do meio com que a relação homem-natureza se edifica na

e como uma acumulação primitiva.

Relação de correlação aqui e ali hoje desmontada na emergência dos

extremos climáticos. Para ficarmos no exemplo mais conspícuo e midiati-

camente conhecido da chamada crise ambiental global. O arranjo espacial

mais e mais fluido do ordenamento da natureza defasando e conflitando o

mais fixo e consolidado do ordenamento do assentamento humano. De-

sajustamento que enseja à criatividade dos geógrafos e da Geografia o

desafio superativo dos seus também desajustes. Qual seja, o poder de uni-

cidade explicativa e de intervenção praxiológica de uma ciência assentada

numa teoria estruturada desde os anos 1970 nos termos e predicados da

lógica dialética e mantida numa forma de cartografia/geotecnologias ainda

estruturada nos termos e predicados da lógica formal. Dissonância que a

explosão das contradições espaço-ambientais contemporânea pede seja

resolvida, juntando uma lógica e outra, a formal das geotecnologias e a

dialética da teoria. A lógica da forma (a formal das técnicas de representa-

17

çãoi) e a lógica do conteúdo (a dialética dos conceitos) por sua vez ajusta-

das. Passível e possível de fazer-se, estou certo disso, necessária, mais que

isto, por tratar-se de um quadro epistemológico de um saber centrado, por

definição, justamente no par paisagem e espaço, visível e invisível, aparên-

cia e essência, forma e conteúdo, Faces em si recíprocas de uma só moeda,

o discurso e

representação analíticos dos estados orgânicos do mundo. Superação

do encontro-desencontro da face teórica e da face técnica que tematizo

num texto-convite, convite de Charlei e convite à nossa reflexão, feito para

o fim de outra coletânea, igualmente organizada pelo deligente e incansá-

vel Charlei, tema (o ordeamento do espaço) e armas (a cartografia e geo-

tecnologias) que fazem historicamente da Geografia uma ciência de grande

fôlego.

É uma coletânea de diferentes olhares sobre a categoria-força que deu à Geografia

o poder do entendimento analítico das faces do mundo com que ela ficou conhecida, a

categoria da paisagem-arranjo sob a qual e na forma da qual se modela o modo tenso

de vida do nosso espaço vivido, hoje em esfacelamento. Obra coletiva em boa hora

tornada pública. A hora do momento em que, com toda sua força destrutiva, as contra-

dições do modo com que nosso mundo espaço-ambientalmente se constrói historica-

mente vêm à tona. E põe a Geografia e os geógrafos no olho do furacão.

Um livro de instigação e fundamentos fortemente correspondente ao nosso tem-

po. Importante. Necessário. À leitura, pois.

Ruy Moreira

Universidade Federal Fluminense

18

A PAISAGEM NA

GEOGRAFIA FÍSICA OU

PAISAGEM E NATUREZA

Dirce Maria Antunes Suertegaray

INTRODUÇÃO

Outro tipo de prazer é o produzido pela configuração concreta

da paisagem, pela forma da superfície do globo em uma região

determinada. As impressões deste gênero são mais vivas, melhor

definidas, mais de acordo com certos estados de ânimo. (Alexan-

der Von Humbolt, Cosmos, 1982)

Antes de iniciar a apresentação do tema, cabe explicitar o título. Pre-

tende-se, neste texto, que a paisagem da Geografia Física, sugerida como

tema de abordagem, seja deslocada para a estudos da Natureza, conceito

que considero pertinente num debate em Geografia.

Início trazendo uma lembrança que corresponde à memória de minha

primeira aula de Geomorfologia, ministrada pelo saudoso Ivo Lauro Muller

Filho, meu professor na UFSM. Era um excelente professor e desenhista,

que, ao iniciar aquela aula, dirigiu-se ao quadro negro (à época, não era

verde) e desenhou o que denominamos paisagem, representada por um

conjunto de elementos naturais: uma montanha, um rio, vegetação,

,

na nítida simplificação utilizada em todas as áreas

citadas anteriormente: a percepção como função central para análise da

paisagem, seja de interpretadora da paisagem, seja de uma paisagem in-

terpretada.

Ao considerar a percepção como elemento central, é inequívoca a

inserção de variáveis imponderáveis, que possuem um elevado caráter sub-

jetivo, na qual se atribui as preferências daquele que percebe a paisagem.

Seguramente, essas variáveis induzem respostas e são extremamente vul-

neráveis, especialmente para as análises de longo prazo, considerando que

as sociedades não são estáticas no espaço-tempo. Como resultado, pre-

ferências e percepções do passado podem ser distintas no presente e no

futuro.

Por isso, as meras relações causais, quando inseridas de modo hierár-

quico ou quando as hierarquias são impostas por percepções de indivíduos,

grupos e sociedades, não se sustentam no médio e longo prazo, quiçá por

estarem viciadas para o próprio tempo presente. Em um ambiente acadê-

mico e científico, qualquer resultado concebido nessas condições, torna-se

não-falseável e, portanto, perde seu valor científico.

Nesse quesito, impõem-se a abordagem complexa, a qual já temos

contribuições relevantes na análise da paisagem. Obviamente, esse cami-

nho é muito mais árduo e com maior número de exigências teóricas e me-

todológicas, que não permitem tratar a Geografia como uma mera “ciência

de síntese”, visto que impõem muito mais do que resultados generalizados

e abreviados. Assim sendo, a contribuição de Monteiro (2000) é valiosa para

definição da paisagem:

“uma entidade espacial delimitada segundo um nível de resolução

do geógrafo (pesquisador) a partir dos objetivos centrais da análi-

se, de qualquer modo, sempre resultante da integração dinâmica,

portanto instável, dos elementos de suporte e cobertura (físicos,

biológicos e antrópicos) expressa em partes delimitáveis infinita-

mente, mas individualizadas através das relações entre elas que

organizam um todo complexo (sistema), verdadeiro conjunto soli-

dário e único, em perpétua evolução.” (MONTEIRO, 2000, p. 39).

109

A abordagem da paisagem, via conceito de unidade complexa abordada

por Morin (1991, 1997), segue na direção de uma interpelação simultaneamente

científica e filosófica. Segundo o autor, os sistemas complexos possuem inter-

relações entre seus componentes e, consequentemente, dos sistemas entre si.

Tanto os sistemas quanto os componentes processam na dependência e inter-

dependência de um organismo complexo, no qual o “efeito mais notável é a

constituição duma forma global retroagindo sobre as partes, e a produção de

qualidades emergentes quer ao nível global, quer ao nível das partes” (Morin,

1997, p. 142).

A paisagem entendida como um sistema complexo retem, essencialmente,

o registro das situações a qual foi submetida. Essas situações ocorridas no sis-

tema podem ser significativas para definir as origens, os percursos evolutivos,

e, em certa medida, podem indicar cenários futuros. A fim de realizar um diag-

nóstico do estágio atual de um sistema complexo de tal envergadura, a paisa-

gem, é necessário considerar as condições peculiares do instante da análise da

paisagem. Essas devem permitir a investigação dos encadeamentos temporais

e espaciais necessários em diferentes níveis escalares.

Pela complexidade que a paisagem traz consigo, inevitavelmente afronta-

-se um desafio central de cunho estritamente geográfico: as escalas. As diversas

escalas que podem existir em uma única paisagem interagem entre si, horizon-

tal e verticalmente, no espaço-tempo, com todas as suas conexões, inclusive as

“ocultas” (ver Capra, 2002).

Por conta disso, as abordagens para estudos de paisagem passam, neces-

sariamente, por cuidados nos limites de intervenção. Geralmente, os limites de-

rivam de uma lógica política: os parâmetros são os limites definidos pela esfera

administrativa responsável pela gestão territorial, descuidando dos processos

fundamentais de funcionamento latente à paisagem.

Na abordagem adotada no presente texto, procurou-se representar o pro-

cesso complexo e dinâmico de gênese e transformação da paisagem. Aqui, a

paisagem originária é definida como a que antecede a presença humana e, a

partir da inserção da espécie hom*o (Habilis e depois Sapiens), torna-se uma

paisagem antropogênica.

Na figura 01, apresenta-se um esboço dos processos de transformação

temporal. Os hexágonos refletem as células de compartimentação espacial da

paisagem, a qual pode ser moldada para inúmeras escalas temporais e espa-

ciais, sem renunciar à dinâmica constante dos processos atuantes.

110

Figura 01: 1) Esboço da escala temporal de transformação da paisagem originária para

antropogênica e 2) Situações de intervenções na paisagem originária pela inserção

antrópica. A) A paisagem originária diante do surgimento do hom*o Habilis; B) A Paisagem

originária pela intervenção do hom*o Sapiens, considerado como o marco inicial da paisa-

gem antropogênica; C) A paisagem antropogênica pela intervenção acelerada da Revolução

Industrial; e D) A paisagem antropogênica como predominante e deixando suas impressões

advindas do processo de transformação espaço-temporal. Elaboração dos autores.

Os pilares dessa perspectiva são os trabalhos de Schellnhuber (1999), Ste-

ffen et al. (2004, 2011, 2016), Waters et al. (2016), Ellis e Haff (2009), Ellis (2011,

2015), Ellis et al. (2016) e Young (2015). Partiu-se de uma abordagem capaz de

subsidiar o que aqui iremos denominar de paisagens antropogênicas.

Considerando as inúmeras possibilidades para apresentar como resultado,

e levando em consideração a transformação da paisagem, optou-se por obser-

var as unidades de conservação da natureza, implementadas pela esfera fede-

111

ral brasileira no período entre 1937 e 2022, com a perspectiva de referenciar

as unidades - nossos recortes territoriais - como testemunhos relevantes para

exemplificar os resquícios de uma dinâmica geo-histórica.

A EVOLUÇÃO AMBIENTAL NO CONTEXTO BRASILEIRO

Há uma crescente preocupação com o meio ambiente: dentre as questões

centrais discutidas nos fóruns e relatórios ambientais nas décadas mais recentes

(entre 1960 e 2021), destacam-se o acelerado esgotamento de recursos naturais,

a degradação dos ecossistemas, a crise climática, os efeitos da deterioração am-

biental e a necessidade urgente de proteção do meio ambiente.

A participação brasileira institucional no processo de conservação e preser-

vação ocorre a partir da década de 1930. Daí, foram criadas as primeiras áreas

protegidas, com foco na conservação da natureza: os parques nacionais. Mais

tarde, os parques nacionais vieram a integrar o Sistema Nacional de Unidades

de Conservação da Natureza (SNUC), vinculadas de modo mais contundente a

esfera federal e formando o conjunto de leis protecionistas (EHRLICH, 2002; OLI-

VEIRA, 2010).

A estrutura ambiental vigente no Brasil foi fortemente influenciada pelo mo-

vimento ambiental internacional. Essa influência percorre desde o Iluminismo

e Romantismo europeu até as correntes ambientais norte-americanas. O ícone

desse movimento global foi a criação do Parque Nacional de Yellowstone, locali-

zado nos Estados Unidos, em 1872. Até então, não havia registros da criação de

parques voltados a preservação e conservação. No Brasil, o final do século XIX

e o início do século XX foram marcados pelo baixo interesse político na criação

de áreas ambientalmente protegidas (RYLANDS & BRANDON, 2005; AGUIAR et

al., 2013). Porém, no século XX, há uma guinada para a preservação do meio am-

biente por estratégia geopolítica. A partir da abertura de fronteiras e da globali-

zação, passa a existir maior envolvimento de grupos de investigação. Em grande

medida, esses grupos acabam por influenciar as instituições públicas, inserindo

o país na temática de proteção ambiental em alinhamento com os principais pa-

íses envolvidos na questão.

Dessa forma, pode-se estabelecer como marco

,

zero o ano de 1937, quando

foi criado o Parque Nacional do Itatiaia, no Rio de Janeiro. Em 80 anos, foram

criadas outras 323 unidades territoriais destinadas a proteção e conservação da

natureza no Brasil, protegidas por lei (FRANÇA, 2011; MERCADANTE & VIANA,

2015).

Por deter a maior biodiversidade mundial, o Brasil se consagrou como líder

112

ambiental no cenário mundial. Possuindo entre 15% e 20% das espécies até

então catalogadas, o país lidera o ranking dos dezessete países que detém 70%

da biodiversidade mundial. Ainda, o país abriga o maior número de espécies

endêmicas conhecidas no mundo (FORZZA et al., 2012; CÁCERES et al., 2014;

MAIA et al., 2015; Brazilian Flora Group, 2016; PNUD, 2016).

O Brasil foi o primeiro signatário da Convenção sobre Diversidade Bioló-

gica (CDB) durante a Conferência das Organizações das Nações Unidas (ONU)

sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, no evento conhecido como Rio 9215.

O país é considerado um membro importante na Conferência das Partes, con-

venções e acordos ambientais mundiais, o que lhe confere responsabilidade

especial no cumprimento dos compromissos de conservação dos ecossistemas

naturais (PRATES & IRVIN, 2015; MMA, 2018).

No que tange a diversidade de ecossistemas, o Brasil abrange seis grandes

biomas classificados (MMA, 2018; IBGE, 2019), localizados em áreas continentais

e áreas litorâneas, contando com um ecossistema marinho costeiro que engloba

a parte marinha e os seus recursos. Entre os seis biomas, dois são considerados

hotspots: a Mata Atlântica e o Cerrado (HENRY-SILVA, 2005; MMA, 2018).

De acordo com Moraes (2005), o território é a materialidade terrestre que

abriga o patrimônio natural de um país, suas estruturas de produção e os espa-

ços de reprodução de uma sociedade. É nele que estão alocados as fontes e

os estoques de recursos naturais disponíveis para a coletividade e os recursos

ambientais existentes.

No entanto, é nesse mesmo território que se acumulam as formas espaciais

criadas pela sociedade em sua trajetória temporal, imprimindo suas digitais em

um processo de apropriação que se dá de diversas formas: social, econômica,

cultural e ambiental. Em consequência disso, vemos a reformulação dinâmica e

complexa das paisagens originárias - anteriores a existência do hom*o Sapiens -

em paisagens antropogênicas.

Nas civilizações pós-Revolução Industrial, inseridas no contexto de globali-

zação, prioriza-se o poder econômico do capital. Com isso, reproduzem-se es-

paços sociais com profundas desigualdades e transformações ambientais, mui-

tas delas irreversíveis para o ambiente natural. Essa irreversibilidade só ocorre

pela precariedade de consciência humana acerca dos valores e benefícios da

natureza preservada. Desse modo, a ênfase se dá no caráter global e interde-

pendente dos países. Os assuntos e problemas ambientais são socializados e

compartilhados para além das fronteiras políticas estabelecidas, embora os be-

nefícios econômicos da degradação ambiental sejam partilhados entre poucos

(HARVEY, 1974; LENOBLE, 1975; BENTON, 1989 e 1994; CASTREE, 1995; HAS-

15 2ª Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. O conceito de biodiversidade foi o

centro das discussões. No evento, assinou-se a Convenção de Diversidade Biológica – CDB.

113

SLER, 2005; LIMA, 2011; DOWBOR, 2017).

A destruição dos ecossistemas brasileiros teve seu início na era colonial.

Além da instalação de populações ao longo da costa e o genocídio das popula-

ções indígenas, houve a primeira superexploração do país em seu primeiro ciclo

econômico: o Pau-Brasil, que gerou um grande desmatamento da Mata Atlânti-

ca e a ameaça de extinção da espécie.

O segundo ciclo econômico brasileiro perdurou do século XIX até 1930,

sendo conhecido como Ciclo do Café. Esse ciclo afetou principalmente as flo-

restas das regiões sudeste e nordeste do país, ocupadas por grandes proprie-

dades produtoras de café. A grande produção da sem*nte comprometeu os

estoques hídricos que abasteciam a capital onde residia a corte brasileira: o Rio

de Janeiro. Consequentemente, houve desapropriações das fazendas de café

para recuperação de florestas; um dos primeiros registros da intenção de criação

de espaços protegidos. Embora não delimitadas geograficamente, essas áreas

se converteriam, mais tarde, em Unidades de Conservação reguladas por lei

(HASSLER, 2005; FRANCO et al., 2015).

As Ordenações Filipinas possuem grande influência na legislação brasilei-

ra quanto ao estabelecimento de regras de controle da exploração da vegeta-

ção, do uso do solo, das águas continentais e marinhas, e da caça. Foi entre as

décadas de 1930 e 1960 que se consolidaram, na legislação do Brasil, os primei-

ros elementos de garantia de um regime diferenciado de proteção e gestão de

partes importantes e estratégicas do território brasileiro.

Na década de 1930, com a posse de Getúlio Vargas como Presidente da

República, ocorreram diversas mudanças no cenário político. Com o objetivo

de colocar o Brasil no rumo da modernidade e criar articulações internacionais

como estratégia geopolítica, a conservação do meio ambiente se tornou um

dos assuntos em destaque. Como estava presente nos debates internacionais,

Vargas aderiu a essa agenda com a criação dos primeiros parques nacionais.

Nesse período, foram promulgadas as primeiras leis de proteção dos recursos

naturais e as primeiras áreas protegidas, como modo de consolidação do tími-

do movimento conservacionista que se tornaria efusivo em décadas posteriores

(BORGES, 2009; FRANCO et al., 2015).

No ano de 1937, foi oficialmente criada a primeira Unidade de Conserva-

ção (UC) Federal: o Parque Nacional de Itatiaia, localizado no Rio de Janeiro.

Logo em seguida, em 1939, foram criados os parques nacionais do Iguaçu e

da Serra dos Órgãos. Os Parques Nacionais foram as primeiras categorias de

unidades de conservação (UCs) a serem criadas no país. Além dos Parques, a ca-

tegoria de Florestas Sustentáveis, também prevista na época, tinha a finalidade

econômica de exploração sustentável de recursos florestais. A regulamentação

dessas áreas, por meio do uso sustentável, tinha como objetivo evitar o esgo-

114

tamento das florestas. Até início da década de 1970, essas duas categorias se

revezaram nas criações de UCs federais e, posteriormente, outras categorias

foram definidas (HASSLER, 2005), conforme veremos adiante.

Até o final da década de 1960, o país não possuía critérios técnicos adequa-

dos para a escolha de áreas protegidas, que eram definidas basicamente por

meio de sua beleza cênica e oportunidade política.

O Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), criado em 1967

e vinculado ao Ministério da Agricultura, coordenou e implementou medidas vi-

sando a utilização racional e proteção dos recursos naturais e o desenvolvimento

florestal. Já a Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA) foi criada em 1973,

ligada ao Ministério do Interior, atuando no controle da poluição, promovendo a

educação ambiental para a sociedade e a proteção dos ecossistemas. Esses dois

órgãos se alternaram na gestão e fiscalização dessas áreas até o final da década

de 1980 (MITTERMEIER et al., 2005).

A vinculação hierárquica dos órgãos ambientais no governo dessa época

entrava em contradição com os objetivos conservacionistas. Isso ocorria porque

os Ministérios do Interior e da Agricultura conduziam agendas nacionais de-

senvolvimentistas, dando prioridade para os setores econômicos e produtivos.

Ambas apresentavam problemas em relação à autonomia de recursos e ao qua-

dro funcional, inadequado para o atendimento da demanda ambiental do país

(VALLEJO, 2003).

Em 1981, a fim de preservar, melhorar e recuperar a qualidade ambiental,

foi sancionada a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA). A PNMA vincu-

la o meio ambiente ao desenvolvimento sustentável, à segurança nacional e à

dignidade da vida humana. A partir da implementação dessa política, houve

uma melhoria

,

na estruturação ambiental e, em 1985, foi criado o Ministério do

Desenvolvimento Urbano e do Meio Ambiente. Após a promulgação da nova

Constituição Federal, em 1989, a SEMA, o IBDF e as Superintendências de Pes-

ca (SUDEPE) e da Borracha (SUDHEVEA) foram unificadas em uma única institui-

ção: o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

(IBAMA) (GODOY & LEUZINGER, 2015; MMA, 2018).

A PNMA estabeleceu a criação do Sistema Nacional do Meio Ambiente

(SISNAMA) e Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), tendo como

consequência o fortalecimento da matéria ambiental sob o ponto de vista da

melhora da estrutura e da legislação. A histórica degradação ambiental aliada à

impunidade, reforçada pelo precário amparo legal até a década de 1980, mo-

tivaram a evolução dos instrumentos jurídicos sólidos para a proteção do meio

ambiente, que se tornou volumosa e vigorou-se no Direito Ambiental (MACE-

DO, 2014; MMA, 2018; BENJAMIN, 1999, 2008).

Já no século XXI, alguns temas ambientais se individualizaram em órgãos

115

específicos. Foi o caso da gestão das águas, das florestas e das UCs, que saíram

da gerência do IBAMA. A partir de 2007, as UCs ficaram sob a responsabilidade

do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), criado em 28 de agosto

de 2007 pela Lei 11.516 (SILVA & SOUZA, 2009; LIMA, 2011). Essa autarquia

federal tem suas atribuições legais delimitadas conforme o parágrafo primeiro,

inciso I da referida lei:

(…) executar ações da política nacional de unidades de conservação da

natureza, referentes às atribuições federais relativas à proposição, im-

plantação, gestão, proteção, fiscalização e monitoramento das unidades

de conservação instituídas pela União. (ICMBio, 2018).

O Direito Ambiental se consolidou como ramo do Direito a partir da pro-

mulgação da Constituição Federal de 1988. Esse ramo funciona como interface

entre o direito público e o privado, intervindo nas atividades de particulares para

adequá-las as regras de preservação ambiental dos territórios protegidos. Até

1988, as questões ambientais eram tratadas por outros ramos do Direito e da

ciência conforme tipificações de cada assunto, tendo início no Código Civil de

1916, como propriedade e patrimônio (BENJAMIN, 2008; BORGES et al., 2009).

Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, destacam-se im-

portantes políticas nacionais que incidem diretamente sobre as questões am-

bientais. Além da instituição do Sistema Nacional de Unidades de Conserva-

ção (SNUC), editado pela Lei nº 9.985/2000, outras normas são publicadas com

intuito de conduzir e disciplinar questões ambientais importantes no país. Em

2006, o governo criou a Política Nacional de Populações e Comunidades Tra-

dicionais (PNAP), com o objetivo de executar diretrizes ambientais integradas

entre unidades de conservação, terras indígenas e territórios quilombolas. A

integração desses territórios ao SNUC evidencia a função dessas áreas na con-

servação da biodiversidade e no desenvolvimento nacional, além de promover

o fortalecimento do sistema de Unidades de Conservação (UCs) (MMA, 2018;

BRASIL, 2011).

Em 1992, no Rio de Janeiro, houve a realização da Conferência das Nações

Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (conhecida como Eco 92 ou

Rio 92), evento histórico fundamental para a estruturação ambiental brasileira. O

evento contou com a assinatura da Convenção da Diversidade Biológica (CDB),

um dos mais importantes instrumentos norteadores das políticas nacionais e in-

ternacionais de conservação da biodiversidade, tendo a Convenção das Partes

(COP) como órgão diretivo de gestão e implementação. Os encontros mundiais

de avaliação do cumprimento das diretrizes da CDB, organizados pelo COP, são

realizados de forma periódica pelos países signatários para o estabelecimen-

116

to de compromissos conservacionistas (PEREIRA & SCARDUA, 2008; MILANO,

2012).

AS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA NO BRASIL

O SNUC regulamentou o art. 225, § 1º, incisos I, II, III e VII da Constituição

Federal de 1988, que trata o meio ambiente como um bem coletivo e firma o

dever de cada cidadão de protegê-lo. Por essa razão, é necessária a participa-

ção da sociedade através de denúncias e do monitoramento de possíveis crimes

e excessos que degradem o meio ambiente. Juntamente ao SNUC, a Lei de Cri-

mes Ambientais de n.º 9.605 de 12 de fevereiro de 1998, regulamentada pelo

Decreto nº 6.514 de 2008, é uma ferramenta de cidadania, cabendo a todos os

cidadãos observá-la e implementá-la, por meio de amplo conhecimento e vigi-

lância do meio ambiente (BORGES et al., 2009; MERCADANTE & VIANA, 2015).

A Constituição Federal de 1988 determina que todas as Unidades da Fede-

ração delimitem seus espaços territoriais com atributos naturais a serem espe-

cialmente protegidos. Portanto, a alteração e a supressão em áreas protegidas

só podem ocorrer mediante Lei e autorização prévia do devido órgão ambiental.

A Constituição também veda qualquer utilização que comprometa a integridade

justificada para a criação da UC (BRASIL, 1988; PEREIRA & SACARDUA, 2008).

De acordo com o SNUC, as UCs são espaços territoriais que possuem ca-

racterísticas naturais relevantes, legalmente instituídos pelo Poder Público, que

possuem regime especial de administração. Seus limites devem ser claramente

definidos, junto com seus recursos naturais, ao qual se aplicam garantias ade-

quadas de proteção e conservação da natureza. Elas devem possuir, para efici-

ência de sua função, clareza de definição de abrangência dada pela qualidade

documental, espacial e correspondente à realidade local (LIMA et al., 2014).

Em vista disso, as UCs devem respeitar a imutabilidade, no sentido em

que a interferência humana não é permitida, a não ser a que estiver exposta

em seus planos de manejo. Em alguns casos, há uma relativa intocabilidade, de

acordo com categorias extremamente restritivas. A utilização e exploração dos

recursos protegidos pelas unidades, quando permitido, deve ocorrer de modo

sustentável, dentro dos parâmetros que atendam aos requisitos e objetivos para

os quais foram criadas (MEDEIROS, 2006).

Para que uma área assuma o formato jurídico-ecológico de uma UC, deve

atender os requisitos indicados em lei, como: sua relevância natural e o objeto

de conservação, seu grau de ameaça e a prioridade de conservação, o caráter

oficial, a delimitação geográfica e o regime especial de proteção e administra-

117

ção (LOPES & VIALÔGO, 2013; PEREIRA & SCARDUA, 2008). Dentre as inú-

meras funções de uma UC, destacam-se a defesa de amostras da diversidade

evolutiva das espécies — em níveis adequados para aproveitamento público, a

pesquisa científica e o uso sustentável dos recursos naturais.

As categorias de UCs de Proteção integral são: Estação Ecológica (ESEC),

Monumento Natural (MONA), Parque Nacional (PARNA), Reserva Biológica (RE-

BIO) e Refúgio de Vida Silvestre (REVIS). As categorias de UCs de Uso Sustentá-

vel são: Área de Proteção Ambiental (APA), Área de Relevante Interesse Ecoló-

gico (ARIE), Reserva de Fauna (REFAU), Floresta Nacional (FLONA), Reserva de

Desenvolvimento Sustentável (RDS), Reserva Extrativista (RESEX) e Reservas Par-

ticulares de Patrimônio Natural (RPPNs) (BRASIL, 2000; AGUIAR, 2013; FRAN-

CO, et al., 2015).

Nesse contexto, o limite territorial de uma Unidade de Conservação (UC)

é o elemento concreto de referência onde o Estado deve atuar. Os limites das

UCs representam uma barreira administrativa e física para supressões, pressões

e ameaças internas e externas, em que pese a infinidade de conflitos que tal

processo já tenha causado. Assim, o Estado brasileiro atua para a conservação

e/ou preservação ambiental. O estabelecimento de distintas tipologias e cate-

gorias de UCs para a gestão ambiental tem o intuito de garantir a preservação e

a relativa intocabilidade de algumas áreas, assim como a conservação por meio

da utilização controlada dos recursos naturais em áreas específicas

,

(MEDEIROS,

2006; MEDEIROS & YOUNG, 2011; BENJAMIN, 1999).

De acordo com MEDEIROS (2006), “Unidade de Conservação” é uma das

tipologias previstas no modelo ambiental brasileiro. Ela está situada dentro de

um grupo mais abrangente denominado áreas protegidas. As categorias se in-

dividualizam de acordo com a forma e uso dos recursos naturais nelas existentes

ou pela necessidade de resguardar parcelas de biomas, ecossistemas e biodi-

versidade rara ou ameaçada de extinção, com avaliação dos graus de vulnerabi-

lidade e pressão.

Atualmente, não se concebe mais a conservação ambiental dos espaços

protegidos livre da interferência humana. Por isso, as políticas públicas ambien-

tais desenvolvem cada vez mais instrumentos de promoção de gestão partici-

pativa (BENSUSAN, 2006; ABREU & PINHEIRO, 2012). Isso se demonstra na

própria lei do SNUC, a qual afirma que, para qualquer implementação de UCs,

deve haver consulta pública (com poucas exceções).

A inserção da instância social nos processos de conservação é um modo

de romper com a falsa ideia de que as UCs são empecilhos para o desenvolvi-

mento do país. No caso das áreas com comunidades tradicionais, alternativas

econômicas sustentáveis orientadas por planos de utilização e de manejo têm

alcançado grande visibilidade. Nacional e internacionalmente, há o estabeleci-

118

mento de um mercado valioso para a venda de produtos florestais explorados

de forma sustentável.

Desse modo, o desenvolvimento sustentável e a gestão participativa têm

sido importantes ações, principalmente quanto a melhoria da qualidade de vida

das populações tradicionais e das que vivem no entorno das UCs, favorecendo

também a proteção dos seus territórios (ALONSO, et al. 2007; DELGADO et al.

2007; MILANI, 2008; MENDONÇA & TALBOT, 2014).

De acordo com MEDEIROS & YOUNG (2011), as UCs têm sido conside-

radas bons mecanismos de conservação e justiça social. As políticas públicas

inclusivas tendem a promover o consumo de serviços e produtos provindos do

desenvolvimento sustentável, pois são atraentes e geram recursos para a socie-

dade e para as próprias UCs. Como resultado, essas políticas públicas tendem

a ser um fator para o desenvolvimento local e regional. Em muitos parques bra-

sileiros, há o oferecimento de serviços recreativos como trilha, parques de lazer,

apreciação de belezas cênicas e outras atividades que acabam gerando empre-

go e renda para as comunidades em seu entorno.

Gradativamente, o conceito de biodiversidade passa a ser concebido

como o produto histórico da interação entre o social e o ambiental (FRANCO,

2013). Ao mesmo tempo, abandona-se a ideia de natureza intocada em prol da

sustentabilidade ambiental e, a partir disso, o conceito natureza se mostra mais

maduro. O humano é considerado parte integrante e necessária da natureza

para a compreensão dos processos ecológicos das paisagens em sua totalidade,

além de ser responsável por recuperar áreas degradadas e espécies em extin-

ção.

Atualmente, verifica-se a presença humana na maior parte das UCs, mes-

mo naquelas restritivas à presença humana. Por isso, a construção de políticas

que reconheçam essa problemática e direcionem soluções para a sociedade e

para o meio ambiente pode ser a alternativa mais adequada (SILVA, 2008).

As UCs surgiram com o propósito de manter a sobrevivência dos espa-

ços naturais. Em outras palavras, as UCs devem garantir que os processos de

reprodução e evolução biológica ocorram, além de garantir a manutenção da

biodiversidade, com o menor grau de interferência humana possível. À medida

que os atos normativos se expandem, surgem novas categorias de áreas que

atendem peculiaridades ambientais diversas, para controle de situações especí-

ficas, para regulamentação do uso de recursos naturais e para novas formas de

utilização sustentável das florestas, de modo a evitar sua escassez e degradação

ambiental (BENJAMIN, 1999, 2008; THOMAS & FOLETO, 2012).

Assim, o estabelecimento de áreas protegidas reguladas com base em só-

lidas delimitações e com o conhecimento da abrangência territorial, assim como

a determinação de regras legais para uso e acesso aos sistemas naturais, têm

119

se tornado estratégia importante para a preservação da biodiversidade in situ a

nível mundial.

As UCs são importantes reservatórios de água e alimento para a socieda-

de. Elas também atuam no controle de doenças e na regulação do clima, além

de serem fontes de inspiração e usos diversos, inclusive de lazer. Por serem

espaços com dinâmicas específicas e administração diferenciada, são um inte-

ressante regulador e ordenador do território sob a tutela e gestão do Estado

brasileiro (PRATES & IRVING, 2015; LEUZINGER, 2007; TRAJANO, 2010).

Diante do exposto, nota-se que as UCs possuem características relaciona-

das aos contextos regionais onde estão inseridas, o que pode afetar a definição

de categorias, extensão, número de áreas etc. Diante disso, ao analisar uma uni-

dade de conservação, recomenda-se fazer uma contextualização com o período

de criação, para que haja compreensão da estrutura administrativa e política

vigente, assim como averiguar o contexto regional e aspetos tecnológicos e ju-

rídicos envolvidos.

Destaca-se acontecimentos relacionados ao meio ambiente que antece-

deram picos de criações de UCs: a hom*ologação da Constituição Federal de

1988; a assinatura da CDB em 1992-1993; a assinatura do Protocolo de Kyoto

em 1997; a ratificação do SNUC em 2000; a implementação da Política de Áreas

Prioritárias para Conservação, Utilização Sustentável e Repartição dos Benefícios

da Biodiversidade (APCB); a hom*ologação de normas de apoio ao SNUC em

2003-2004; a edição do Plano Nacional de Áreas Protegidas (PNAP) em 2006;

e a Convenção sobre Diversidade Biológica (COP-10), em que se definiram as

Metas de Aichi (Figura 02).

Figura 02: Evolução temporal da criação de novas UC’s no Brasil (1937-2021)

Fonte: Adaptado de Barbosa, 2021 e atualizado até o ano de 2021

120

AS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA E OS BIOMAS

BRASILEIROS

Até o mês de fevereiro de 2018, as UCs federais geridas pelo ICMBio so-

mavam 324 áreas, divididas em dez categorias e ocupando cerca de 794 mil

km2. Essa área representa mais de 9% da extensão do território nacional, ex-

cluindo-se a área marítima. Embora constem 12 categorias no SNUC, ainda não

existem UCs na categoria Refúgio de Fauna. Ademais, as Reservas Particulares

de Patrimônio Natural não foram consideradas neste trabalho, por terem regime

de gestão privada.

Dessas 324 UCs contabilizadas, 147 pertencem a categoria de Proteção

Integral, com aproximadamente 385,9 mil km². Já as outras 177 são de uso sus-

tentável, com extensão aproximada de 407,7 mil km². A tabela XX e a figura XX

demonstram a quantidade e a área das UCs de acordo com cada bioma.

Tabela 01: Quantidade e área das Unidades de Conservação da Natureza por bioma no Brasil

Bioma Nº de Ucs Área (mil km2)

AMAZÔNIA 128 636

MATA ATLÂNTICA 102 42

CERRADO 47 68

CAATINGA 23 32

MARINHO COSTEI-

RO 19 10

PAMPA 3 4

PANTANAL 2 1

Total Geral 324* 794

Fonte: ICMBIO (2018) *Este valor não contabilizou as RPPN’s.

121

Figura 03: Distri-

buição espacial das

Unidades de Con-

servação da Nature-

za (Federais).

Fonte: Elaboração dos

autores

A tabela 01 e

a figura 03 regis-

tram as discrepân-

cias regionais no

número de UCs.

Esse é um elemen-

to relevante, pois

indica quais são as

prioridades no que

concerne a conser-

vação dos recursos

naturais, através

das políticas públi-

cas de delimitação

territorial por fragmentos (UCs). Esses fragmentos são testemunhos do processo

de evolução das paisagens originárias para as paisagens antropogênicas, no

qual, notoriamente, julgamentos subjetivos de valores acabam por induzir polí-

ticas públicas territoriais.

A Amazônia é um dos biomas mais importantes do mundo e, também,

o maior bioma brasileiro. No contexto atual, é factível entender que a maior

parte das UCs criadas nesse bioma

,

foram propostas a fim de conter os avanços

dos processos de degradação ambiental, principalmente do desmatamento. A

interface entre UCs e outras áreas protegidas relevantes, como as Terras Indíge-

nas, formam uma barreira necessária e importante ao avanço do agronegócio.

No entanto, a paisagem amazônica está cada vez mais atrelada à destruição

pelo garimpo ilegal, pela grilarem e pelas queimadas ilegais. Ressalta-se que

a Amazônia foi um dos últimos domínios originários a serem modificados pela

humanidade, visto que sua alteração teve início, de forma mais intensa, a partir

de meados de 1960.

No tangente à Mata Atlântica, seu elevado número de UCs, o segundo

122

maior do país, pode ser atribuído a uma resposta tardia ao elevado grau de frag-

mentação do bioma — vide Lei da Mata Atlântica, n° 11.428 de 2006. O nível de

degradação ambiental foi ocasionado, principalmente, pelo processo intenso

de ocupação costeira do território brasileiro, onde encontra-se a maior parte do

bioma, e pela superexploração do Pau-Brasil. Se comparada ao bioma Cerrado,

também considerado um hotspot, a Mata Atlântica, ainda que menor em exten-

são, possui mais que o dobro de UCs daquele. Do ponto de vista antropogênico,

a paisagem atual da Mata Atlântica é fortemente marcada pelo complexo mode-

lo de urbanização e seus desencadeamentos.

Nas últimas décadas, o bioma Cerrado passou por grandes transforma-

ções. A primeira transformação notória se deu por um intenso processo de ocu-

pação territorial, devido a interiorização do Brasil a partir da construção de Bra-

sília. Posteriormente, o Cerrado teve como eixo central a expansão desmedida

do agronegócio, principalmente após a possibilidade do plantio de soja. A

partir disso, o cuidado com os recursos naturais disponíveis na paisagem origi-

nária foi atropelado, contribuindo de forma intensa para a construção de uma

paisagem antropogênica.

Atualmente, a paisagem do Cerrado é marcada pela geometria dos plantios

nos vastos chapadões do relevo, que possuem solos de elevada predisposição a

processos erosivos, contribuindo para os processos de assoreamento dos cursos

d’água nas cabeceiras de drenagem de importantes bacias hidrográficas, como:

Bacia do Rio da Prata, Bacia Tocantins-Araguaia, Bacia do Paraguai e Bacia do

Rio São Francisco.

A Caatinga, como o Cerrado e o Pampa, foi vítima da ilusão de que pos-

suía uma suposta hom*ogeneidade ambiental, fortalecendo as investidas para o

declínio de sua qualidade ambiental. Como resultado, é o bioma mais degrada-

do do Brasil (Leal et al., 2005). No caso da Caatinga, a pecuária extensiva, a alta

densidade populacional, o crescimento industrial e o desmatamento (Ribeiro

et al., 2015), juntamente com variáveis paleo-ecológicas e sistemas climáticos

semiáridos, foram os principais agentes de alteração de uma paisagem antró-

pica. A Caatinga já pode ser considerada uma das fronteiras remanescentes do

agronegócio, que atua na região — ainda que cautelosamente —, por meio da

irrigação, devido ao seu solo fértil para a agricultura. O contraponto é que a

irrigação pode causar a salinização do solo e o manejo impróprio pode causar

desertificação, tornando a paisagem ainda mais antropogênica.

No Pantanal, apenas duas UCs Federais foram criadas nesse período de

80 anos. Caracterizado como bioma pelo MMA e IBGE, é importante ressaltar

que, foi precisamente analisado por Ab’Sáber (2003) e definido como uma pai-

sagem de exceção. De acordo com o autor, a paisagem se apresenta pautada

pela fisiografia das áreas alagadas: é possível que o Pantanal seja, em essência,

123

uma paisagem hídrica. O complexo sistema hidrogeomorfológico dessa paisa-

gem foi colocado a mercê de um modelo que mescla dinâmicas agropastoris

— das mais rudimentares até sistemas de silvicultura moderna mecanizada. Por

sua vez, esse tipo de dinâmica levou o bioma a uma condição de elevada vulne-

rabilidade, especialmente pela fluidez hidrológica peculiar aos baixios planície

pantaneira. As queimadas mais recentes demonstram a fragilidade do sistema

e sua paisagem levará anos para se estabelecer novamente, firmando-se como

uma paisagem antropogênica.

O bioma Pampa sucede o Pantanal quanta a criação de UCs: apenas três

foram criadas nesse período. Ao observar o bioma, percebe-se uma marcante

paisagem antropogênica, resultado do modelo globalizado de apropriação dos

territórios via políticas pautadas pelo capital. Para lucrar, foi necessário implan-

tar processos mono-produtivos, como a pecuária, a soja, o arroz, a indústria de

celulose, a silvicultura e a mineração. Alguns rios dessa paisagem altamente

antropogênica sofrem uma demanda irreal de água, principalmente nos meses

de irrigação do arroz (Calhman, 2008). Como uma paisagem que também pos-

sui alta densidade demográfica, há o derramamento de esgoto em seus rios e a

contaminação por fertilizantes e pesticidas, advinda da agroindústria atuante na

região (Abreu et al., 2019).

Embora fontes difusas causem grandes impactos ao meio ambiente, os

processos desencadeadores de transformação das paisagens originárias podem

ser mensurados. Os resultados desse tipo de mensuração não apontam somen-

te para uma série histórica ou um conjunto de dados numéricos situados no tem-

po, mas também para um resultado significativo, capaz de realizar diagnósticos

e, por fim, subsidiar prognósticos. Ainda que recente, um esforço significativo

tem sido conduzido pelo Projeto MapBiomas: uma rede colaborativa de ela-

boração dos processos gerais de transformações de usos da terra nos biomas

brasileiros. A tabela 02 indica os percentuais de remanescentes de vegetação

nativa por bioma:

124

Tabela 02: Percentual de cobertura da vegetação nativa por Bioma (1985-2020)

Bioma Cobertura da vegetação nativa (%)

Amazônia 82,1

Caatinga 63

Cerrado 54,4

Mata Atlântica 29

Pantanal 83,8

Pampa 46

Fonte: MapBiomas (2021).

A análise desses dados exige uma série de cuidados, um deles é o modo

de observar os números. Uma análise simplista, meramente pautada no valor

percentual, conduziria a equívocos clássicos. Nos casos mais emblemáticos,

como o da Amazônia e do Pantanal, os altos números de cobertura de vege-

tação nativa — 82,1% e 83,8%, respectivamente — são utilizado pelo setor do

capital produtivo como argumento para o avanço dos processos de desmata-

mento, pautados num discurso desenvolvimentista.

Esse tipo de argumento é extremamente lesivo e falacioso, já que o des-

matamento gera perdas irreversíveis para o meio ambiente e impactos na eco-

nomia do país. Hoje, é possível afirmar que o desmatamento da Amazônia (ain-

da com uma elevada porcentagem de cobertura vegetal nativa) fez com que o

bioma se tornasse uma fonte de dióxido de carbono, antes um sumidouro de

carbono (Gatti et al., 2020; Denning, 2021). No contexto das mudanças climáti-

cas, qual é o valor do desmatamento para a economia mundial?

Partindo da análise dos percentuais remanescentes da vegetação nativa,

a observação passa por outra perspectiva. Mesmo os valores baixos de inter-

venção antrópica podem desencadear processos significativos na dinâmica dos

sistemas, até mesmo catastróficos para os ecossistemas. Isso ocorre devido aos

seus diferentes graus de fragilidade e, por isso, sistemas sensíveis como o Pan-

tanal exigem o mínimo possível de perturbação.

Indo além dos valores da série histórica do uso das terras, outros elemen-

tos devem ser considerados. Por exemplo: a velocidade dos processos desen-

cadeados pelas ações antrópicas. Nesse âmbito, é indiscutível que a velocidade

ganhou força pela indução dos processos industriais e tecnológicos, o qual se

tornaram cada vez mais intensos. É essa capacidade de velocidade e intensida-

de que atribui uma das principais características do Antropoceno.

Há um problema intrínseco às UCs, que persiste desde os primeiros par-

ques criados. Ao analisar as Unidades de Conservação da Natureza e associá-las

125

aos processos de transformações

,

da paisagem, é possível verificar que as UCs

são representações consolidadas de um modelo de fragmentação. Isto é, as so-

ciedades modernas as criaram, mas ao mesmo tempo, afastaram-se da natureza

e a tornaram um mero objeto de contemplação. Ao redor das UCs, em que pese

as zonas de amortecimento, há um nível de degradação ambiental que cerca

e sufoca as unidades conservadas. Obviamente, as UCs se mantém como uma

área de certa qualidade ambiental, mas deve-se olhar o meio ambiente como

um sistema. Não é possível que certas áreas se mantenham com qualidade am-

biental se todo o restante está sendo devastado. Não é possível esperar que

uma unidade de conservação mantenha a conservação se todo o restante do

sistema está em colapso.

A fragmentação das unidades de conservação possui diversas faces: a pre-

cariedade de fundamentos que originam a maioria dessas áreas; a imensa gama

de conflitos socio-territoriais desencadeados; os crimes ambientais que ainda

ocorrem; a precária atuação do Estado na manutenção e gerenciamento des-

sas áreas; a ausência de articulação entre os instrumentos legais – todos esses

problemas demonstram que as UCs se perderam em ideais de fragmentação e

descaso para com o meio ambiente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao direcionar o olhar para o que representam as unidades de conservação,

é possível perceber a evolução da paisagem e seus conceitos. As UCs, como nú-

cleos amostrais do processo geohistórico da dinâmica da paisagem, revelam as

valências e as limitações dos modelos de apropriação territorial, especialmente

após a revolução industrial.

Torna-se possível observar que as UCs são consideradas resquícios desgas-

tados da paisagem originária, pois se refere a um período inferior a um século

(1937-2018) que, portanto, sofreu com a revolução antrópica. Ainda assim, é

possível encontrar elementos da paisagem originária nas UCs, principalmente

ao considerar que o Brasil passou por uma revolução industrial tardia.

Ainda que sejam os melhores exemplares das paisagens originárias, as UCs

foram bastante alteradas. Seguramente, ao buscar as marcas do processo an-

tropogênico nos domínios das UCs, depara-se com uma série de elementos

abióticos e bióticos que não deixam dúvidas quanto ao peso da intervenção

humana, seja pela degradação direta ou indireta, seja pelo próprio modelo de

conservação induzido pelo plano de manejo. Ainda assim, a sociedade alça as

UCs como ícones de uma suposta natureza intocada, capaz de remeter ao que

126

seria, então, um ambiente original.

Por fim, é essencial que haja uma mudança profunda no entendimento do

que seja uma unidade de conservação. Para isso, é necessário que surja uma

nova forma de ver o meio ambiente, na qual ele não seja visto apenas como

unidades territoriais desconectadas do todo, mas parte de um sistema global.

O meio ambiente interfere na sociedade, assim como a sociedade interfere, de

forma muito contundente e mais intensa, no meio ambiente. Enquanto não hou-

ver equilíbrio entre humanidade e meio ambiente, o sistema, como conhecemos

hoje, está fadado ao colapso.

REFERÊNCIAS

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131

PAISAGEM E PATRIMÔNIO

NATURAL:

CONEXÕES HISTÓRICAS

E CONCEITUAIS.

Jomary Maurícia L. Serra

Valdir A. Steinke

INTRODUÇÃO

Ao longo da história da humanidade a paisagem sempre teve impor-

tante significado. O homem ao perceber e contemplar a natureza a ressig-

nificou, atribuindo-lhe a denominação genérica de “paisagem”, dando-lhe

um sentido de valor e interagindo com ela. Não há um consenso absoluto

sobre quando exatamente o homem começou a interagir com a paisagem,

nesse conceito, contudo, há consenso de que o homem atualmente é o

principal agente influenciador e transformador da paisagem. Devido a essa

importância, o homem é tido, por uma linha teórica, como elemento intrín-

seco da paisagem.

Contudo, por ter sido cristalizada genericamente como uma unidade

essencialmente visual, a paisagem demanda considerar a lente ou o filtro

do observador. A paisagem sempre exige distanciamento para sua observa-

ção e essa concepção leva Pivello e Metzger (2001) e, ainda, Cittadin et al

(2010) a afirmar que a paisagem é o lugar onde não estamos (pois observa-

mos), podendo, até mesmo, ser um pano de fundo. No entanto, cabe aqui

uma primeira discordância com os autores, pois por motivações sociais,

culturais, antropológicas, filosóficas entre outras esse processo abrupto de

distanciamento é algo extremamente subjetivo e irá desencadear análises

fragmentadas de um sistema complexo como a paisagem.

Dessa forma, se a paisagem está relacionada ao entendimento da

complexidade dos agentes presentes, direta e indiretamente, com o que

se convencionou como paisagem, passando por questões como a própria

percepção do espaço, o patrimônio natural está relacionado ao senso de

valoração atribuído a esse espaço.

132

Portanto, a humanidade exerce de modo contínuo e simultâneo inú-

meras funções nesse arranjo (geo)sistêmico, desde indutora da apropriação

até observadora. Como agente observador, o homem vê a paisagem, e

como ator, afere julgamento atribuindo um valor (ainda não monetário), tor-

nando a paisagem, por vezes, um ente alheio a si mesmo. Como ator tam-

bém, após julgamento, ele toma decisões e executa ações para interagir,

transformar e/ou influenciar a dinâmica daquilo que podemos denominar

paisagem original (anterior ao antropoceno). Nessa primeira perspectiva, a

paisagem original (natural) pode ser considerada como parte da natureza

herdada e percebida pelo hom*o-sapiens, e o patrimônio natural, a natureza

(paisagem original) valorada pelo homem.

Assim, o conceito de Patrimônio Natural, relacionado ao sentido de

Valor Universal Excepcional estabelecido pela UNESCO, depende forte-

mente de critérios muito rigorosos para delimitar o conceito de paisagem.

Delinear o conceito de paisagem original (natural) possibilita a classificação

do bem/patrimônio, facilitando o seu enquadramento como natural e o pla-

nejamento e gestão de suas áreas, que normalmente se apresentam como

suscetíveis a fragilidades, para a elaboração de políticas em normas de pro-

teção ambiental (UNESCO, 1980; SCIFONI, 2003; 2006; 2008; TREVISAN,

2016; UNESCO, 2017; 2020).

PAISAGEM: UMA HISTÓRIA SOBRE PERCEPÇÃO

A noção de paisagem, especialmente pelo viés da natureza, acompa-

nha a existência humana desde as primeiras interações do antrópico com

a paisagem originária, uma vez que a sobrevivência da espécie humana

sempre dependeu dessa relação. Entretanto, a formulação de conceitos de

paisagem começa a se manifestar mais claramente a partir das observações

de pintores, artistas e poetas, tanto no Oriente quanto no Ocidente (MAXI-

MIANO, 2004).

Os primeiros indícios acerca da paisagem ocorrem nas descrições do

mundo até então conhecido através de suas representações, com mani-

festações de dimensionamento e localização, especialmente elaborados

pela Matemática, Geometria e Cartografia (CARVALHO; CAVICCHIOLLI;

CUNHA, 2002). Os registros mais antigos da observação da paisagem pelo

homem são as pinturas rupestres da França e do norte da Espanha, que

datam entre 30 mil e 10 mil a. C.

133

A observação da paisagem fornecia importante conteúdo a respeito

dos ciclos da natureza, principalmente os relacionados à agricultura, com

regimes de cheias dos rios e os períodos lunares. A apreensão da paisa-

gem estava relacionada a possibilidade de produção, que através dela se

manifestava, assumindo a observação, finalidade da análise e não da visu-

alidade puramente estética. A partir disso, surge a ideia do jardim como

possibilidade de transformar o cenário natural em cenário construído (an-

tropizado), uma paisagem artificial, na qual as condições de sobrevivência

são asseguradas pela repetição dos ciclos observados na natureza (LEITE,

2006; CASADO, 2010).

Ainda sobre a construção de jardins a partir da observação da nature-

za, essa também fornecia uma sensação de proteção aos temores naturais

e antrópicos impostos pela paisagem primitiva. Nesse período, a natureza

era entendida como um ambiente hostil e obscuro com o qual era preciso

cautela. (CASADO, 2010).

A paisagem se apresentava sob perspectivas diferentes entre o mundo

ocidental e o mundo oriental. Na sociedade oriental, principalmente no

Oriente Médio, destacavam-se os jardins das antigas civilizações da Meso-

potâmia, Egito e Pérsia, os quais eram ornados com água e em conjunto

com pavilhões e celeiros, cercados por muros que protegiam de ameaças

externas. Eram complexos residenciais rodeados por muros onde fazia-se

o aproveitamento seletivo de elementos da paisagem nas construções, tra-

zendo-os para locais com mais segurança física. Destaca-se, nessa região,

os Jardins Suspensos da Babilônia, que são considerados uma das Sete

Maravilhas do Mundo Antigo, apresentando cerca de duzentos e cinquenta

espécies diferentes de vegetais e grandes técnicas de irrigação e drenagem

(MAXIMIANO, 2004; SANTOS & NUCCI, 2009; NUNES, 2010; AFONSO,

2017).

Por outra perspectiva, no Extremo Oriente, valorizava-se parques, tan-

ques e viveiros de pássaros, que expressavam o conceito de paisagem. Os

jardins eram como miniaturas do Universo, com montes e água. Eram con-

cebidos para proporcionar paz, conforto espiritual e contato com a nature-

za. Os jardins hindus e budistas da Índia desapareceram, restando apenas

os jardins construídos sob influência islâmica.

Na China, há relatos de parques construídos por volta de 230 a.C.,

período de formação da China Imperial. Esses jardins valorizavam o mundo

natural e os aspectos sagrados que buscavam recriar a paisagem natural,

e influenciaram fortemente os jardins japoneses. Tanto na China quanto no

Japão, destacava-se o cosmocentrismo, que via a natureza como sistema

vivo o qual o homem faz parte. Apresentava percepção da relação ame-

134

na entre pessoas e paisagem que fundamentou a filosofia e o pensamen-

tos chineses. Atribuía espírito a natureza e seus elementos. (MAXIMIANO,

2004; SANTOS & NUCCI, 2009; CASADO, 2010; AFONSO, 2017).

Nesse sentido, a percepção do homem sobre a natureza lhe traz o

conceito de paisagem, ainda que instintivo, e o impulsiona

,

a criar réplicas

produtivas desse ambiente que permitem interações seguras.

Desde sua origem, a noção de paisagem está fortemente ligada a ques-

tão espacial (FIGUERÓ, 1997). Além disso, a distribuição dos fenômenos

e os deslocamentos humanos pelo território que resultaram nos primeiros

esboços gráficos de representação da paisagem foi preocupação desde os

primórdios da humanidade (FERREIRA & SIMÕES, 1986).

Originalmente, a palavra paisagem indica uma conexão com a deriva-

ção etimológica de palavras inglesas com raízes germânicas – landskipe ou

landscaef. Essas palavras e suas noções implícitas remontam a 500 d.C.,

quando os colonos anglo-saxões a levaram para a Grã-Bretanha para se

referirem a uma clareira na floresta com animais, cabanas, campo e cer-

cas, isto é, essencialmente uma paisagem camponesa (JACKSON, 1984;

TAYLOR, 2008). Em línguas latinas, ela deriva de pagus, que significa país,

com o sentido de espaço territorial, lugar (JACKSON, 1984; BOLÓS, 1992;

SCAZZOSI, 2004; TAYLOR, 2008; COSGROOVE, 1985; CARVALHO; CAVIC-

CHIOLLI; CUNHA, 2002;SANDEVILLE JUNIOR, 2005).

A concepção ocidental foi cunhada pela intensificação dos contatos

com o Oriente. As longas viagens por terra e por mar, facilitadas pelos

avanços nas técnicas de navegação, favoreceram o incremento das relações

comerciais e as trocas culturais, com os hábitos asiáticos influenciando os

jardins europeus, principalmente os jardins ingleses. (AFONSO, 2017).

Esse processo de intervenção humana, com a pretensão de

“organizar a natureza”, ficou conhecida como a arte dos jardins e durou até

quase o século XIX; identificada principalmente como a representação grá-

fica da paisagem e posteriormente como paisagismo. Havia uma noção co-

letiva de paisagem devido ao aumento e rapidez da circulação de pessoas,

da instituição de colônias, da imprensa e da fotografia entre outros (KEMAL

& GASKELL, 1995; MAXIMIANO, 2004, GRÖNING, 2004; AFONSO 2017).

Na Idade Média, a paisagem se resumia numa representação pictórica

que insistia em não representar um lugar real, observado a partir de deter-

minada perspectiva como algo idealizado. Foi no final desse período que a

finalidade estética da paisagem vinculada a emoções e afetos ganhou força.

(COSGROVE, 1985; BOLÓS, 1992; CARVALHO; CAVICCHIOLLI; CUNHA,

2002; VITTE, 2007; RISSO, 2008; ÁVILA et al., 2019).

No período do Romantismo, surgiu na Alemanha o primeiro termo

135

mais robusto e específico para designar paisagem, com a palavra lands-

chaft. Contudo, essa expressão era utilizada desde a Idade Média para

representar uma região média onde se desenvolviam pequenas unidades

de ocupação humana e somente mais tarde, no período do Iluminismo,

o termo assimilou sentido semântico com a noção de quadro, arte ou/e

natureza (HARTSHORNE, 1939; ROUGERIE & BEROUTCHACHVILLI, 1991;

FIGUEIRÓ, 1997; SCHIER, 2003; MAXIMIANO, 2004; BESSE, 2000; FROLO-

VA, 2007; ABREU, 2017; FERNANDES & TORRES, 2020).

Ao final da Idade Média o receio da grande natureza (o Todo) e o co-

nhecimento do homem restrito à sua circunvizinhança, presentes nos perí-

odos primitivo e medieval, deram lugar, no Renascimento, aos desbrava-

mentos dos territórios, e à ampliação da esfera do conhecimento científico

(LEITE, 2006; CASADO, 2010).

No período do Renascimento ocorreu, então, uma ressignificação dos

jardins, que passaram a representar os sinais divinos que o homem era cha-

mado a interpretar (CARVALHO; CAVICCHIOLLI; CUNHA, 2002). De acordo

com Figueiró (1997), nesse período o jardim foi incorporado como instru-

mento da ordenação urbana e a pintura assumiu a expressão da represen-

tação simbólica da paisagem como um lugar idealizado, o que denota a

atribuição do valor ‘cultural’ ao termo (CASADO, 2010).

Ainda durante o período renascentista, surgiu na França o termo pay-

sage que trazia um sentido próximo ao de landschaft e considerava os arre-

dores com uma conotação espacial delimitada e delimitante (HARTSHOR-

NE, 1939; SCHIER, 2003; MAXIMIANO, 2004, SCAZZOSI, 2004; FROLOVA,

2007). Segundo Cosgrove (1985), a paisagem era “um modo de ver”, as-

sociado às transformações econômicas, sociais, políticas, técnicas e artísti-

cas do século XVI e do início do século XVII (COSGROVE, 1985; CORREA,

2011).

No século XVI o termo foi associado a estética, aliando aspectos na-

turais a representação artística da paisagem. Os jardins franceses da Idade

Média expressavam uma nova concepção de ordem, com marcas de uni-

dade e grandeza, simetria e uma organização em torno de um eixo prin-

cipal. Do centro para o exterior, ficavam as naturezas civilizada, rústica e

selvagem. Não havia muros e não se reunia os elementos de uma paisagem

(MAXIMIANO, 2004; SANTOS & NUCCI, 2009; AFONSO, 2017).

Na Inglaterra, destacavam-se as paisagens campestres, delimitadas

por muros e vários componentes paisagísticos. Essa dinâmica deu origem

ao planejamento da paisagem – landscape planning (MAXIMIANO, 2004;

SANTOS & NUCCI, 2009; AFONSO, 2017).

A reinterpretação do conceito de paisagem nos séculos XV e XVI, oriun-

136

das das mudanças nas condições históricas, levou o homem a repensar a

sua relação com o entorno (FIGUEIRÓ, 1997; CARVALHO; CAVICCHIOLLI;

CUNHA, 2002).

Os estudos de Aliata & Silvestri (1994), Figueiró (1997) e Carvalho, Ca-

vicchiolli e Cunha (2002) afirmam que o caminho do racionalismo forçou a

substituição da paisagem idealizada pela paisagem concreta. Segundo Fi-

gueiró (1997), a ideia de paisagem nesse período se afirmou como mosaico

de elementos, naturais e não-naturais, passíveis de serem captados pelos

sentidos humanos em um determinado momento, a partir de um determi-

nado local.

Assim, a componente espacial-territorial se perdeu progressivamente

e só seria resgatada novamente pela escola alemã através da Naturphilo-

sophie, uma visão holística integradora, que não reconhece divisões entre

arte, ciência, religião, público e privado.

Foram as mudanças ocasionadas pelo racionalismo Cartesiano, no iní-

cio do séc. XVII, que fizeram com que a paisagem aos poucos perdesse o

senso estético e passasse a ser mais identificada com o conceito de natu-

reza. Isso se deu através dos desdobramentos conceituais, dentre eles: o

todo como resultado do comportamento das partes e uma metodologia

hierárquica que consistia em dividir o objeto em tantas partes necessárias,

ordenando-as posteriormente de forma hierárquica e analisando-as uma a

uma (FIGUEIRÓ, 1997; CARVALHO; CAVICCHIOLLI; CUNHA, 2002).

Foi Alexander von Humboldt quem difundiu o estudo e a noção de

paisagem. Esse importante naturalista, por viver entre a intelectualidade

artística e literária, considerava que o caráter fundamental de uma paisa-

gem deriva da simultaneidade de ideias e sentimentos que são suscitados

no observador, e que o poder da natureza se manifesta na conexão de im-

pressões, e na unidade de emoções e sentimentos que se produzem nes-

se observador (HUMBOLDT, 1950, 1997; BUNKSE, 1981; FIGUEIRÓ, 1997;

CARVALHO; CAVICCHIOLLI; CUNHA, 2002; KWA, 2005; SANTOS & NUC-

CI, 2009; VITTE & SILVEIRA, 2010).

Contudo, por influência de Goethe, enfatizou-se a predileção pela ob-

servação da morfologia vegetal, assumindo um caráter fortemente naturali-

zante (FIGUEIRÓ, 1997; CARVALHO; CAVICCHIOLLI; CUNHA, 2002; KWA,

2005; VITTE & SILVEIRA, 2010). Humboldt associava elementos diversos da

natureza e da ação humana, sistematizando, assim, uma das bases episte-

mológicas da ciência geográfica (BRITO & FERREIRA, 2011; SCHIER, 2003).

Seguindo a linha de pensamento iniciada por Humboldt, seus segui-

dores, como, por exemplo, Siegfried Passarge, iniciaram, no final do século

XIX, uma análise da paisagem sob o ponto de vista estrutural, apresentando

137

uma tentativa de compreensão dessa a partir de escalas hierárquicas. Pas-

sarge contribuiu com a primeira obra que se dedica ao estudo exclusivo das

paisagens: “Fundamentos da ciência da paisagem” (AHLMAN et al., 1920;

RISSO, 2008; SILVEIRA, 2009; SANTOS & NUCCI, 2009;

,

ABREU, 2017).

No final do século XIX, as conceituações de origem darwinistas (a partir

dos estudos da evolução das espécies de Charles Darwin) começaram a in-

fluenciar especialmente os biólogos soviéticos. Andrei Krasnov, um geógra-

fo e botânico russo, influenciado pelo conceito ecossistêmico, elaborou o

conceito de paisagem natural, o que desencadearia na formulação das ba-

ses conceituais das abordagens geossistêmicas, no século XX (CARVALHO;

CAVICCHIOLLI; CUNHA, 2002). Krasnov desenvolveu estudos relacionais

das combinações naturais ou dos complexos geográficos, cuja formação

resulta das correlações especificas dos climas, dos relevos, dos processos

geodinâmicos e das vegetações (paisagem) (FROLOVA, 2007, 2019; SHAW

& OLDFIELD, 2007).

No final do século XIX, as ideias de Friedrich Ratzel foram assimiladas

pela Landschaftskunde, uma ciência das paisagens, considerada sob a óti-

ca territorial, ou seja, uma expressão espacial das estruturas da natureza,

organizadas por leis cientificamente observáveis (SCHIER, 2003; MAXIMIA-

NO, 2004; BARBOSA & GONÇALVES, 2014; SANTOS & PINTO, 2019). Rat-

zel descreveu uma dialética entre os elementos fixos da paisagem natural

como o solo, os rios etc., e os elementos móveis, em geral antrópicos, e, as-

sim, demonstrou que paisagem é o resultado do distanciamento do espírito

humano do seu meio natural. Esse distanciamento iniciou um processo de

libertação cultural do meio natural. Ratzel também utilizou o termo “geo-

grafia cultural” pela primeira vez ao escrever sobre a geografia dos Estados

Unidos com ênfase econômica (SCHIER, 2003).

No final dos anos 1930, o biogeógrafo alemão Karl Troll propôs a cria-

ção da ciência Geoecologia da Paisagem, centralizada nos estudos dos as-

pectos espaço-funcionais (TROLL, 1950, 1970; SCHREIBER, 1990; RODRI-

GUES et al., 2007; RIBAS & GONTIJO, 2015; SOUZA, 2018).

Em 1939, Troll cunhou e definiu o termo ecologia da paisagem, que tra-

ta especificamente das interrelações complexas entre os organismos, ou as

biocenoses, e os fatores, estudando o manejo integral como ecossistema. A

perspectiva de Troll incluía, além de paisagens naturais, as paisagens antró-

picas. Essa perspectiva postulava que as paisagens culturais e os aspectos

socioeconômicos deveriam também ser considerados nas análises dos fato-

res componentes da superfície terrestre (TROLL, 1950; ZONNEVELD, 1990;

SHAW & OLDFIELD, 2007; VALE, 2012).

O interesse pelo estudo da paisagem teve aumento e alcançou uma se-

138

ção especifica no Congresso Internacional Geográfico, em Varsóvia (1934)

e Amsterdã (1938) (CARVALHO; CAVICCHIOLLI; CUNHA, 2002). Em Ams-

terdã, reconheceu-se a necessidade de uma definição clara do que fosse

paisagem, para tratar do conflito entre as abordagens objetiva e subjetiva,

já que estava evidente a dificuldade de aplicar conceitos na prática ou à

uma finalidade concreta devido a amplitude de concepções (MAXIMIANO,

2004).

Através da teoria sobre paisagens (Landschaft) elaborada pela Escola

Russa, Viktor B. Sochava interpretou essa herança sob uma visão da Teoria

Geral de Sistemas, consolidada por Ludwig von Bertalanffy. Isso significava

que o conceito de Landschaft (paisagem natural) foi considerado como si-

nônimo da noção de geossistema (RODRIGUEZ & SILVA, 2002; STEVENS,

2014; RODRIGUEZ et al., 2015).

Para Sochava, o termo paisagem deveria ser substituído, sobretudo em

função de sua polissemia e seu uso em diversas disciplinas. Nesse sentido,

o termo geossistema seria mais adequado ao se referir especificamente às

formações naturais que se manifestam na superfície terrestre (PREOBRA-

ZHENSKIY, 1983; sem*nOV & SNYTKO, 2013; MIKLÓS et al., 2019).

Sob tutela da Escola de Geografia da França, Georges Bertrand publi-

cou em 1968 um artigo intitulado “Paysage et géographie physique glo-

bale: Esquisse méthodologique” que foi um marco para a Geografia Física

Ocidental.

Nesse artigo, Bertrand (1972) concluiu que paisagem não é a simples

adição de elementos geográficos disparatados. É, em uma determinada

porção do espaço, o resultado da combinação dinâmica, portanto instável,

de elementos físicos, biológicos e antrópicos que, reagindo dialeticamente

uns sobre os outros, fazem da paisagem um conjunto único e indissociável,

em perpetua evolução (BERTRAND & TRICART, 1968; BERTRAND, 1972,

2004; MAXIMIANO, 2004; FÉ, 2014; DIAS & PEREZ FILHO, 2017).

Os trabalhos de Bolós (1992), Carvalho et al. (2002), Vitte (2007), Bar-

talini (2010), Barbosa e Gonçalves (2014) e Passos (2016) afirmam que, cro-

nologicamente, a paisagem foi apresentada inicialmente como uma visão

subjetiva e idealizada do homem em relação ao espaço territorial, e poste-

riormente se transformou numa representação mais objetiva da realidade,

constituindo-se como um conceito de caráter polissêmico.

Sauer (1925) e Schier (2003) destacam que não é possível formar uma

ideia de paisagem a não ser em termos de suas relações associadas ao tem-

po, bem como suas relações vinculadas ao espaço, pois ela permanece em

um processo constante de desenvolvimento ou dissolução e substituição.

Os autores também afirmam que, no sentido corológico, a alteração da área

139

modificada pelo homem e sua apro-

priação para o seu uso são de impor-

tância fundamental; a área anterior à

atividade humana é representada por

um conjunto de fatos morfológicos, e

as formas que o homem introduziu são

um outro conjunto.

A respeito dessa afirmação,

Schier (2003) sugere uma separação

da paisagem em natural e cultural,

pois explicita que é o homem que

atua como sujeito de ação na natureza

e que projeta duas formas de nature-

za, uma antes e outra depois da apro-

priação humana, privilegiando a su-

cessão histórica entre as duas. O autor

ainda afirma que a paisagem cultural é

a realização e materialização de ideias

dentro de determinados sistemas de

significação. Assim, a paisagem é hu-

manizada não apenas pela ação, mas

igualmente pelo pensar. A figura 01

apresenta estes autores e suas princi-

pais contribuições para o conceito de

paisagem na linha do tempo.

Figura 01. Principais autores e suas contribuições

para o conceito de paisagem. Elaboração do au-

tor, 2022.

Além destes autores (figura 01),

Rodriguez & Silva (2002) e Dias & Pe-

rez Filho (2017) relatam que a noção

de paisagem sempre teve forte visão

dualista. De um lado a perspectiva

desenvolvida no final do século XIX

e início do século XX que tinha uma

acepção fortemente natural, expres-

sando a ideia de interação entre todos

140

os componentes naturais (rocha, relevo, clima, água, solo e vegetação) e o

espaço físico concreto, do outro lado a visão tradicional da análise isolada

dos componentes naturais, que não permitia a interpretação das influências

mútuas entre os componentes naturais, empreendidos sob uma visão me-

tafísica e mecanicista

Historicamente e muito em função do senso comum, os geógrafos dis-

tinguem a paisagem natural da paisagem cultural. A paisagem natural se

refere aos elementos combinados de terreno, vegetação, solo, rios e lagos,

enquanto a paisagem cultural, humanizada, inclui todas as modificações

feitas pelo homem, como nos espaços urbanos e rurais.

De modo geral, o estudo da paisagem exige um enfoque, do qual

pretende-se fazer uma avaliação definindo o conjunto dos elementos en-

volvidos, a escala a ser considerada e a temporalidade na paisagem. Enfim,

trata-se da apresentação do objeto em seu contexto geográfico e histórico,

levando em conta a configuração social e os processos naturais e humanos

(SCHIER, 2003).

PATRIMÔNIO MUNDIAL NATURAL: VALOR E PROTEÇÃO PARA

A NATUREZA

A preocupação com a definição e a implementação de políticas para

salvaguardar os bens que conformam o patrimônio remonta ao final do

século XVII, destacadamente no período da Revolução Francesa, voltada

especificamente para a preservação do patrimônio cultural e sua memória

(CHOAY, 2001; LENIAUD; 2002; ZANIRATO & RIBEIRO, 2006; BRITO, 2018).

Sustentada pelo entendimento

,

o céu e

o astro Sol. Feito o desenho, perguntou: “Que paisagem é essa?” Na con-

tinuidade, acrescentou uma moradia, um caminho e uma roça ao mesmo

desenho e perguntou: “E essa?”.

Revela, este breve exemplo, o debate sobre a concepção de paisa-

gem (o conceito), o qual se observa, ao longo da História, seja no campo

científico, seja no campo das artes, seja, enquanto interesse específico, no

campo da Geografia, com variação de significados e/ou adjetivações. Por

muito tempo, atribuímos essa variação de significados a uma fragilidade do

conceito, isto é, a sua amplitude, à dificuldade de sintetização dos seus ele-

19

mentos constituintes. Mais recentemente, atribui-se a condição polissêmica

ao conceito de paisagem, o que significa compreender e aceitar a possibili-

dade de suas diversas compreensões, que se associam a escolhas, a temas,

os quais se deseja investigar, a campos de conhecimento e seus pressu-

postos, a procedimentos analíticos utilizados, enfim, à forma de estar na

paisagem e com a paisagem. Expressa, tal polissemia, conforme Bertrand

(1995), a ampliação da fragmentação em Geografia; algo que se amplia e

toma corpo no Brasil, a partir dos anos 1990, aproximadamente.

Neste escrito, não trataremos do resgate histórico desse conceito,

pois o tema acumula análises, que expressam as mais variadas leituras e

interpretações sobre paisagem. Indicamos breves referências: Sauer (1982),

Huggett e Perkins (2004) e Aliata e Silvestri (1994), e, da mesma forma,

Passarge (1982), Ab’Saber (1969), Tricart (1982) e Troll (1982), no tocante à

Geografia Física. E destaco, mais recentemente, os textos de Vitte (2007) e

de Abreu (2017).

Vitte (2007) analisa a constituição do conceito de paisagem no período

Moderno, iniciando, conforme expõe o autor, citando Chauí: “Moderna-

mente, o conceito de paisagem se desenvolveu no Renascimento, a partir

da noção de paesaggio, que se estrutura com a pintura, associado ao con-

ceito de extensão” (CHAUÍ, 1999 apud VITTE, 2007, p. 73).

Acrescentando, especificamente, em relação à Geografia Física, é com

“[...] as reflexões de Goethe, de Humboldt, de Ritter e de Richthofen na

Geografia Física, (que) a paisagem passou a ser compreendida como o re-

sultado de uma relação entre a epiderme da Terra e as culturas, ao longo da

História.” (VITTE, 2007, p. 71.).

Abreu (2017), alongando a análise temporal, ao resgatar a origem do

conceito, considera que:

[...] muito antes dos conceitos modernos e contemporâneos de

paisagem serem formulados, ela já estava no âmago da evolução

técnico-cultural do Homem, participando de seus processos de

aprendizado, definidores de formas e tipos de comportamentos e

comunicações que conduzirão à instituição da linguagem. A pai-

sagem emerge com o Homem. Ela influenciará seu psiquismo no

processo de aquisição de maior consciência de si mesmo, como

indivíduo e como grupo. A paisagem é presença antiga na cultura

humana e nasce com o processo de produção. (ABREU, 2017, p.

145)

20

Em ambas as citações, há um ponto em comum: a paisagem surge com

o ser humano, com suas ações sobre a epiderme da Terra, em um complexo

arranjo de constituintes, cuja conceituação é, da mesma forma, complexa.

Ela vai representar, dependendo da temática, concepções diferentes e, à

medida que o conhecimento se torna disjunto, a paisagem vai sofrendo

adjetivações: paisagem natural, paisagem humana, paisagem geográfica,

paisagem

A centralidade deste texto é resgatar as concepções de paisagem, so-

bretudo, a partir dos anos 1960. Tomo, como referência para uma leitura

deste contexto, num primeiro momento, o artigo Le Paysage entre la Natu-

re et la Societé de Bertrand (1995).

O autor, discorrendo sobre o tema, informa que, embora não haja nada

mais familiar na Geografia do que a paisagem concreta e a sua descrição,

nada é mais distante da Geografia do que as análises globais e metodoló-

gicas da paisagem. E atribui esse distanciamento entre a descrição empírica

e a reflexão metodológica, por sua vez, à ausência de reflexão teórica, na

Geografia, sobre os conceitos de natureza e de paisagem.

Na sua leitura, a partir dos anos de 1950-1960, a Geografia Física triun-

fou, graças à expansão dos conhecimentos provenientes da Geomorfologia,

devido ao seu avanço metodológico e, sobretudo, a sua autonomia, cada

vez maior. Esta expansão é resultado do movimento científico e, neste, da

Geografia. O conhecimento, que se expande, portanto, nos anos 1950-

1960, a partir da Geomorfologia, expressa uma significativa contribuição à

análise da paisagem, a partir de um alinhamento compreensivo, que inicia

com Passarge, conforme as descrições a seguir:

Na Geografia Física, o tratamento da paisagem será feito por Pas-

sarge (1866-1958) (PASSARGE, 1919/1920; 1922) em suas obras

Pysiologische Morphologie (1912), Die Grundlagen der Lands-

chaftskunde (1919/1920) e Die Landschaftsgürtel der Erde (1922).

Nelas, o corolário da fisiologia da paisagem foi o eixo estrutura-

dor de sua obra. Assim, a compreensão do processo genético e

estruturador das paisagens naturais, associado a um instrumental

cartográfico, permitiria ao geógrafo estabelecer uma ordem e uma

hierarquia entre as paisagens, passando do nível local ao zonal.

(VITTE, 2007, p. 75)

Referindo-se a Passarge, Abreu (2017) resgata, além do conceito, sua

proposição analítica:

21

Para Passarge, a Landschaftskunde seria a teoria ou ciência da

disposição e compreensão dos espaços, onde ocorre a fusão dos

componentes unitários da paisagem. Ela permitiria se chegar a

uma tipologia de paisagens e a construção de complexos ou mo-

delos ideais (ideale gebilde). Deveria adotar um princípio de classi-

ficação apoiado no conceito de sistema, como já havia feito Lineu

no campo da taxonomia das plantas. Procedimentos comparativos

gerariam um sistema de tipos de paisagens que produziriam os

fundamentos da análise espacial da paisagem. Pela importância

relativa dos elementos. (ABREU, 2017, p. 151)

Estas duas passagens permitem que se evidencie categorias que ex-

pressam o sentido atribuído à paisagem, ou seja, o espaço e o tempo em

movimento e em transformação.

Normalmente, e assim aprendemos, a paisagem é aquilo que a vista

alcança, a materialidade. Essas duas concepções são representações mate-

riais e instantâneas, ou seja, indicam, no entendimento da paisagem, a sua

dimensão estática, acrescida, por outro lado, da interpretação da paisagem

como produto histórico ou expressão de seu movimento no tempo. Perpas-

sam a compreensão da paisagem, de um lado, a influência da perspectiva

geométrica e sua contribuição à representação artística no Renascimento

e, de outro, a valoração do tempo, associada ao movimento romântico ale-

mão, numa interpretação trazida em Silvestri 2011.

Nesse sentido, cabe dizer que a contribuição vinda da Alemanha, a

partir da Geomorfologia, é significativa, na medida em que permite com-

preender a paisagem para além de sua instantaneidade, ou seja, no seu

movimento. Compreendido isto, torna-se claro que uma análise da paisa-

gem pressupõe ir além da descrição de seus elementos; implica compreen-

der sua funcionalidade, ou sua fisiologia, além de seu processo histórico de

formação.

Por outro lado, nesse estudo estão imbricados a questão da escala

e o entendimento de sua diversidade: uma possibilidade de classificação,

apoiada “num sistema”. Aqui, cabe um comentário: quando Abreu (2017)

se refere à sistema, compreendemos que sua referência diz respeito a um

sistema lógico de classificação, nesse caso tendo como suporte a dimensão

espacial, ou seja, uma classificação que Kant (2007) propunha para a Geo-

grafia Física: um sistema para além do lógico, um sistema lógico-espacial,

que seria, para Kant (2007), o diferencial da Geografia Física.

22

A PAISAGEM, DESDE OS ANOS 1960

A paisagem, conforme Bertrand (1995), assume sua cientificidade, com

maior expressão, no contexto dos anos 1960, quando o progresso do co-

nhecimento geomorfológico

,

de que o bem validava uma dada his-

tória por ser testemunho irrepreensível dessa história e mostrar as etapas

evolutivas da atividade humana, a ideia de patrimônio e a necessidade de

proteção através de políticas especificas expandiu para partes do mundo

ocidental (ZANIRATO & RIBEIRO, 2006).

As preocupações com as áreas ambientais e a necessidade de sua

preservação ou conservação se iniciaram no século XIX, quando os monu-

mentos naturais (termo cunhado por Alexandre Von Humboldt) foram alvo

de movimentos favoráveis à sua proteção, sobretudo por valores estéticos.

Sob influência de diversos artistas da época, entre eles François Millet e Vic-

tor Hugo, surge a noção de proteção desses espaços naturais (FERREIRA,

2006; ZANIRATO & RIBEIRO, 2006; GUIGNIER & PRIEUR; 2010; CHAM-

141

CHAM, 2015; VERSACI, 2016).

Na escala internacional, a associação do patrimônio cultural à natureza

se iniciou em 1956, quando a UNESCO, por meio do Centro Internacional

de Estudos para a Conservação e Restauração dos Bens Culturais (ICCROM),

uma organização intergovernamental, dedicou-se ao tema (JOKILEHTO,

2000; SCIFONI, 2003; ZANIRATO & RIBEIRO, 2006; UNESCO, 2008; IC-

CROM; 2020).

Contudo, originalmente, partiu dos Estados Unidos a ideia institucional

de direcionar a proteção aos sítios culturais aos sítios naturais, através de

uma conferência em Washington na qual a Casa Branca solicitou a criação

de uma “Fundação do Patrimônio Mundial”, na qual fosse possível uma

cooperação internacional para garantir a proteção das “maravilhosas áreas

naturais e paisagísticas do mundo e os sítios históricos para o presente e

para o futuro de toda a humanidade” (ZANIRATO & RIBEIRO, 2006; HA-

ZEN, 2008; UNESCO, 2008; 2015; 2017; ADIE, 2017).

Em 1968, a União Internacional para Conservação da Natureza e seus

Recursos (IUCN), criada em 1948, elaborou propostas similares para seus

membros (ZANIRATO & RIBEIRO, 2006; UNESCO, 2008; 2017). Essas preo-

cupações com a preservação das áreas naturais foram expressas também no

Programa Ambiental da ONU, no Programa Homem e Biosfera da UNESCO

e em diversas conferências internacionais sobre parques nacionais (POCO-

CK, 1997). Por fim, essas foram apresentadas à Conferência das Nações

Unidas sobre Meio Ambiente Humano em Estocolmo em 1972 (ZANIRATO

& RIBEIRO, 2006; UNESCO, 2008; 2017).

O fortalecimento internacional da temática Patrimônio Cultural desen-

cadeou na 17ª Assembleia Geral da UNESCO, ocorrida em 1972 em Paris.

Nela foi adotada a “Convenção para Proteção do Patrimônio Mundial, Cul-

tural e Natural” e aprovou-se a adoção de apenas um texto para o referido

acordo (SLATYER, 1983; UNESCO, 2017).

Assim, a Convenção para Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e

Natural foi a resposta a uma preocupação crescente sobre o estado de con-

servação do patrimônio cultural e natural mundial (UNESCO, 2008).

Gonçalves (2002) e Scifoni (2006, 2008) corroboram que o patrimônio

natural apareceu historicamente como produto de preocupações com a cul-

tura, e afirmam que a construção da ideia de patrimônio natural tem como

base dois princípios:

142

• Princípio da monumentalidade – a qual se reflete em uma natureza

espetacular, grandiosa, quase sempre isenta da ação humana, into-

cável e disponível apenas para fruição visual. Esse princípio foi reafir-

mado pela Convenção de Paris em 1972, em que os bens deveriam

expressar valor universal do ponto de vista estético, científico e de

conservação (SCIFONI, 2006, 2008; FERREIRA, 2006; BELLO, 2016).

• Princípio do cotidiano – a natureza é entendida como parte da me-

mória coletiva, das histórias de vida; a natureza como componen-

te das práticas socioespaciais (GONÇALVES, 2002; SCIFONI, 2006,

2008; FERREIRA, 2006; BELLO, 2016). Segundo Ferreira (2006), nes-

sa condição o patrimônio passa a ser não a natureza em si, mas o

conjunto de relações simbólicas que envolvem lugar e sujeito.

A Convenção configurou, ainda, o entendimento de que a perda por

deterioração ou desaparecimento do patrimônio resultaria em um empo-

brecimento da herança de todo o mundo, sendo assim, uma ação global

seria imprescindível para enfrentar o problema (UNESCO, 1972; O’KEEFE,

2004; HODDER, 2010; ZARATTINI & IRVING, 2012; UNESCO, 2017, 2020).

Para a UNESCO, ao considerar o duplo aspecto cultural e natural do

arcabouço patrimônio, a Convenção rememora as formas pelas quais o ho-

mem interage com a natureza e, ao mesmo tempo, a necessidade funda-

mental de preservar o equilíbrio entre ambos (UNESCO, 1972, 2012, 2017,

2019, 2020; CLEERE, 1996; RODWELL, 2012; GULLINO & LARCHER, 2013;

LOSTAL, 2017; ALBERT & RÖHLEN, 2018). Dessa forma, a Convenção clas-

sificou patrimônio da seguinte forma (Quadro 1)

143

Quadro 1. Classificação de patrimônio cultural e natural, conforme a Convenção do Patrimônio

Mundial

Artigo/Item A B C

1º - patrimônio

cultural

Os monumentos – Obras arquitetô-

nicas monumentais, elementos de

estruturas de caráter arqueológico,

inscrições, grutas e grupos de ele-

mentos com valor universal excep-

cional do ponto de vista da história,

da arte ou da ciência

Os conjuntos – Grupos de cons-

truções isoladas ou reunidas que,

em virtude da sua arquitetura,

unidade ou integração na paisa-

gem tem valor universal excep-

cional do ponto de vista da histó-

ria, da arte ou da ciência

Os locais de interesse –

Obras do homem, ou obras

conjugadas do homem e

da natureza, e as zonas,

incluindo os locais de inte-

resse arqueológico; comum

valor universal excepcional

do ponto de vista histórico,

estético, etnológico ou an-

tropológico

2º - patrimônio

natural

Os monumentos naturais constituí-

dos por formações físicas e biológi-

cas ou por grupos de tais formações

com valor universal excepcional do

ponto de vista estético ou científico

As formações geológicas e fisio-

gráficas e as zonas estritamen-

te delimitadas que constituem

habitat de espécies animais e

vegetais ameaçadas, com valor

universal excepcional do ponto

de vista da ciência ou da conser-

vação

Os locais de interesse natu-

rais ou zonas naturais estri-

tamente delimitadas, com

valor universal excepcional

do ponto de vista da ciên-

cia, conservação ou beleza

natural

Fonte: UNESCO, 1972, 2012, 2017, 2019, 2020.

Da mesma forma, a Convenção desenvolveu critérios precisos para a

inscrição de bens na Lista de Patrimônio Mundial e para a prestação de

assistência internacional no âmbito do Fundo do Patrimônio Mundial. Esse

documento foi intitulado Diretrizes operacionais para implementação da

Convenção do Patrimônio Mundial, e estabeleceu dez categorias para o

reconhecimento do Patrimônio Mundial (FREY & STEINER, 2011; GULLINO

& LARCHER, 2013; FREY et al., 2013) (Quadro2):

144

Quadro 2. Critérios para inscrição de bens na lista de Patrimônio Mundial

CRITÉRIOS

(i) representam uma obra-prima do gênio criativo

humano;

(ii) exibir um intercâmbio importante de valores

humanos, ao longo de um período ou dentro de

uma área cultural do mundo, em desenvolvimen-

tos em arquitetura ou tecnologia, artes monu-

mentais, planejamento urbano ou paisagismo;

(iii) dar um testemunho único ou pelo menos excep-

cional de uma tradição cultural ou de uma civili-

zação que está viva ou desapareceu;

(iv) ser um exemplo notável de um tipo de edifício,

conjunto arquitetônico ou tecnológico, ou pai-

sagem que ilustra estágio(s) significativo(s) da

história humana;

(v) ser um excelente exemplo de assentamento hu-

mano tradicional, uso da terra ou do mar que é

representativo de uma cultura (ou culturas), ou

interação humana com o meio ambiente, espe-

cialmente quando ele se tornou vulnerável ao

impacto de mudanças irreversíveis;

(vi) estar direta ou tangivelmente associado a eventos

ou tradições vivas, a idéias ou crenças, a obras

artísticas e literárias de notável significado uni-

versal. (O Comitê considera que esse critério

deve ser utilizado preferencialmente em conjun-

to com

,

outros critérios);

(vii) conter fenômenos naturais superlativos ou áreas

de excepcional beleza natural e importância es-

tética;

(viii) serem exemplos notáveis que representam os

principais estágios da história da Terra, incluindo

o registro da vida, processos geológicos signi-

ficativos em andamento no desenvolvimento de

formas de relevo ou características geomórficas

ou fisiográficas significativas;

(ix) serem exemplos notáveis que representem pro-

cessos ecológicos e biológicos significativos em

curso na evolução e desenvolvimento de ecossis-

temas terrestres, de água doce, costeiros e mari-

nhos e comunidades de plantas e animais;

(x) conter os habitats naturais mais importantes

e significativos para a conservação in situ da

diversidade biológica, incluindo aqueles que

contêm espécies ameaçadas de Valor Universal

Excepcional do ponto de vista da ciência ou da

conservação.

Fonte: LABADI & BANDARIN, 2007, 2012, 2017, 2019, 2020.

145

Destaca-se os itens vii, viii, ix e x como direcionados para o reconhe-

cimento de Patrimônio Mundial Natural. Também são critérios importantes

a proteção, a administração e a integridade do sítio. (PERRY, 2011; FREY &

STEINER, 2011; UNESCO, 2017, 2019, 2020a).

Scifoni (2006, 2008) destaca que a partir dessas categorias, estabe-

lecidas pelas Diretrizes Operacionais para Implementação do Patrimônio

Mundial, foram considerados três critérios norteadores do reconhecimento

do valor universal: o estético, o ecológico e o científico.

A Convenção definiu também que bens dotados de valor cultural ou

natural poderiam ser inscritos como patrimônio universal. A proteção des-

ses caberia à comunidade internacional. Tal entendimento visava estimular

a cooperação internacional a proteger “as zonas naturais e paisagísticas

maravilhosas do mundo e os sítios históricos para o presente e o futuro de

toda Humanidade” (ARRUDA & RANGEL, 2016; GOMES & VITTE, 2017).

Embora adotada em 1972, a Convenção entrou em vigor apenas em

1976, após a ratificação por vinte países, e as inscrições na Lista do Patrimô-

nio Mundial começaram em 1978 (CLEERE, 1996; RAO, 2010). Após isso,

a cada dois anos é realizado uma nova Assembleia Geral da UNESCO para

a inscrição de novas áreas propostas e eleição dos Estados Partes do Co-

mitê, esses se reunindo anualmente (ARRUDA & RANGEL, 2016; UNESCO,

2020b). Ou seja, somente na década de 1970, através da Convenção do

Patrimônio Mundial, que a ideia de Patrimônio Natural se impôs internacio-

nalmente (FERREIRA, 2006; PEREIRA, 2018).

Zaratini e Irving (2012) afirmam que o conceito de Patrimônio Natural

sofreu a mesma dinâmica no balizamento conceitual do patrimônio cultural

e consequentemente as ações de conservação da natureza foram conduzi-

das pelas regras e procedimentos adotados para a proteção de monumen-

tos, na perspectiva da cultura. Além disso, ele sofreu novas ressignificações

em decorrência da internalização da importância dos valores sociais asso-

ciados aos processos de proteção da natureza (ZARATINI & IRVING; 2012).

Para Scifoni (2008), a natureza é parte do legado cultural a ser deixada

às futuras gerações. O autor defende que patrimônio cultural e natural são

indissociáveis, principalmente por considerá-los como expressão típica de

suas culturas, entendidas como o produto de uma relação que é estabele-

cida com a natureza.

Karpinski (2018) afirma que o grande responsável é o problema con-

ceitual, já que, dentro do tema Patrimônio, a categoria “natural” tem sido

considerada atualmente de forma similar a categoria cultural. Isso se deu

principalmente após a “virada cultural” e os estudos “pós-coloniais” que

146

consideram a fronteira entre Natureza e Cultura muito tênue e até inexisten-

te (KARPINSKI, 2016, 2018).

Essa integração entre sociedade, natureza e cultura, que foi incorpora-

da pela Convenção de Patrimônio Mundial da UNESCO, levou a concepção

de que natureza e sociedade são indissociáveis, e possuem uma dimensão

mais complexa, o que dificulta a classificação e gestão de áreas naturais.

REFLEXÕES SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE PAISAGEM E PATRIMÔNIO

NATURAL

Apesar de terem surgido em momentos diferentes no contexto histó-

rico, os conceitos de Paisagem e Patrimônio estão intimamente interliga-

dos, e essa forte conexão trouxe grandes contribuições para a ciência, bem

como desafios ainda a serem superados.

O conceito (ainda polissêmico) de Paisagem enfrentou durante toda

sua história muitas controvérsias e sempre foi objeto de adaptação, con-

forme a interpretação e o contexto histórico exigiam e permitiam. Desde

sua origem, a divergência entre a perspectiva da representação espacial e a

perspectiva da percepção do meio dividiam as opiniões e os estudos sobre

o conceito de paisagem.

A divergência conceitual sobre a paisagem se perpetuou por todo o

curso histórico, ora valorizando a estética e a representação idealizada ba-

seada na percepção sensorial humana, ora se identificando com o entendi-

mento de paisagem como representação territorial, em um momento anali-

sando a paisagem de forma integrada, noutro momento particionando seus

componentes e analisando-os separadamente. Sob abordagens objetivas

ou subjetivas, os estudos sobre paisagem contribuíram para a divisão do

conceito de paisagem da seguinte forma: paisagem natural, utilizando-se

para isso dos conceitos ecossistêmicos, sua complexidade, elementos e di-

nâmicas, e paisagem cultural, denotando identidade visual e espacial do

espaço vivido pelo homem.

Os estudos de Humboldt influenciaram fortemente na separação entre

paisagem natural e cultural. A caracterização do espaço a partir das diferen-

ças paisagísticas da vegetação desenvolvidas por ele possibilitou outros es-

tudos de análise da paisagem sob um ponto de vista mais estrutural. Esses

estudos contribuíram para a elaboração do conceito de paisagem natural

desenvolvido por Krasnov.

Schier (2003) corrobora com esse conceito ao afirmar que, geografica-

mente, a paisagem se diferencia entre natural e cultural. A paisagem natural

se refere aos elementos combinados de terreno, vegetação, solo, rios e

lagos, enquanto a paisagem cultural, humanizada, inclui todas as modifica-

ções feitas pelo homem, como nos espaços urbanos e rurais.

147

O dilema da integração ou não do homem na análise da paisagem

retornava as discussões cientificas. As visões de geossistema de Sochava e

Bertrand apresentam divergências na sua concepção conceitual e delimi-

tação. Para Sochava, o geossistema definiria o objeto de estudo da Geo-

grafia Física, constituído de elementos do meio natural, que podem sofrer

alterações na sua funcionalidade, estrutura e organização, decorrentes da

ação antrópica. Bertrand considera o homem como elemento integrante do

geossistema (DIAS & PEREZ FILHO, 2017; LOPES et al, 2014).

Observando o contexto e a evolução histórica dos conceitos, as pes-

quisas sobre geossistemas também foram influenciadas pela divergência

conceitual da paisagem, gerando escolas de estudos com abordagens di-

ferentes que se perpetuam até os dias atuais. Contudo, essas divergências

permitiram a evolução do estudo de sistemas complexos, tanto de paisa-

gens naturais quanto de paisagens culturais, otimizando, assim, as tomadas

de decisão no processo de planejamento e gestão territorial, auxiliando no

processo de ocupação e exploração do território e respeitando as fragilida-

des das áreas, a fim de promover o desenvolvimento regional, como afirma

Beroutchachvili & Clope (1977).

No século XX persiste a divergência conceitual e as opiniões dicotômi-

cas sobre a integração ou não do homem nas análises da paisagem, o que

interferiu na elaboração de outros conceitos como o de patrimônio.

Similarmente ao ocorrido nas discussões sobre a paisagem, Humboldt

influenciou fortemente os debates sobre a proteção de áreas ambientais

com valores estéticos, o que ele denominou monumentos naturais. E, as-

sim, surgiu pela primeira vez

,

a perspectiva de proteção de algo que não foi

criado pelo homem.

Internacionalmente, em 1956, a UNESCO iniciou a associação do pa-

trimônio cultural com a natureza, com base na ideia dos Estados Unidos de

direcionar a proteção dada aos sítios culturais aos sítios naturais e na ideia

de criação da Fundação do Patrimônio Mundial. Após alguns anos de dis-

cussão, em 1972, na cidade de Paris na França, foi adotada a Convenção

para Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural.

Todo esse percurso histórico permite o entendimento de que inicial-

mente o conceito de patrimônio tinha um forte apelo antropocêntrico, com

interesse no homem e na sua existência, obras e culturas, compreenden-

do os monumentos arquitetônicos, os sítios arqueológicos e os objetos e

estruturas herdados do passado, dotados de valores históricos, culturais e

artísticos; bens que representavam as fontes culturais de uma sociedade

ou de um grupo social. Além disso, as ações para criação e gestão desses

patrimônios também partiam de uma visão antropocêntrica.

148

Nos trinta anos que antecedem a criação da Convenção para Prote-

ção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, entre as décadas de 1940

e 1970, ocorreram intensas discussões e pesquisas sobre análise da paisa-

gem e a integração ou não do homem nessa análise, em se tratando de

paisagem natural. Foi nesse período que tentou-se definir e distinguir mais

claramente paisagem natural e cultural.

O dilema entre a integração ou não do ser humano e suas interferên-

cias na definição de paisagem natural desencadeou na dificuldade de deli-

mitação da definição de patrimônio natural e patrimônio cultural.

Gonçalves (2002) e Scifoni (2006, 2008) afirmam que o patrimônio na-

tural apareceu historicamente como produto das preocupações com a cul-

tura. Contudo, historicamente, percebe-se que a contradição sobre a pers-

pectiva antrópica influenciou as divergências conceituais de paisagem, e,

também, as questões conceituais sobre patrimônio.

A alegada “dicotomia natureza x cultura” é talvez uma das caracterís-

ticas mais importantes da convenção do patrimônio mundial. Ao lidar com

esses dois tipos de patrimônio em artigos separados, a convenção parece

traçar uma linha que diferencia os dois tipos. Falar de tal dicotomia não é

sustentável, entretanto, pelo menos no que tange referir-se a algum tipo

de separação bem definida. A inexistência de uma distinção clara na clas-

sificação da UNESCO, de patrimônio cultural e natural, pode ser percebida

na inclusão das palavras “obras combinadas da natureza e do homem” na

definição de patrimônio cultural no Artigo 1° da Convenção (Lixinski, 2008).

Conforme afirma Lixinski (2008), a dicotomização da natureza e da cul-

tura no sistema de patrimônio mundial é, na melhor das hipóteses, parcial,

senão simplesmente artificial, pois a prática sob a convenção evoluiu para

uma abordagem mais holística do patrimônio, focada em seu significado,

ao invés da maneira como se apresenta. O fato de os critérios para inscrição

na lista do patrimônio mundial serem apresentados em uma única lista, ao

invés de uma lista separada para o patrimônio cultural e natural, também é

muito revelador.

A integração ou não do homem no âmbito conceitual tornou o concei-

to de paisagem difuso e, consequentemente, influenciou da mesma forma

o conceito e a classificação do legado natural ou cultural a ser deixado para

as gerações futuras.

Essas definições nas classificações de patrimônio cultural que permi-

tem sua interpretação como paisagem natural frequentemente causam con-

fusão no momento de classificação, dificultando o processo de inscrição de

áreas naturais como patrimônio universal e a gestão das áreas estabeleci-

das como patrimônio natural.

149

A partir de 1992, a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a

Educação, Ciência e Cultura), através do seu programa World Heritage Sites,

passou a integrar a categoria de Paisagens Culturais, além das categorias

de Património Cultural e de Património Natural, na Convenção do Patrimó-

nio Mundial, estabelecendo as definições e critérios para a sua classificação

e gestão (Vieira, 2014). Essa simbiose surge, aparentemente, como uma

tentativa de sanar a dificuldade de classificação de áreas que tenham carac-

terísticas de ambas as categorias. No entanto, ela desfavorece a classifica-

ção do patrimônio natural, podendo esse ser interpretado como um espaço

que, de acordo com Karpinski (2018), tenha características de “intocado”,

“virgem”, ou o mais próximo disso, cuja existência é improvável.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Historicamente, as conexões entre os conceitos de Paisagem e Patri-

mônio apresentam um aspecto evolutivo no qual a Paisagem influenciou

diretamente o Patrimônio. Consequentemente, os dilemas encontrados na

construção conceitual e classificação da paisagem também influenciaram

significativamente as do patrimônio. A arte no período da Idade Média

exerceu forte influência na elaboração inicial do conceito de paisagem, po-

rém a paisagem já estava presente antes da percepção artística, em forma

de natureza. Esse entendimento deveria ser considerado ao conceituar-se

a paisagem natural. A percepção e as ações humanas existem pelo fato de

existir um espaço na natureza que as desperta e, portanto, precede qual-

quer manifestação antrópica. Natureza, essa, que se revela como um bem/

patrimônio que possui um valor a ser preservado e perpetuado para gera-

ções futuras.

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157

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao convite dos professores Valdir Steinke, Charlei Silva e

Edson Fialho para participar desta incrível produção literária. As reflexões

sobre a paisagem natural e sua patrimonialização tem se tornado cada dia

mais importante diante das ameaças intensas, frequentes e crescentes que

o meio ambiente tem enfrentado. Contudo, vale ressaltar que não pode-

mos tratar a paisagem natural como um mero bem limitado territorialmen-

te, o qual devemos preservar para gerações futuras. A paisagem natural é

um conceito muito maior, com dimensões globais e sem limites territoriais,

a qual chamamos de Terra, mas poderíamos chamar de lar.

158

TURISMO DE NATUREZA,

ECOTURISMO, NATUREZA E

PAISAGEM: IMBRICATIVOS

CONCEITUAIS

Charlei Aparecido da Silva

Patrícia Cristina Statella Martins

O PREAMBULO, HÁ DE HAVER

No poema Becos de Goiás, da poetisa Cora Coralina16, encontramos,

logo na primeira estrofe, uma representação do significado da paisagem

que perpassa a lógica racionalista e incorpora a percepção do indivíduo, o

amor e o olhar daqueles que a completam:

Becos da minha terra...

Amo tua paisagem triste, ausente e suja.

Teu ar sombrio. Tua velha umidade andrajosa.

Teu lodo negro, esverdeado, escorregadio.

E a réstia de sol que ao meio-dia desce fugidia,

e semeias polmes dourados no teu lixo pobre,

calçando de ouro a sandália velha, jogada no monturo.

Iniciar este ensaio com a estrofe de um poema tem um significado es-

pecífico, pois é uma maneira de introduzir a discussão a partir de duas ques-

tões que se farão presentes – delineando toda a estrutura textual e a análise

dos conceitos que serão discutidos; o contraponto entre a racionalidade e a

percepção, o entendimento sobre a natureza e paisagem, não no contexto

clássico presente na Geografia, como tantos geógrafos o fizeram de forma

clara e objetiva – concepções que estão presentes inclusive em muitas das

referências utilizadas. O que buscamos é compreender a natureza e a pai-

sagem como primordiais no âmbito do Turismo, ou, ao menos, em alguns

16 CORALINA (1997).

159

segmentos turísticos.

Na atualidade, há diversos segmentos e tipologias envolvendo a prá-

tica do Turismo em ambientes naturais, principalmente naqueles cujas ca-

racterísticas permanecem pouco alteradas pela atividade humana ou que

permitem o resgate de um convívio equilibrado com a natureza. Tais práti-

cas lembram e resgatam a vivência e a concepção de paraísos perdidos e/

ou de conquista de ambientes selvagens, permitindo, assim, àqueles que

se propõe a isso, transpor desafios e limites impostos pelo mundo natural.

Mesclam, assim, racionalidades com sensações; geram percepções carre-

gadas de subjetividades que mobilizam o trade e geram demandas espe-

cíficas.

Nesse sentido, o presente capítulo procura discutir o conceito de Tu-

rismo de Natureza que tem na paisagem seu principal recurso e que é

transformada pelo turismo em diversos níveis. Autores como Lima (2020),

Martins (2018), Martins e Silva (2018), Eichenberg e Silva (2013) também

se dedicaram a discutir o Turismo de Natureza. O escopo conceitual aqui

discutido apresenta mais um elemento: a concepção de natureza e a suas

relações com a sociedade, e, consequentemente, com a atividade turística.

A concepção de Turismo de Natureza e seu contexto no Turismo possui

três raízes básicas: o racionalismo (onde há uma negação dos aspectos de

natureza e o homem como elemento superior), o romantismo (que traz va-

lores subjetivos perdidos no racionalismo e uma relação mais harmoniosa)

e o naturalismo (com suas ideias preservacionistas e conservacionistas, o

homem como responsável pelos desequilíbrios ambientais e o isolamento

da natureza como o único caminho possível).

Não há como negar a importância da natureza para atividade turísti-

ca, bem como as bases que sustentam o ideal de natureza na sociedade

e, portanto, no Turismo. No entanto, qual o significado real da expressão

Turismo de Natureza? O termo ainda está sendo cunhado e, somente nos

últimos anos, tem sido utilizado em alguns estudos dedicados à essa temá-

tica, principalmente no Brasil. De fato, nele há uma hibridez conceitual no

qual o trinômio racionalismo-romantismo-naturalismo se faz presente desde

sua concepção e apropriação pelo mercado.

A pretensão aqui não é de impor um conceito único e fechado, nem de

esgotar as questões e os desdobramentos que envolvem a aplicação desse

conceito. A intenção é fomentar a discussão sobre um conceito cuja falta

,

de definição clara e objetiva implica distorções que impossibilitam a prá-

tica de ações mitigadoras e a implementação de regulamentações para o

planejamento da atividade turística mais eficiente e com consequências ne-

gativas menos intensas, sobretudo ao considerar que existe um problema

160

conceitual em questão, principalmente pelo uso indiscriminado do termo

Ecoturismo que, de maneira inconsequente, tem sido utilizado para nomear

atividades que não se enquadram nos princípios atrelados ao termo.

A CONCEPÇÃO DE NATUREZA NA ATIVIDADE TURÍSTICA:

A NATUREZA-PAISAGEM

A concepção de natureza presente na atividade turística,

atualmente, decorre de uma construção social coletiva, impregnada de sig-

nificação simbólica e valores mercadológicos, os quais não estão estanques

nem isolados de outros valores sociais. Os valores, na verdade, decorrem

de mudanças socioculturais ocorridas, no mínimo, nos últimos três séculos,

e que vieram, paulatinamente, a alicerçar e a possibilitar uma condição de

maior suscetibilidade da sociedade para a inclusão da natureza em diversas

esferas, entre as quais, a da política, da educação, da economia e do lazer

– área que enquadra o Turismo. Como destaca Gonçalves (1990, p. 23):

Toda sociedade, toda cultura, cria, inventa, institui uma determi-

nada idéia do que seja a natureza. Nesse sentido, o conceito de

natureza não é natural, sendo na verdade criado e instituído pelos

homens. Constitui um dos pilares através do qual os homens er-

guem as suas relações sociais, sua produção material e espiritual,

enfim, a sua cultura.

Assim, a concepção de natureza que permeia a sociedade ocidental

e, portanto, o Turismo de Natureza, um dos temas centrais deste capítulo,

alicerça-se em três raízes básicas: o racionalismo, o naturalismo e o roman-

tismo. Todas essas concepções, estruturadas basicamente nos séculos XVII,

XVIII e XIX, mostram as profundas relações que as sociedades estabelecem

com seus ambientes ou como elas os enxergam. Sobre o assunto, Carvalho

(2002, p. 40) afirma:

...muitas das sensibilidades que constituem o ideário ambiental

contemporâneo poderiam ser compreendidas como herdeiras das

visões que passam pela compreensão iluminista de uma natureza

controlada pela razão, pela visão pastoral idílica do naturalismo

inglês do século XVII, pelas novas sensibilidades burguesas do sé-

culo XVIII, pelo romantismo europeu dos séculos XVIII e XIX e pelo

imaginário edênico sobre a América.

161

Ou, ainda, como afirma Thomas (1996, p. 18):

Hoje em dia, não se pode abrir um jornal sem se encontrar alguma

discussão exaltada sobre o abate de focas cinzentas, o corte de

árvores em Hampton Court, ou a salvação de animais ameaçados.

Entretanto, para entender tais sentimentos atuais devemos retor-

nar ao início do período moderno. Com efeito, foi entre 1500 e

1800 que ocorreu uma série de transformações na maneira pela

qual homens e mulheres, de todos os níveis sociais, percebiam e

classificavam o mundo natural ao seu redor. Alguns dogmas desde

muito estabelecidos sobre o lugar do homem na natureza foram

descartados, nesse processo. Surgiram novas sensibilidades em re-

lação aos animais, as plantas e à paisagem. O relacionamento do

homem com outras espécies foi redefinido; seu direito a explorar

essas espécies em benéfico próprio se viu fortemente contestado.

Esses séculos produziram tanto um intenso interesse pelo mundo

natural como as dúvidas e ansiedades quanto à relação do homem

com aquele que recebemos como herança em forma amplificada.

No período citado por Thomas, o racionalismo científico serviu de base

para a estruturação da maioria das ciências no período moderno. Foi a par-

tir da negação dos aspectos místicos ou mitológicos da natureza que a ciên-

cia moderna se estruturou e fundamentou. Com o racionalismo, a natureza

deixou de ser vista como algo ameaçador ao desenvolvimento social, e as

experimentações e o raciocínio lógico permitiram compreender os proces-

sos da natureza e seus arranjos, terminando, assim, com séculos de submis-

são do homem ao seu meio. Segundo a ótica racionalista, a natureza passa

a ser compreendida e dominada conforme os interesses sociais: é preciso

compreender a natureza para, pragmaticamente, aproveitá-la como recur-

so – daí a necessidade de entender seus processos e arranjos, por meio

da experimentação. Como destaca Lenoble (1990, p.199), “o racionalismo

científico do século XIX pretendia privar para todo o sempre de uma Natu-

reza de imaginação e de sonho”.

A ideia da natureza como recurso é, portanto, a base da sua relação

com a sociedade, no racionalismo. Sob a perspectiva social, a natureza pas-

sa a ter os mais diversos significados e, acima de tudo, as mais diversas

possibilidades e potencialidades de usos. Essa condição desencadeia um

processo de negação de espaços que não condizem com a perspectiva

de uma sociedade moderna, cujas características não se assemelham, de

maneira alguma, as áreas ou espaços naturais não modificados pela ação

humana. Nesse processo, as áreas urbanas e industriais passam a ter maior

significado na organização social e espacial. A ideia fundamenta-se em Car-

162

valho (2002, p. 41), que afirma:

É nesse contexto que a cultura ilustrada se ergue como uma pa-

rede invisível a demarcar um território humano civilizado contra a

natureza selvagem. É nesse momento que se constrói historica-

mente a representação da natureza como lugar da rusticidade, do

incultivado, do selvagem, do obscuro e do feio.

A cidade, contraponto da natureza selvagem, então se apresenta-

va como lócus da civilidade, o berço das boas maneiras, do gosto

e da sofisticação. Sair da floresta e ir para cidade era um ato ci-

vilizatório. As pessoas criadas na cidade eram consideradas mais

educadas que aqueles que viviam nos campos. A natureza, tida

então como o Outro da civilização, representava uma ameaça à

ordem nascente.

[...] As áreas silvestres, montanhas e pântanos era tidos como os

símbolos vivos do que merecia ser condenado.

Aguiar (2005, p. 11) ajuda a compreender essa proposição ao desen-

volver a análise do significado da natureza no racionalismo:

[...] a natureza e as tradições passaram a ser negadas. Os espaços

naturais e representativos de costumes tradicionais passaram a ser

vistos como espaços não racionais. Os espaços urbanizados pas-

saram a ser valorizados como representativos da racionalidade, so-

beranos em relação aos espaços naturais e rurais, sendo que estes

deveriam ser dominados pelo homem e racionalizados.

O racionalismo teve como marca, então, a negação dos aspectos da

natureza e a construção do ethos moderno de civilização, cujos valores an-

tropocêntricos foram potencializados a níveis até então nunca registrados

na história da humanidade. Essa condição subsidiou toda e qualquer forma

de exploração da natureza, principalmente como fonte de matérias-primas

para os processos industriais que nasciam. A conquista, cada vez maior, de

áreas naturais, selvagens, como fonte de recursos, é a marca da moderni-

dade instituída pelo racionalismo. O homem passa, assim, a ser visto como

elemento superior e externo à natureza, capaz de entendê-la e dominá-la,

como destaca, categoricamente, Gonçalves (1990, p. 51):

A natureza, ao contrário dos homens, não tem subjetividade, di-

zem. Portanto, pode ser estudada objetivamente e a compreensão

das suas leis, dos seus processos, da ordem que a governa deve

servir de ponto de referência para uma sociedade racional, livre

das paixões, das ideologias e da subjetividade típica dos homens.

163

Em contraposição ao ideário da razão, surgiram o naturalismo e o ro-

mantismo. Para essas correntes filosóficas, os aspectos e os condicionan-

tes da natureza deveriam ser analisados sob um outro olhar, muito além

da ideia única e exclusiva de recurso. A base da contestação se apoia nos

problemas derivados do pragmatismo e do utilitarismo impostos pelo ra-

cionalismo, principalmente no que diz respeito

,

à relação do homem com

a natureza após a Revolução Industrial, problemas que, atualmente, deno-

minamos impactos ambientais, muitos, inclusive, previstos nas legislações

federal, estadual e municipal.

O Romantismo, que surgiu a partir da metade do século XVII e se esten-

deu até a primeira metade do século XIX, tinha como preocupação resgatar

tradições culturais, características nacionais, perspectivas sentimentais no

plano individual e coletivo, destacando a personalidade, a sensibilidade, a

emoção e os valores subjetivos perdidos durante a implementação do ra-

cionalismo científico. Ele incorporou a subjetividade e o olhar sobre a natu-

reza, então, ganhou nova essência, prevalecendo, assim, uma visão otimista

da relação do homem com a natureza. A contemplação, o conhecimento

empírico, a valorização da natureza como fonte primária da vida ganharam

uma nova conotação e passaram a estabelecer possibilidades até então

inconcebíveis.

Surgindo na forma de uma reação ao sistema capitalista nascente e à

uniformidade pragmática racionalista, o Romantismo tratava da natureza

que circundava a sociedade e da natureza interna ao homem. Ele deveria

refletir sobre como os aspectos naturais o influenciavam e sobre a capaci-

dade desses em contribuir para os sentimentos e a interioridade humana.

Tinha-se, assim, um homem capaz de se livrar dos condicionantes impuros

presentes na sociedade. O indivíduo romântico, dessa maneira, refletiria

a individualidade orgânica da natureza e a individualidade singular do ser

humano.

Marilena de Souza Chauí ao prefaciar Rosseau (ROSSEAU 1999, p. 14 e

15) o maior representante do Romantismo, declara:

O retorno à pureza da consciência natural é o dever fundamental

de todo homem, segundo Rousseau.

[...] O sentimento como instrumento de penetração na essência da

interioridade é outro dos elementos estruturais do pensamento de

Rousseau. Núcleo central de todo pensar filosófico, constituiria a

chave com que se pode compreender toda a Natureza e alcançar

misticamente o próprio infinito. Deixar de lado as convenções da

razão civilizada. E imergir no fundo da Natureza através do senti-

mento significa elevar-se da superfície da terra até a totalidade dos

164

“seres, ao sistema universal das coisas, ao ser incompreensível que

a tudo engloba”. Percebido o espírito nessa imensidão, o indiví-

duo não pensa, não raciocina, não filosofa, sem voluptuosidade,

abandonando-se ao arrebatamento, perde-se com a imaginação

no espaço e lança-se ao infinito. Essa imersão mística no infinito

da Natureza equivale a penetrar na própria interioridade, alcançar

a consciência da liberdade e atingir o sentimento íntimo da vida,

com o qual o homem teria consciência de sua unidade com os

semelhantes e com a universalidade dos seres. No relacionamento

místico com a Natureza, segundo Rousseau, não se desfruta nada

externo ao próprio indivíduo e sua existência; durante o lapso de

tempo em que recorre a relação, o homem basta-se a si mesmo,

como se fosse Deus.

A idéia de que os sentimentos místicos da Natureza não podem ser

separado do sentimento de interioridade pessoal constitui aqui-

lo que se costuma chamar o espírito “romântico” de Rousseau.

Vendo a natureza como fonte de felicidade humana, revelando ao

máximo a carga mística de sua vivência e formulando a concepção

de que ela só pode ser compreendida pelo sentimento e não pela

razão, Rousseau desempenhou papel original dentro da filosofia

do século XVIII.

Ou, ainda, como destaca Carvalho (2002, p. 50):

No campo filosófico, Rousseau é o pensador do século XVIII que,

marcado pela valorização da natureza e do homem natural, en-

carna de modo singular essa conexão entre as novas sensibilida-

des e o espírito romântico. Na contracorrente do iluminismo, que

via a natureza como matéria exterior ao sujeito humano e objeto

do conhecimento pela razão, Rousseau valoriza à natureza como

dimensão formadora do humano e fonte de vida que se apreen-

de principalmente pelos sentimentos, incluindo-se aí também as

experiências penosas que a educação da natureza tem a ensinar

aos humanos. A visão da natureza como ideal de perfeição dege-

nerado pela ação humana que se exerce contra a ordem natural é

exemplar de uma sensibilidade romântica.

Desse modo parece conveniente afirmar que o Romantismo alimentava

o anseio por uma experiência alternativa, muito além daquela proporciona-

da pelo ideal de modernidade, presente no ethos urbano. Ele colocava em

discussão o caráter utilitarista da sociedade e sua capacidade predatória,

buscando construir, a partir da negação da modernidade, um ethos ligado

ao campo, pelo qual, a relação homem-natureza seria mais harmônica e, em

última instância, a relação do homem com o homem, mais justa e equidis-

165

tante.

A visão naturalista, ao contrário da romântica, pouco acreditava na sub-

jetividade e, em alguns momentos, mantinha uma condição mais pessimista

quanto à relação do homem com a natureza. Todavia, seus defensores pre-

gavam, ao mesmo tempo, a necessidade da incorporação do mito de arcá-

dia, cujo simbolismo reside na possibilidade de um convívio harmônico do

homem com a natureza. Sob essa perspectiva, os estudos científicos da na-

tureza deveriam privilegiar a compreensão dos aspectos que circundavam

as cidades para estabelecer relações mais harmônicas e menos degradantes

do que as registradas. Essa condição deveria ser inexoravelmente incorpo-

rada pela sociedade, a qual passaria, então, a entender que a natureza era

um bem inestimável, um presente dado pelo Criador, cuja benevolência

permitiu ao homem o seu contemplar e convívio (Carvalho, 2002, p. 41-42).

Essa corrente, nascida na Inglaterra vitoriana, passou a influenciar, cir-

cunstancialmente, as pesquisas científicas elaboradas nos séculos XVIII e

XIX, sob um novo prisma: a natureza passou a ser estudada sob a ótica da

possibilidade de sua finitude e erradicação. Incorporou-se, na abordagem

científica, os ideais preservacionistas e conservacionistas, condição até en-

tão incompatível com a visão racionalista dominante. A visão naturalista

passou a indicar e demonstrar que as relações do homem com a natureza

causavam situações e problemas não condizentes com o estabelecimento

de um equilíbrio harmônico. A sociedade humana passou a ser vista como

parte integrante de um todo muito maior, cujos limites extrapolavam a área

civilizada circundante. O homem passou a ser visto como o agente respon-

sável pelos desequilíbrios e cabia só a ele buscar caminhos para mudanças.

Sobre o estabelecimento desses novos valores, McCormick (1992, p.

22-23) afirma, com clareza, que:

A compreensão do ambiente natural que emergiu das pesquisas

dos séculos XVII e XIX afetou profundamente a visão do homem

quanto a seu lugar na natureza. A era vitoriana foi um período de

grande autoconfiança e segurança, embora o ideal vitoriano de ci-

vilização tenha quase sempre dependido da conquista da natureza

pela ciência e pela tecnologia. O domínio sobre o meio ambiente

era visto como essencial para o progresso e para a sobrevivên-

cia da raça humana. Mas uma “consciência biocêntrica” emergiu

gradualmente, reforçando o restabelecimento do sentido de in-

ter-relação entre o homem e a natureza e a aceitação de uma res-

ponsabilidade moral relacionada à proteção de natureza contra os

abusos.

[...] O desejo de preservar a natureza tornou-se então implícito no

estudo da mesma, e clubes e naturalistas passaram a se preocupar

166

com os danos infligidos tanto por seus semelhantes quanto por

outros. À medida que os naturalistas aprendiam mais sobre a na-

tureza, passaram a reconhecer seu valor e o calibre das ameaças

colocadas pela atividade humana.

É oportuno frisar que a corrente naturalista tinha como fundamento o

isolamento da natureza e, portanto, o afastamento do homem das áreas

ainda não degradas, como o único caminho possível para manutenção das

características naturais e do equilíbrio que nela reinava.

,

Com essa atitude

os naturalistas pretendiam construir, no imaginário social, uma natureza sem

conflitos, regida por um padrão de organização que, em última instância,

deveria servir de modelo para a sociedade, o que, diga-se de passagem,

demonstrava-se extremamente contraditório, haja vista os valores sociais

predominantes. Essas áreas serviriam, assim, de registro, podendo a so-

ciedade admirá-las e reverenciá-las por meio da realização de atividades

que não causassem modificações significativas. Essa condição mostra-se de

forma muito clara em Diegues (1996, p.62), cuja obra se tornou referência

na discussão sobre a abordagem do conceito de natureza na sociedade

moderna e contemporânea:

Para o naturalismo da proteção da natureza do século passado, a

única forma de proteger a natureza era afastá-la do homem, por

meio de ilhas onde este pudesse admirá-la e reverenciá-la. Esses

lugares paradisíacos serviriam também como locais selvagens,

onde o homem pudesse refazer as energias gastas na vida estres-

sante das cidades e do trabalho monótono. Parece realizar-se a re-

produção do mito do paraíso perdido, lugar desejado e procurado

pelo homem depois de sua expulso do Éden.

Da mesma maneira, convém observar que as influências desses funda-

mentos estão presentes na estruturação do movimento ambientalista do

final do século XIX e início do XX e que, ainda hoje, permeiam a base dos

discursos sobre a necessidade de proteção à natureza. Os movimentos am-

bientalistas se institucionalizaram sob a égide e necessidade urgente da

criação de áreas delimitadas e livres de ações humanas, mas, assim como

no passado, os valores sociais que estruturam e, em grande parte, ainda

determinam os padrões de organização espacial vigente são pouquíssimos

questionados e, quando o são, ocorrem com uma superficialidade que im-

pede qualquer mudança significativa para a alteração do quadro. Faz-se

necessário registrar que apenas recentemente, nessa segunda década do

século XXI, essa visão isolacionista passou a ser questionada e o papel das

167

comunidades tradicionais passaram a ser reconhecidos no que tange a ma-

nutenção das condições originais, na preservação e conservação dos am-

bientes naturais.

Portanto, a ideia de natureza que permeia a atividade turística na atua-

lidade não diz respeito ao entendimento dos processos naturais que levam

à organização e aos arranjos dos geossistemas17 das áreas utilizados para

sua prática e desenvolvimento. Ela não abarca o intrincado e complexo

jogo de relações e inter-relações que deram origem aos ambientes explora-

dos. O nível de entendimento, quando muito, aloca-se no resultado desse

jogo, dessas relações, materializadas na forma de paisagem, vendida, pura

e simplesmente como um produto turístico. A natureza-paisagem é vista,

então, como um produto, a que o isolamento e ausência do homem agre-

gam maior valor. Observa-se, assim, que a natureza observada e consumida

no âmbito do Turismo é de fato a paisagem (Figura 1).

Figura 1: Representação natureza-paisagem sob as vertentes naturalista e romântico presente

no Turismo de Natureza e no Ecoturismo

(A) Serra de Maracaju, Mato Grosso do Sul, Brasil. Arenito Aquidauana.

(B) Serra no Amolar, Mato Grosso do Sul, Brasil. Formação Urucum.

Autoria: Os autores

Nesse exercício de discutir o Turismo de Natureza, a paisagem deve

17 Para Vale (2012, p. 104), o geossistema pode ser definido como “[...] um ‘palco’ no qual pode

ser percebida a inter-relação sociedade-Natureza, e que pode ser mapeado, lido e compreendido pela

ótica de um geógrafo”. Para Martins (2018), o conceito ressalta a importância da ação e dinâmica

antrópica na alteração da paisagem. A relação e a integração dos elementos abióticos (solo, relevo,

clima, hidrografia), bióticos (vegetação e animais) além das ações antrópicas, se inter-relacionam

e mantém níveis de interdependência entre si. Como a paisagem é a representação física imediata

da Natureza e recurso imprescindível para o turismo, em especial para o Turismo de Natureza,

optou-se por compreender e aplicar o conceito de geossistema como transversal, viabilizando assim

uma análise mais sistêmica, a qual congrega e dá os mesmos níveis de importância para a relação

sociedade-Natureza.

168

ser compreendida como um sistema aberto, definido pelos elementos que

o compõem como: o relevo, a hidrografia, a cobertura vegetal e outros

componentes que mantém uma inter-relação com aspectos sociais. Nas pa-

lavras de Verdum, Vieira e Pimentel (2016), a paisagem é um conceito com-

plexo, que está relacionado a diversos aspectos – econômicos, culturais e

ambientais –, os quais se encontram em permanente relação e movimento.

No caso do Turismo, a paisagem é o principal aspecto responsável pela prá-

tica da atividade, o seu recurso de maior importância, por ser um elemento

motivador que indica ao turista o rompimento de sua rotina (Pires, 2013,

Rodrigues, 2011; Lochmann e Panosso Netto, 2008). Nas palavras de Vieira

(2008, p. 40):

[...] a paisagem impõe-se como objecto de contemplação, como

unidade panorâmica capaz de desencadear o desejo de usufruto,

constituindo também objecto de consumo, potenciado por uma

das actividades mais dinâmicas e insaciáveis deste início de tercei-

ro milénio, que é o turismo.

Como um produto qualquer, a natureza, na atividade turística, passa

a ter maior significado ou demanda em grupos sociais sem possibilidade,

em seu cotidiano, de manter relações diretas com áreas pouco antropiza-

das, equilibradas devido à baixa alteração dos processos naturais. Assim,

os grandes consumidores de natureza, mais particularmente, do Turismo de

Natureza, são indivíduos, em sua maioria, urbanos-industriais, que buscam

nessa prática incorporar ou difundir a concepção de natureza que permeia

a sociedade atual, com ligações intrínsecas com aos movimentos filosóficos

anteriormente comentados (o Naturalismo e o Romantismo) e com aspec-

tos ambientais incorporados nas últimas quatro décadas, pela política, cul-

tura, economia, educação e lazer.

Dessa forma, os segmentos do Turismo que mais incorporam práticas

turísticas ligadas ao Turismo de Natureza são, portanto, aqueles que ex-

cluem o convívio direto com ambientes urbanos, os quais, muitas vezes,

servem somente de aporte por meio do oferecimento de serviços de hos-

pedagem, alimentação ou agenciamento, necessários para o seu desenvol-

vimento. A oferta turística original, bem como, a potencialidade turística,

resulta diretamente do ambiente natural e quase sempre de uma paisagem

deslumbrante (Figura 2).

169

Figura 2: Representação da natureza-paisagem para o estabelecimento do Turismo de

Natureza e do Ecoturismo, a racionalidade da apropriação

Fonte: Governo de Mato Grosso do Sul (turismo.ms.gov.br). Acesso: 22 de agosto de 2021.

Desse modo, não há como negar a importância da natureza para a

atividade turística. No entanto, qual o significado real da expressão Turis-

mo de Natureza? Quais são os segmentos do Turismo e as tipologias nele

presentes? Por que há divergência clara e explícita nos termos e concei-

tos utilizados para definir práticas turísticas ligadas a ambientes naturais

conservados? Faz-se necessário responder a tais indagações, em estudos

como este. Quaisquer críticas ou resoluções de problemas derivados da

implementação do Turismo, e, por consequência o Turismo de Natureza

em áreas naturais, devem estar apoiadas no entendimento claro e preciso

desse termo.

TURISMO DE NATUREZA E ECOTURISMO: DIVERGÊNCIAS E

CONVERGÊNCIAS CONCEITUAIS

A discussão ora proposta permanece impregnada de contradições e

divergências e, mesmo a literatura específica, seja ela nacional ou interna-

cional, muitas vezes não é objetiva, trazendo discordâncias entre conceitos

e abordagens. Aspectos acadêmicos, mercadológicos, conservacionistas e

de modismos acabam por se sobrepor, impossibilitando o fortalecimento e

a determinação de conceitos que fundamentariam a análise dos condicio-

,

nantes envolvendo a prática turística em áreas naturais conservadas e, por

consequência, a proposição de ações para minimizar os impactos negativos

hoje registrados. Martins e Silva (2018), ao constatarem essas divergências,

ratificaram a hipótese de que o Turismo de Natureza é uma derivação do

termo turismo na natureza, onde está a origem daquilo que se denomina

170

Turismo de Natureza e Ecoturismo. Para os autores, há um problema concei-

tual em questão, sobretudo considerando o uso errôneo do termo Ecoturis-

mo, seja no Brasil ou em outras partes do mundo. Martins (2018) constatou

que a maioria das traduções vindas do inglês apresenta incongruências18.

Termos como Ecoturismo, turismo brando, turismo de menor impacto,

turismo ecológico, turismo ambiental, turismo de aventura, turismo sus-

tentável, turismo alternativo e outros são utilizados, em muitos casos, como

sinônimos, o que se constitui um equívoco. Para Martins (2018, p.77), “[...]

muitas atividades turísticas possuem a Natureza como base de seu produto,

mas nem sempre se preocupam em conservá-la”. Apropriados pelo merca-

do turístico como instrumentos de marketing e pelas políticas públicas na

forma de discursos desenvolvimentistas, esses termos, por repetição e sen-

so comum, têm criado uma imagem distorcida da capacidade do Turismo

de causar impactos negativos em seu ciclo de desenvolvimento, impossibi-

litando a contestação e o avanço de uma crítica mais efetiva.

Em alguns casos, o mercado turístico e o Estado, nas instâncias fede-

ral, estadual e municipal, passam a defender que as atividades turísticas

desenvolvidas sob esses rótulos se portam como uma categoria menos im-

pactante e capaz de salvaguardar, preservar e conservar os patrimônios na-

turais e socioculturais das comunidades receptoras, algo não permitido por

atividades econômicas mais tradicionais como indústria e agropecuária. Tal

condição não é verdadeira. Chega-se ao exagero e à ignorância de deno-

minar-se as atividades turísticas, principalmente as ligadas à natureza, como

indústria verde, indústria limpa ou indústria sem chaminés. Vale ressalvar

que a atividade industrial não pode servir de analogia para a turística, que

esse mito não deve e não pode continuar a ser difundido, seja em trabalhos

acadêmicos, no mercado ou nas políticas públicas. Lemos (1999, p.67), ao

abordar os mitos que envolvem o desenvolvimento do Turismo, apresenta,

sobre o assunto, uma posição que cabe reproduzir neste momento:

O Turismo não é uma indústria, como popularmente costuma-se

dizer. Em que isto difere? Ora, ao compreender que o processo de

produção em serviços possui características específicas em relação

à indústria, entende-se o quanto é importante essa classificação.

18 Os autores apresentam um quadro com as definições e derivações do termo Turismo de

Natureza e verificam de que maneira diferentes autores trabalharam o termo no idioma de origem,

o conceito e as tipologias turísticas associadas. Os autores concluem que não há consenso, um

mesmo termo é utilizado de diversas maneiras; “[d]e maneira geral, Turismo de Natureza ou de

naturaliza são associados a valores conservacionistas, relação com a comunidade local e relação

direta com espaços naturais protegidos” (MARTINS, SILVA, 2018, p. 497).

171

Da mesma maneira não se pode continuar apregoando a ideia de tu-

rismo alternativo e Ecoturismo para toda e qualquer atividade turística en-

volvendo produtos ligados à natureza e realizada, predominantemente, em

ambientes naturais conservados.

No Brasil, a exploração de patrimônios naturais e socioculturais para

a implementação de atividades turísticas tem se demonstrado demasiada-

mente voraz e efêmera. Aqui, registram-se diversos casos de comunidades

receptoras de fluxo turístico com impactos ambientais intensos, mas, mes-

mo assim, vinculadas a práticas turísticas, a rótulos conservacionistas e pre-

servacionistas . As obras de Vasconcelos (1998), Rodrigues (1997a, 1997b,

1997c), Rodrigues (1999), Lemos (1999), Yázigi, Carlos e Cruz (1999) e Souza

(2002), mesmo representando uma parcela ínfima das pesquisas produzidas

sobre o desenvolvimento da atividade turística no Brasil, estão repletas de

estudos que demonstram e apontam esses impactos.

Apresentar um conceito que engloba as práticas turísticas que não se

enquadram na perspectiva da conservação e da consciência ambiental, e

que jamais deveriam ser nomeadas como Ecoturismo, é, ao nosso ver, uma

agenda que deve ser priorizada. Não o fazer envolve apregoar muitas das

concepções atuais, principalmente aquelas praticadas pelo mercado.

Observa-se, de fato, a estruturação de um raciocínio que envolva: a

compreensão das práticas mercadológicas; os segmentos de mercado en-

volvidos; as potencialidades e as condições de atratividade de fluxo turísti-

co das áreas exploradas; os produtos turísticos vendidos; e os impactos am-

bientais presentes no ciclo de desenvolvimento da atividade turística. Para

isso consideramos fundamental o entendimento do significado de segmen-

to de mercado, tipologias turísticas e produtos turísticos, para dar subsídio

aquilo que aqui denominamos Turismo de Natureza..

TURISMO DE NATUREZA E ECOTURISMO,

A SEGMENTAÇÃO TURÍSTICA

Um segmento de mercado pode ser caracterizado como um conjunto

de consumidores com características muito semelhantes que geram uma

demanda efetiva e, por consequência, ocasionam o surgimento de ativi-

dades e produtos específicos direcionados a saciar desejos e ansiedades

latentes. Os segmentos podem ser identificados a partir de características

socioculturais, poder de compra, classe social, idade, atitudes e práticas de

consumo.

172

Assim, a segmentação do mercado turístico deve ser encarada sob a

perspectiva das características da demanda e da oferta, seja ela original ou

agregada. Ela diz respeito ao perfil do turista e às características dos produ-

tos vendidos e consumidos durante as relações mantidas entre esses e os

prestadores de serviços, incluindo, muitas vezes, padrões comportamentais

e dispositivos normatizadores de conduta.

A segmentação turística está condicionada aos serviços turísticos, às

atrações, aos acessos e às facilidades disponibilizadas aos turistas, em con-

junto ou individualmente; refere-se aos arranjos necessários para o desen-

volvimento do Turismo. Como exemplo podemos citar o turismo de negó-

cios, o turismo GLS, o turismo da melhor idade, o Ecoturismo e o Turismo

de Natureza, com uma diferença primordial entre os dois últimos, que será

explicada mais adiante.

A tipologia turística diz respeito aos tipos de turismos, às categorias de

Turismo que se desenvolvem a partir de um segmento. Ela corresponde a

um sistema de classificação que permite estabelecer traços e características

visando identificar as atividades predominantemente desenvolvidas na prá-

tica do Turismo. Dessa maneira, dentro de um mesmo segmento turístico,

pode haver duas ou mais tipologias turísticas envolvidas, condição muito

comum quando se analisa polos receptores de fluxo turístico. É pertinente

citar, por exemplo: turismo gastronômico, turismo rural, turismo cultural,

turismo de saúde, turismo náutico, turismo religioso, turismo de aventura,

turismo de contemplação, turismo científico e outros.

Os produtos turísticos, por sua vez, estão diretamente agregados às

tipologias turísticas e correspondem àquilo que é negociado pelo mercado

e adquirido pelo turista durante a realização das atividades turísticas. For-

mados por elementos tangíveis e intangíveis, os produtos turísticos ganham

significância mercadológica, principalmente monetária, a partir do turista,

pois são produzidos e formatados como base no perfil do turista que, ge-

ralmente, procura uma determinada tipologia. Em última instância, os pro-

dutos turísticos correspondem aos elementos utilizados pelo mercado para

saciar os desejos dos turistas e são responsáveis, em muitos casos, pela

motivação e deslocamento desses, das

,

se associa ao movimento ampliado do conhe-

cimento, que ocorre, a partir da convergência epistemológica da Biologia,

da Ecologia biocenótica, do Estruturalismo linguístico, da Teoria dos Con-

juntos e da Análise Sistêmica.

Nesse momento, chegam ao Brasil os textos de Sotchava e de Ber-

trand, que se tornam referências aos estudos de Geografia Física no país.

A PAISAGEM COMO UM SISTEMA – O GEOSSISTEMA

Através de publicações do Instituto de Geografia da USP, chegam ao

Brasil os textos de Bertrand (1972) e de Sotchava (1977), com suas proposi-

ções de análise integrada. As influências dessas referências são amplamen-

te reconhecidas e ampliadas na Geografia brasileira, com as análises pro-

postas, a partir desta perspectiva, por Christofoletti (1979) e por Monteiro

(2001). O que se discutiu, avaliou, criticou ou foi apropriado, sobre geossis-

tema, como possibilidade analítica para a Geografia Física, foi expressivo

no Brasil. Aqui, não se pretende discutir minuciosamente esses conceitos e

as controvérsias, que se apresentam entre os diferentes autores. Trazemos

considerações, associando conceito e método analítico e sua atualidade.

Importa, no entanto, fazer uma primeira distinção: para Sotchava (1977)

prioritariamente, e, no Brasil, para Christofoletti (1979), o conceito de ge-

ossitema se restringe aos estudos da natureza (Geografia Física); para Ber-

trand (1972) e para Monteiro (2001), esse é um conceito de articulação en-

tre a natureza e a sociedade.que se expressa mais ampliado.

Cabe dizer, também, que geossistema é uma unidade espacial, que

aborda uma parcela do espaço natural ou, mesmo, geográfico, compreen-

dido como conexão de constituintes naturais ou conexão de constituintes

naturais e sociais. Para além desta dupla forma de conceber sistema, à épo-

ca, o que está na origem dessa proposição é a análise da funcionalidade,

explicitada na interação entre os elementos constituintes do sistema, a par-

tir da dinâmica processual, que o caracteriza.

23

Em se constituindo uma unidade espacial, um geossistema expressa

uma dimensão específica, conforme hierarquizaram Sotchava e Bertrand.

No caso de Bertrand, constituía uma abordagem de escala intermediária

entre as escalas pequenas e grandes, que seria a escala passível de analisar

as ações antrópicas. Em ambos os modelos, o geossistema se constituía de

um conjunto de espaços com funcionalidades distintas, porém em conexão

com dimensões escalares mais amplas. Isso permitiria a construção de uma

explicação sobre um geótopo, por exemplo, ou, num contexto mais amplo,

sobre uma geofácie ou, mesmo, sobre um geossistema.

Por outro lado, é sempre necessário dizer que, na origem, o conceito

de geossistema constituiu uma dimensão escalar da paisagem, portanto,

geossistema seria a paisagem analisada numa escala específica, em seu

funcionamento. Este conceito foi se descolando do conceito de paisagem

e, tomado fora do corpo analítico das proposições metodológicas, tornou-

-se um conceito operacional, sem, necessariamente, ser apresentado como

uma leitura de paisagem.

Se, nas obras dos anos de 1960, tal era a compreensão, do geossiste-

ma como uma escala de paisagem passível de ser abordada pela análise

sistêmica, para fazê-la é necessário resgatar a crítica a essa proposição, so-

bretudo, a crítica produzida pelo próprio Bertrand nos anos 1990.

Bertrand (1995) vai expressar uma (re)leitura de suas proposições dos

anos 1960, em que distingue paisagem de geossistema. Informa, a partir

de novas referências, fundadas, sobretudo, no princípio da complexidade

(MORIN, 1990), que paisagem é um produto social, elaborada pela socie-

dade no contexto dos quadros tecnológicos e culturais de sua produção. A

paisagem é uma análise social, que incorpora o natural em suas finalidades.

Por outro lado, tal ideia resgata a concepção de geossistema nas suas

origens e, em comparação com a paisagem, assim se expressa:

[...] o geossistema e o ecossistema são conceitos diretamente

quantitativos fundados sobre medidas e sobre o estabelecimen-

to de balanços energéticos; a paisagem é intrinsicamente ligada

a ideia de qualidade que se exprime a partir de um sistema de

valores sociais (ainda que alguns desses valores possam ser quan-

tificados). O geossistema e, em menor dimensão, o ecossistema

são conceitos espaciais (corológicos) enquanto a paisagem expri-

me primeiramente um esquema de funcionamento. A paisagem é

um processo, produto do tempo e mais precisamente da história

social. (BERTRAND, 1995, p. 100-101, tradução livre)

24

Aprofunda, o autor, a concepção de paisagem sobre outras bases te-

óricas e, nesse contexto, acrescenta severas críticas, quando escreve que a

maior parte das interpretações, a partir do conceito de paisagem, é dualista:

ora a paisagem é interpretada como de natureza subjetiva, sendo definida

como um elemento cultural, ora é concebida como um objeto natural, ou

seja, como uma realidade existente, independente da observação e do ob-

servador, não sendo outra coisa senão uma porção do espaço (BERTRAND,

1995).

Essa nova leitura de paisagem está sustentada no princípio da com-

plexidade, de Morin (1990). Esta abordagem, por vezes, considerada um

novo paradigma, vai, gradativamente, incorporando-se ao movimento de

construção do conhecimento e tem, como proposição, avaliar a construção

científica da Modernidade, questionando seu paradigma redutor e simpli-

ficador. A complexidade se expressa como tudo aquilo que é tecido junto,

portanto, a disjunção não a favorece, ainda que tenha promovido inúme-

ras descobertas científicas e a possibilidade de entendimento do mundo

na sua complexidade; sobretudo dimensionando a separação do sujeito e

do objeto. A argumentação de Morin (1990), para explicitar a não separa-

ção entre sujeito-objeto, apoia-se na física das pequenas partículas e em

suas análises, em que fica demonstrada a indissociabilidade do sujeito e

do objeto de investigação. Da mesma forma, faz referência à cibernética, à

compreensão sistêmica e às redes e conexões, para demonstrar essa não

separação.

DIANTE DESTES ARGUMENTOS, O QUE SE CONCEBE COMO PAI-

SAGEM E QUE PAISAGEM ESTUDARIA A “GEOGRAFIA FÍSICA” OU

OS ESTUDOS DA NATUREZA?

Centralizo, neste item, a concepção de paisagem, que se constitui ins-

trumento de análise na “Geografia Física”. Diria, de forma ampla, que a

paisagem, estudada por aqueles que se dedicam aos estudos da natureza,

é entendida como:

I. Objetiva e externa ao sujeito (pesquisador), conforme compreensão

advinda da Modernidade e, nela, do contexto da ciência positiva;

II. Constituída de um conjunto de elementos em conexão, hoje, deno-

25

minada sistema, isto é, contemporaneamente, a paisagem seria um

sistema ou sistêmica;

III. Expressa uma funcionalidade, que deriva da ação de processos do

presente ( um sistemismo atemporal) ou que é resultado de um pro-

cesso histórico de constituição, através do movimento e da articu-

lação de processos, que se diferenciam, ao longo do tempo, e que

registram mudanças, as quais ficam simultaneamente registradas

nas suas formas;

IV. A paisagem é corológica, expressando-se numa forma, que pode

ser delimita, no espaço, pela sua configuração;

V. A paisagem é conceito e é objeto e, ao mesmo tempo, é instrumen-

to analítico, podendo ser concebida pela Cartografia ou por outras

formas de representação.

A partir desta breve nominação de elementos caracterizadores da pai-

sagem, na continuidade, trago o exemplo dos estudos de paisagem, cen-

trados na Ecologia da paisagem. Por que esse resgate? Pelo fato de ter sur-

gido, a partir dos anos 1970, uma nova ecologia, a Ecologia de Paisagem,

e pelo fato, paradoxal, de que, quando a Ecologia de Paisagem assume um

papel importante, enquanto caminho interpretativo da natureza e da socie-

dade, fazendo, nesse percurso, um diálogo com a Geografia, a Geografia

busca, nessa Ecologia, um caminho analítico para suprir sua compartimen-

tação.

O embasamento dos estudos de Ecologia

,

áreas emissoras para as receptoras.

O turista dificilmente compreende o significado de segmento ou mesmo de

tipologia, mas tem plena consciência do produto turístico, pois é isso que

ele compra para saciar seus desejos.

A diferença entre segmento turístico e tipologia turística, portanto,

reside na capacidade do primeiro de agregar, a partir de condicionantes

pré-estabelecidos, atividades que caracterizam uma ou mais tipologias, as

quais, por sua vez, são materializadas a partir da formatação de produtos

173

específicos e direcionados ao perfil do turista daquele seguimento. A cla-

reza dessas diferenças nos possibilita tratar do tema central deste item: o

entendimento daquilo que se considera Turismo de Natureza e Ecoturismo.

Essa discussão permite afirmar que Ecoturismo é um segmento de

mercado e não uma tipologia turística como amplamente divulgado, prin-

cipalmente pelo mercado turístico. Como segmento, ele é capaz de agre-

gar diversas tipologias, inclusive aquelas que não tem como matéria-prima

básica a natureza, ou áreas naturais que não reflitam uma condição tão

primitiva. Embasa essa posição a definição oficial brasileira, criada em 1994

pela EMBRATUR conjuntamente com o IBAMA, que denomina Ecoturismo:

Um segmento da atividade turística que utiliza forma sustentável,

o patrimônio natural e cultural, incentiva sua conservação e busca

a formação de uma consciência ambientalista através da interpre-

tação do ambiente, promovendo o bem-estar das populações en-

volvidas (BRASIL-EMBRATUR/IBAMA, 1994, p. 19)

Na definição aparecem subentendidos os condicionantes fundamen-

tais para sua efetivação:

• O interesse por patrimônios socioculturais e naturais, e a implemen-

tação de ações que contribuam para sua preservação e conservação;

• O desenvolvimento de produtos turísticos que valorizem os patri-

mônios naturais e culturais das comunidades receptoras;

• A geração de benefícios à população local a longo prazo;

• A possibilidade de educação e estudo por meio da interpretação e

inter-relação com os ambientes explorados;

• A ocorrência de pouquíssimo impacto ambiental, envolvendo, as-

sim, em sua prática, ética e responsabilidade de todos os envolvidos

no processo;

• A necessidade da criação de um sistema de monitoramento contí-

nuo e gestão participativa;

• O baixo fluxo turístico, ou seja, ser praticado por pequenos grupos

de pessoas.

Esses argumentos ganham credibilidade quando Kinker (2002, p. 18-

19) destaca que, para ser chamada de Ecoturismo, a atividade deve res-

peitar três fatores básicos: a conservação do ambiente visitado, seja ele

natural ou cultural; a conscientização ambiental, tanto do turista como da

comunidade receptora; e o desenvolvimento local e regional integrados.

174

Fatores defendidos também por Salvati (2002) e por outros autores que se

dedicaram profundamente ao tema Ecoturismo (PIRES, 2002, CEBALLOS-

-LASCURÁIN, 1996; FENNEL, 2002; BRASIL, 1994).

Nota-se que Ecoturismo abordado dessa forma não faz alusão espe-

cífica à natureza e sim ao patrimônio natural e cultural. Ele dispõe sobre

ambiente e, nesse caso, considera aspectos socioculturais e naturais na for-

mação das características do local que será utilizado para sua prática, sem

especificar a qualidade ambiental, ou seja, sem estipular características mí-

nimas ou máximas de impactos ambientais mas, sim, o papel da atividade

no processo de conservação dos patrimônios existentes e o desenvolvimen-

to gerado a partir dele. Ele inclui condicionantes para sua existência e em

nenhum momento remete à necessidade de desenvolvimento de produtos

turísticos específicos de/ou em áreas naturais.

É verdade que essa definição não é aceita por autores como Fennel

(2002), Wearing e Neil (2001), Western (1995) e McKerher (2002), cujas

abordagens salientam veementemente que a base do Ecoturismo são os

aspectos exclusivos da natureza e a possibilidade de sua conservação por

meio de práticas turísticas menos predatórias e impactantes. Como

ilustração e contraponto cabe citar a definição de Fennel (2002, p. 52-53):

O ecoturismo é uma forma sustentável de turismo baseado nos

recursos naturais, que focaliza principalmente a experiência e o

aprendizado sobre a natureza; é gerido eticamente para manter

um baixo impacto; é não-predatório e localmente orientado (con-

trole, benefícios e escala). Ocorre tipicamente em áreas naturais, e

deve contribuir para a conservação ou preservação destas).

Observamos que a construção dos conceitos, Ecoturismo e Turismo

de Natureza, reside na abordagem de aspectos que vão além daqueles

tipicamente naturais, na inclusão ou exclusão de segmentos e tipologias

condicionados à existência de natureza em sua condição primitiva ou muito

conservada e a valorização dos patrimônios socioculturais das comunida-

des receptoras. Como se acredita que a natureza só ganha significância a

partir de concepções humanas, seria incoerente excluir os aspectos socio-

culturais, sejam eles das comunidades receptoras ou dos turistas, condição

destacada por Faria (2002 p.06):

Quando separadas, natureza e sociedade perdem a sua materiali-

dade e também seus significados. A história passa a ser interpreta-

da sem a materialidade da ação, sem um espaço real. E a natureza

transforma-se em uma invenção do pensamento e um conceito

175

abstrato. Ambos submetidos às conveniências do discurso do mo-

mento.

A atividade turística, com ou sem o prefixo eco, envolve valores sociais

que se materializam no cotidiano de sua prática e influenciam os locais onde

se realiza, assim como o contrário também ocorre. As ideias de desenvol-

vimento regional, experiência, aprendizado, conservação e preservação,

sustentabilidade e consciência ambientalista só têm validade e possibili-

dade a partir do entendimento de que há um processo de inter-relação e

dependência entre os aspectos naturais e sociais – condição discutida nos

capítulos iniciais deste trabalho.

Pires (2005, p. 484), em texto cujo teor aborda o Ecoturismo sob di-

versas perspectivas, corrobora e fundamenta essa discussão ao apresentar

as bases que possibilitaram a elaboração da proposta do conceito oficial

brasileiro:

Assim, a partir do reconhecimento de que o ecoturismo implica-

va, antes de tudo, a opção por ambientes naturais íntegros e por

manifestações culturais autênticas, mas também a afirmação dos

pressupostos de responsabilidade ambiental, de compromissos

conservacionistas e de envolvimento das populações locais, foi

se consolidando uma base conceitual assentada em um conjunto

de ideais que se consubstanciaram no que atualmente se difunde

como princípios, componentes ou características do ecoturismo.

Ou, ainda, como afirmam Wearing e Neil (2001, p. 05):

Trata-se de uma área especializada do turismo que inclui viagens

para áreas naturais ou onde a presença humana é mínima, em que

o ecoturista envolvido na experiência externa tenha uma motiva-

ção explicita de satisfazer sua necessidade por educação e cons-

ciência ambiental, social e/ou cultural por meio de visita à área e

vivência nela.

Nesse contexto, considerar os aspectos socioculturais das áreas onde

se desenvolve o Ecoturismo é, no mínimo, coerente com a definição oficial

regulamentada na Política Nacional de Ecoturismo ao vislumbrar as possi-

bilidades que a atividade deveria, teoricamente, proporcionar. Nas palavras

de Serrano e Paes-Luchiari (2005, p. 505):

Pensar o ecoturismo pede que se vá além das práticas e proposi-

ções dirigidas exclusivamente “as viagens à natureza, para guardar

coerência com sua definição “oficial” no Brasil.

176

A discussão e o conceito permitem inferir que pouquíssimos são os

locais onde se prática Ecoturismo no Brasil. Da mesma forma, se o quadro

que motivou a elaboração da Política Nacional de Ecoturismo permanece, a

estruturação de um segmento turístico capaz de fomentar equidade social,

desenvolvimento regional e equilíbrio ecológico ainda está muito distante.

A condição

,

de Paisagem deriva da cons-

trução geográfica de Troll (1982). A partir de suas concepções, a Ecologia

analisa a paisagem, como a expressão da relação entre solo e uso, enfati-

zando a funcionalidade ecossistêmica, mas buscando o entendimento da

forma e de sua configuração, amparando-se nas categorias espaciais de

localização, de extensão e de distribuição – categorias pouco evidenciadas

nas análises ecológicas clássicas. Ou seja, o conceito de paisagem sempre

expressou uma extensão, uma escala; classicamente, a dimensão que a vis-

ta alcança (hoje, com os inúmeros instrumentos técnicos de observação,

essa dimensão de extensão pode ser questionada ou ressignificada). Por

outro lado, o conceito de ecossistema, na origem, não expressa extensão,

especificamente, pois, na medida em que busca entender a relação do ser

vivo com o meio físico, a questão da escala fica obscurecida e a da funcio-

nalidade, valorizada. Um ecossistema poderá ser o planeta Terra, um mar

ou uma folha de alguma espécie vegetal.

Em diálogo com a Ecologia, Tricart (1982) assim se refere:

26

A paisagem é entendida “... como uma tradução concreta e espacial

de um ecossistema. No funcionamento da paisagem e do ecossistema, suas

evoluções se confundem” (TRICART, 1982, p. 473), admitindo que, sob esta

perspectiva, poderiam ser introduzidas as intervenções humanas.

Tricart et al (1979) e Tricart (1982), ao fazer esta conexão, indica duas di-

mensões, que promoveram a aproximação entre a Ecologia e a Geografia:

de um lado, a espacialidade, definida pela paisagem, e, de outro, o enten-

dimento da funcionalidade, decifrada pela análise ecológica.

Esse diálogo se expressa de outra forma na Ecologia da paisagem:

A paisagem, conforme Huggett e Perkins (2004), na perspectiva

ecológica, se constitui de arranjos de unidades de uso da terra.

Analiticamente, os ecólogos buscam padrões, considerando como

critério a hom*ogeneidade interna de uma paisagem, em relação à

heterogeneidade externa. Sob esta perspectiva, consideram como

elementos: formas de uso, tipo de solo, cobertura vegetal, uso da

terra, entre outros. O objetivo da análise está centrado na identifi-

cação de padrões (áreas hom*ogêneas), de corredores (espaços de

transição e de conexão), da Matrix (matriz), ou seja, do ecossistema

de contexto. Em termos analíticos, esta concepção busca revelar a

funcionalidade pela diferenciação, entre áreas hom*ogêneas e he-

terogêneas. Por exemplo, a cobertura da terra original x uso, em

um determinado espaço, pode formar um mosaico heterogêneo.

Este, por sua vez, revela transformações, na funcionalidade, na

medida em que a heterogeneidade rompe com a matriz original,

detentora do que seriam a funcionalidade e as formas originais.

(SUERTEGARAY, 2019, p. 162)

Tomando outro exemplo, na análise geomorfológica, a paisagem é

concebida como um conjunto hom*ogêneo de formas, definidas através de

métricas, que, combinadas, formam redes ou mosaicos, podendo ser, ain-

da, compreendida como um conjunto de formas (Compartimentação da/do

Paisagem/Relevo, de Ab’Saber (1969)), produto de funcionalidades (dinâmi-

cas) temporal e espacial, ou seja, que busca o entendimento de processos

do presente e do passado (Estrutura Superficial e Fisiologia da Paisagem,

de Ab’Saber (1969). A paisagem, assim compreendida, revela uma estrutu-

ra constituída da identidade entre elementos e de funcionalidade comuns

(conexão) entre um conjunto de feições, e apresenta hom*ogeneidade e

movimento no tempo.

Estes dois exemplos, comparando com o que foi tratado como paisa-

gem, inicialmente, no âmbito da Geografia, e com a concepção de Bertand,

27

expressa através de uma paisagem sustentada no princípio da complexi-

dade de Morin (1990), permitem-nos alguma reflexão sobre que paisagem

estudaria a “Geografia Física”?

Consideramos alguns constituintes:

• A paisagem é a expressão do presente, podendo ser aquilo que a

vista alcança;

• A paisagem é a expressão conjunta de aspectos, relativos à nature-

za;

• A natureza (objeto) é concebida como externa ao sujeito (pesquisa-

dor);

• A paisagem é exterior (o que é visto pela janela, metaforicamente);

• A paisagem se expressa, enquanto forma, portanto pode ser enten-

dida como a materialidade (o visível);

• A paisagem, do ponto de vista da sua análise, expressa uma funcio-

nalidade, portanto é concebida como sistema.

A paisagem é a expressão de uma temporalidade num dado momento.

Aqui há uma interpretação que confunde a paisagem com o conceito de

paisagem. A paisagem está em constante movimento e, este entendimento

já estava manifesto nos clássicos:

Formas do relevo, estado da atmosfera e cursos dos rios, obras

dos homens, se inscrevem em cada ponto da paisagem, enquanto

expressão fisionômica de sua combinação. Esta imagem é cam-

biante. A imperceptível descida de cada grão de solo ao longo da

encosta por efeito da gravidade ou as enxurradas modelam o perfil

da paisagem. Sem dúvida, a paisagem guarda sua individualidade

dado uma aparente permanência à escala de nossa observação. E

deve-a às relações sobre as quais descansa. (SORRE, 2003)

No contraponto, pode-se dizer que a paisagem é a expressão da in-

terconexão da natureza com a sociedade; hoje, de difícil separação. O ad-

vento do Antropoceno, ainda que em debate em relação à adesão à escala

geológica, não pode mais ser ignorado. Formas e depósitos são, desde

tempos, a expressão da produção da natureza, transformada em segunda

natureza. O Antropoceno é a expressão materializada desta conexão.

28

A natureza (objeto) não é externa ao sujeito (pesquisador); sua análise

implica seleções e arranjos analíticos, que resultam da escolha do sujeito,

individual e socialmente falando. A questão da relação sujeito x objeto não

é nova e está presente na filosofia e nas ciências humanas há algum tempo.

No século XX, será a Física, através de seus estudos no campo das micro-

partículas, que vai evidenciar e difundir esta condição fundamental do fazer

científico.

Entretanto, essa indissociabilidade está presente nos primórdios da

Geografia, a exemplo de Humbold, que escreveu:

A tentativa de decompor em seus diversos elementos a magia do

mundo físico está cheia de riscos, porque o caráter fundamental

de uma paisagem e de qualquer cenário importante da Natureza

deriva da simultaneidade de ideias e de sentimentos que suscita

no observador. O poder da Natureza se manifesta, por assim dizer,

na conexão de impressões, na unidade de emoções sentimentos

que se produzem, de certo modo, de uma só vez. Se queremos

detectar suas origens parciais, é preciso recuar por meio da análise

à individualidade das formas e à diversidade das forças. (HUMBOL-

DT, 1982, p. 137)

A paisagem é, ao mesmo tempo, exterior e interior, materialidade e

imaterialidade. Mesmo considerada objetiva, sua leitura e/ou explicação

depende das condições objetivas e das escolhas subjetivas e circunstan-

ciadas do pesquisador. Dito de outra forma, a paisagem é materialidade e

representação, portanto, é material e imaterial.

A paisagem é forma, é processo, é transformação e é representação

(conceito). A paisagem é mais comumente concebida, enquanto forma, e

caberia ser descrita. Entretanto, só para registrar as concepções mais atuais

no campo da Geografia (Física), ela é, ao mesmo tempo, forma, processo,

transformação e representação/conceito.

A paisagem sistêmica funcional é uma forma de representar a paisa-

gem. Anteriormente, a paisagem foi forma, materialidade externa, e re-

presentava a natureza caótica. Na continuidade, a paisagem representou

a ordem e a beleza, a paisagem-jardim (ALIATA; SILVESTRE, 1994). Hoje, é

compreendida como um sistema funcional ou sistema complexo. A paisa-

gem funcional é descrita, através de seus elementos e dos processos, que

lhe dão ânimo. A paisagem “natural”, numa compreensão sistêmica com-

plexa, a partir da concepção de natureza, em Maturana e Varela (1993) e em

29

Morin (1990), é auto-eco-re-organizacional,

,

ou seja, se autoproduz, apre-

senta uma funcionalidade (eco) e está em constante movimento Esse movi-

mento, por sua vez, é contraditório e é a expressão da ordem e do caos, ou

da desordem. Na lógica complexa, o sistema é aberto e sua transformação

provém dessa desordem. A ordem é o padrão; a desordem é o processo de

transformação (MORIN, 1990).

O conceito de paisagem é uma representação e uma possibilidade

analítica; não é a paisagem. E sistemas complexos não permitem um fecha-

mento, logo sempre há um grau de indeterminação na leitura/explicação

de um estudo de paisagem, que o pesquisador não capta.

A paisagem é a expressão do presente, embora seus elementos pos-

sam indicar uma simultaneidade de tempos (sejam longos, sejam curtos). A

paisagem é uma expressão do presente, muito embora seus elementos, ao

serem identificados, permitam perceber que há vestígios, formas do passa-

do, em convivência com os arranjos atuais das paisagens.

A paisagem, como aquilo que a vista alcança, considerando as novas

tecnologias de observação espacial, seriam paisagens ou imagens de um

determinado espaço? Os mapas representam paisagens ou são a melhor

forma de representar paisagens? Excluindo os antigos mapas pictóricos, a

evolução da Cartografia e o grau de abstração das representações atuais,

via SIG (pontos, linhas e áreas), expressam a dificuldade de representar a

paisagem. Nos mapas atuais, o polígono representa uma unidade de pai-

sagem. Trata-se de uma abstração matemática, que elimina a arte, o mo-

vimento, a visão integrada dos elementos da representação da paisagem.

EXEMPLIFICANDO: UM ESTUDO DA PAISAGEM

Nesta última seção, trazemos, como exemplificação, um recente es-

tudo, a partir do conceito de paisagem. O que será exposto diz respeito a

uma pesquisa interdisciplinar, que se refere à Geologia, à Geomorfologia, à

Biogeografia, à Hidrogeografia, à Botânica, à Pedologia e à Geografia.

Foi elaborada a partir de um trabalho de campo em uma parcela

do bioma Caatinga. O Objetivo foi de explicitar, de forma integra-

da, as diferentes paisagens que caracterizam o transecto escolhido

para ser analisado. Metodologicamente, o ponto de partida foi a

observação da paisagem e a subsequente descrição dos elemen-

tos selecionados para sua análise, tomando como referência a ob-

30

servação em campo, em confronto com as pesquisas já elabora-

das... (SOUZA et al., 2019, p. 71)

Interessava, aos pesquisadores envolvidos na pesquisa, compreender:

[...] quais os condicionamentos físicos/naturais, que, associados,

explicam a presença, na Chapada do Araripe, de uma vertente

seca, no estado de Pernambuco (PE), em contraposição a uma ver-

tente úmida, no estado do Ceará (CE), configurando-se, neste úl-

timo estado, uma paisagem singular, no semiárido brasileiro e no

bioma Caatinga, reconhecida como Brejo de Altitude, localizada

na região denominada Cariris Novos. Mais especificamente, o ob-

jetivo desta investigação foi o de estabelecer conexões entre di-

ferentes constituintes naturais e explicitar a origem das diferentes

paisagens que conformam a área de estudo. (SOUZA et al., 2019,

p. 71-72)

De maneira sintética, trazemos aqui, a representação final desta análise

(Figura 1), que expressa, em forma de representação, as interações entre os

diferentes elementos da paisagem, conforme descrição sucinta, registrada

na continuidade.

Figura 1 – Síntese

das unidades de pai-

sagem identificadas

na Chapada do Ara-

ripe

Fonte: ilustração ela-

borada por Rafael A.

Xavier (2019), com

fotos do acervo pes-

soal de Rubens T. de

Queiroz (junho de

2019)

31

Ao analisar a representação do transecto das unidades identificadas

no estudo, observa-se um seccionamento em cinco unidades de paisagem:

mata seca, cerrado, vegetação antropizada, mata úmida e mata úmida de

encosta. A vertente úmida é denominada brejo (áreas úmidas). No conjun-

to, enfatiza-se o contraste do transecto, em relação à vertente seca (S) e a

outra vertente úmida (N). A explicação trazida é de que essa primeira dife-

renciação, vertente seca e vertente úmida, vincula-se:

[...] de um lado, há uma estrutura sedimentar soerguida, indicando

processos de basculamento, com suave inclinação para o senti-

do SO NE, no lado do Ceará, e, de outro lado, as condições

posicionais das vertentes, em relação à circulação atmosférica,

mais especificamente, a ação do vento (barlavento-sotavento).

Estes constituem os fenômenos fundantes da circulação de água,

sobretudo a subterrânea, e promovem uma presença abundante

de fontes d’água, na vertente a barlavento, resultando em caracte-

rísticas diferenciadas de constituição de solos e de cobertura vege-

tal (Mata úmida), em relação à vertente oposta, caracterizada pela

presença de Caatinga e da vegetação chamada Carrasco (Mata

seca).

Tal atributo adiciona mais complexidade à ocorrência dos Brejos

existentes, no semiárido brasileiro, indo além dos condicionantes

pluviométricos, relacionados à topografia e à altitude locais. Em

outras palavras, as áreas úmidas (Brejos) da Chapada do Araripe e

sua correspondente cobertura vegetal (Cerradão e, principalmen-

te, Mata Úmida) têm sua gênese diretamente ligada ao controle

hidrogeológico, em que a presença da água subsuperficial é de-

terminada pela formação de uma camada semi-impermeável de

rochas. A formação desses Brejos é consequência da maior dispo-

nibilidade hídrica que, por sua vez, promove uma forma diferencia-

da de ocupação e de uso da terra, expressa na constituição formal

da paisagem. (SOUZA et al., 2019, p. 88-89)

Esta condição de seca e de maior umidade, de um e de outro lado da

chapada, permite compreender as variabilidades da cobertura de solo e da

vegetação, configurando-se, a paisagem, neste transecto, uma expressão

fenomênica da maior ou menor presença de água em localidades, como

nos brejos do Semiárido do Nordeste.

Ao final, a pesquisa aponta para a seguinte consideração:

32

[...] a Chapada do Araripe foi enquadrada como Brejo de altitu-

de e de encosta. De altitude, devido à influência dos quase 1000

metros, na circulação atmosférica local, e de encosta, por existir

um condicionamento lito-estrutural, que direciona a maior parte

do fluxo subterrâneo para o lado do Estado do Ceará, permitindo

a existência de uma Mata Úmida de Encosta”. (SOUZA et al., 2019,

p. 93)

A breve síntese dessa pesquisa é trazida, aqui, com duplo objetivo. De

um lado, para apresentar, a partir de um estudo recente, que toma, como

referência, o conceito de paisagem num contexto explicativo interdiscipli-

nar, a ampliação da complexidade presente no brejo em estudo. Nesse sen-

tido, a perspectiva adotada busca explicar a diferenciação das paisagens,

em particular, de um lado e de outro da Chapada do Araripe (CE), num tran-

secto de 50 km, considerando a dinâmica ou funcionalidade natural, que

permitiu essa diferenciação. O resultado dessa atividade interdisciplinar en-

globa a estrutura geológica, os solos, a circulação subsuperficial das águas

e a direção dos ventos, conforme a circulação atmosférica local, ampliando,

com isso, o entendimento sobre este brejo nas suas vertentes úmida e seca.

O outro objetivo é demonstrar uma possibilidade de estudo de paisa-

gem, através de um transecto, que foi expresso, de forma gráfica, permitin-

do a visualização das interconexões, favorecendo, com isso, uma expressão

de síntese e de integração dos elementos da paisagem.

Essa forma de representação, quando da análise da paisagem, quer

parecer que seria mais ilustrativa do que aquela, comumente representada,

sobretudo, nas cartografias digitais, em que a simplificação transforma a

paisagem num espaço hom*ogêneo, revelado por um de seus constituintes,

dominantemente, a cobertura vegetal, representada pela delimitação de

sua área de abrangência (critério de hom*ogeneidade).

Ainda assim, essa, ou qualquer outra paisagem, é sempre a expressão

de uma dinâmica complexa, que, segundo Morin (1990), estará sempre se

reconstituindo

,

e cuja transformação será decorrência da desordem em de-

terminadas condições, promovendo um processo de transfiguração para

outra reordenação. A desordem evidenciada no transecto está mais expres-

sivamente representada no setor central do topo da Chapada do Araripe,

identificada como uma unidade de paisagem de vegetação antropizada.

Essa representa a área de uso mais intenso do solo, configurando-se em

uma unidade com vegetação campestre ou herbácea, expressão de sua

transfiguração original, pelo uso da terra.

33

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As considerações aqui expostas buscam explicitar, ainda que de forma

sintética, o sentido e as formas de olhar a paisagem na “Geografia Física”.

Esse olhar, e a análise resultante, expressa compreensões distintas, inter-

pretações distintas. Sendo assim, é possível compreender que a paisagem,

na sua análise e na sua conceituação, é produto da interação sujeito-objeto.

Toda análise da paisagem indica uma intencionalidade; associa-se a obje-

tivos. Historicamente, isso se revela na paisagem, vinculada à perspectiva

geométrica renascentista; vinculada ao Romantismo, como expressão de

harmonia e de beleza; vinculada ao pragmatismo técnico-científico moder-

no, como espaço de recursos naturais de maior ou menor acesso; vinculada

à paisagem funcional, como instrumento de gestão; e vinculada à paisa-

gem, como produção e condição de existência, historicamente constituída,

como revela Abreu (2017):

A paisagem emerge com o Homem. Ela influenciará seu psiquismo

no processo de aquisição de maior consciência de si mesmo, como

indivíduo e como grupo. A paisagem é presença antiga na cultura

humana e nasce com o processo de produção do ecúmeno, com

o qual provavelmente se confunde nos primórdios. (ABREU, 2017,

p. 145)

A paisagem é produto da relação do ser humano com a natureza. Desde

os seus primórdios, paisagem é natureza autoproduzida e produção social

da natureza, conexa e concomitantemente; é um produto social, expressão

da mediação do ser humano, socialmente posto, com a natureza que o en-

volve e da qual faz parte. É materialidade, imaterialidade, instantaneidade

e movimento.

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36

CONTRIBUTO DA

GEOGRAFIA PARA OS

ESTUDOS DA PAISAGEM

EM PORTUGAL

António Vieira

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento dos estudos da paisagem em Portugal teve um

significativo contributo da Geografia que, acompanhando os impulsos das

escolas geográficas europeias que inicialmente influenciaram o desenvol-

vimento desta ciência, foram afirmando, desde o século XIX e inícios do

século XX, a paisagem como seu objeto preferencial de pesquisa.

Ainda que o interesse pelo seu estudo tenha “arrefecido” a partir de

meados do século XX, a paisagem veio a ressurgir, novamente, nas últimas

décadas desse século, não só como objeto de estudo da Geografia, mas

também de outras ciências.

A este respeito, Medeiros (2001), introduzindo a tradução de um texto

de Orlando Ribeiro dedicado à paisagem (Ribeiro, 1989), referia que “se

pode afirmar que a paisagem está na moda, melhor dizendo, voltou a estar

na moda” (pág. 27).

Com efeito, e ainda que o seu estudo seja “tão antigo como a própria

geografia”(idem, pág. 27), a conjuntura económica, social e mesmo cientí-

fica que se seguiu à segunda guerra mundial conduziu a uma “decadência

dos estudos sobre paisagens” (Salgueiro, 2001, pág. 43), marcando, tam-

bém em Portugal, uma redução drástica da produção científica em torno

desta temática, apenas retomado nas últimas décadas do século XX, tal-

vez impulsionado pelo interesse crescente evidenciado por outras áreas do

saber e pela própria sociedade em geral, em consequência da crescente

consciencialização para com os problemas e discussões relacionadas com o

ambiente, que se multiplicaram a partir dos anos 70.

37

De fato, outras áreas do conhecimento, como a Arquitetura (da Pai-

sagem), a Ecologia (da Paisagem), entre outras, têm tomado a paisagem

como objeto de estudo, abordando-a a partir de pontos de vista diferencia-

dos, apoiando-se em metodologias diversificadas e também com base em

objetivos muitas vezes distintos.

Por outro lado, o termo paisagem tornou-se, ao longo dos tempos

e principalmente nas últimas décadas, um termo vulgar (ou vulgarizado),

devido, essencialmente, a uma utilização indiscriminada, abusiva e muitas

vezes descontextualizada do próprio conceito que lhes está subjacente1.

O conceito de paisagem apresenta-se

,

com contornos pouco definidos,

prestando-se, portanto, a possíveis desvirtualizações, que têm fomentado,

recentemente, alguma preocupação por parte de investigadores de várias

áreas científicas (Geografia, Biologia, Agronomia, Arquitetura...).

Não sendo, no entanto, objetivo deste texto uma exploração exaustiva

das diferentes perspetivas de abordagem e estudo da paisagem, nem dos

problemas e desafios que a sua investigação enfrenta, faremos um breve

enquadramento das suas principais linhas de evolução, focando-nos, de

seguida, nos principais contributos da ciência geográfica em Portugal e

aportes desenvolvidos em áreas conexas, com implicações nos estudos ge-

ográficos.

1. CONTEXTO INTERNACIONAL DE EVOLUÇÃO DOS

ESTUDOS DA PAISAGEM

A utilização do termo “paisagem” surge inicialmente relacionado com

a arte e a pintura, sobretudo durante o Renascimento, através dos traba-

lhos de pintores flamengos como Dürer, Rubens, Rembrandt, entre outros,

ganhando grande difusão. A paisagem aparece como objeto de retratação

e não apenas como enquadramento do sujeito a representar na pintura,

definindo-se uma conceção estética da paisagem.

A representação da paisagem através da pintura e a sua consideração

1 Georges Bertrand refere a este respeito: “Paysage, un mot vivant, quotidien, que chacun

utilise à sa guise et qui peut sembler vieillot, insipide, ou bien trop romantique. Il faut se laisser

guider par l’usage social, et son brusque renouvellement qui en fait un mot fort et mobilisateur,

un maître-mot de la société actuelle. Mass media, discours politico-technocratique, vocabulaire

scientifique ensuite, multiplient les références à un paysage protéiforme, indéterminé, indéter-

minable. Paysage, paysager, étiquettes de garantie, accolés à n’importe quel produit à vendre:

résidence secondaire, quartier neuf, bureau d’affaires, espace vert... ou publication scientifique.”

(1978, pág. 240)

38

como expressão de um território e como conceito, traduz uma nova forma

de ver o mundo (Fadigas, 2007) e introduz o conceito de natureza na socie-

dade.

Fadigas (2007) refere a origem etimológica da palavra paisagem do

latim pagensis (sinónimo daquele que vive no campo) e do francês pays

(relativo a um território rural específico), afirmando que “a paisagem é, por

extensão, a representação dessa realidade territorial” (pág. 123).

Citando Bermingham (1994), o autor aponta que “o território envol-

vente passou a fazer parte da realidade social e cultural do Renascimento e

da forma de ela se representar a si própria” (pág. 123).

É somente no século XVIII que Humboldt, considerado o pai da Geo-

grafia, utiliza o termo “paisagens naturais”, designando, deste modo, áreas

hom*ogéneas, caracterizadas essencialmente pela morfologia do terreno e

cobertura vegetal, que lhes conferia uma fisionomia própria. A paisagem

aparece, então, estreitamente relacionada com as ciências naturais.

Posteriormente, seguindo uma linha de pensamento iniciada, nos finais

do século XIX e inícios do século XX, por Passarge, e baseada na análise

e estudo da paisagem sob o ponto de vista estrutural, Carl Troll dá forma

à “Ecologia da Paisagem” (mais tarde por ele designada “Geo-ecologia”),

definindo-a como “the study of the physico-biological relationships that go-

vern the different spatial units of a region” (Forman e Godron, 1986, pág. 7).

Seguindo, de certa forma, a mesma linha de pensamento, Carl Sauer,

geógrafo americano, aponta o termo “paisagem” como aquele capaz de

conferir uma unidade conceptual da Geografia, caracterizando a paisagem

como uma “associação de factos peculiarmente geográficos”, “uma área

constituída por associações distintas de formas, tanto físicas como cultu-

rais” (1969, pág. 321).

Na realidade, a paisagem serviu, no início do século XX, como um con-

ceito integrador (Salgueiro, 2001), face ao perigo eminente de rutura entre

a geografia humana e geografia física, traduzindo “interações entre os ele-

mentos do mundo físico e entre estes e os grupos humanos” (pág. 42).

Nas últimas décadas da segunda metade do século XX, em função da

diversificação e multiplicação dos métodos de análise da paisagem, veri-

fica-se, também, o aparecimento de novas perspetivas e abordagens da

paisagem.

Com efeito, a paisagem passa a ser abordada segundo diferentes pon-

tos de vista (Almeida, 1997). Uma dessas abordagens considera a paisagem

como o objeto principal da investigação (paisagem-objeto). Inclui-se nesta

linha de pensamento a escola soviética, que deu seguimento aos estudos

de Dokoutchaev.

39

Também a Ecologia da Paisagem se enquadra nesta corrente. Preo-

cupados com a necessidade de ordenamento do território, os estudiosos

partem de uma base essencialmente ecológica, considerando os aspetos

relacionados com a vegetação e o uso do solo e suas relações com o meio

em que se inserem.

Deste modo, Forman e Godron, no seu Landscape ecology (1986), de-

finem a paisagem como “uma porção de território heterogéneo composto

por conjuntos de ecossistemas em interação que se repetem de forma si-

milar” (pág. 11).

Podem igualmente incluir-se no âmbito da análise da paisagem-objeto

os estudos desenvolvidos por McHarg, que deram origem à “Arquitetura

Paisagística”. Neste sentido, McHarg parte de pressupostos ecológicos e

sociais, aos quais associa critérios políticos, económicos e técnicos, direcio-

nados numa lógica do planeamento da paisagem (McHarg, 1969).

Outro tipo de abordagem, diametralmente oposto ao anteriormente

referido, considera o sujeito que observa a paisagem o elemento central

da análise da mesma, ou seja, considera-se como objeto de estudo a pai-

sagem percebida.

Dos diversos autores que seguiram esta linha de pensamento (por

exemplo, Kevin Lynch, D. L. Linton, K. D. Fines ou A. Bailly) salienta-se o

carácter subjetivo decorrente das análises de valoração da paisagem reali-

zadas sob a ótica do observador. A paisagem surge como um produto dos

juízos de valor, sempre subjetivos e orientados por padrões culturais, atribu-

ídos pelo observador a um determinado espaço territorial.

Uma terceira abordagem apresenta objetivos baseados igualmente na

lógica do planeamento do território, mas não centrados apenas nos ele-

mentos ecológicos, recorrendo também aos valores sociais, económicos e

culturais. Nesta perspetiva, a análise da paisagem “decorre da síntese entre

os dados ecológicos, resultantes da distribuição e dinâmica dos elementos

naturais, mais os introduzidos pelo homem, e os elementos percetuais ex-

traídos duma avaliação subjetiva das unidades de paisagem em causa. É

uma análise globalizante, onde se pretende apreender tanto os dados que

respeitam ao meio como os que respeitam às maneiras de viver esse meio

e de o sentir” (Almeida, 1997, pág. 17).

Nesta linha de pensamento insere-se, por exemplo, J. P. Deffontaines,

que define paisagem como uma “porção de território visto por um obser-

vador, onde se inscreve uma combinação de factos e de interações de que

se percebe num determinado momento apenas o resultado global” (Def-

fontaines, 1985, pág. 43).

Também G. Bertrand desenvolve uma análise da paisagem enquadra-

40

da nesta corrente, introduzindo na Geografia o conceito de “geossistema”2.

Para este autor o conceito de paisagem vai aparecer estreitamente ligado

ao de geossistema, considerando o primeiro como um geossistema da for-

ma como é percebido pelo observador. Apesar de inicialmente definir a

paisagem através de uma perspetiva naturalista, Bertrand acaba por, mais

tarde, considerar a paisagem como uma “estrutura cada vez menos ecoló-

gica e social e cada vez mais um processo em transformação” (Bertrand,

1978, pág. 249).

Da análise das diferentes abordagens que se foram desenvolvendo,

Almeida (1997) definiu algumas “ideias-força” presentes em todas elas: a

visão, elemento indispensável para a perceção da paisagem, que é sempre

algo exterior ao observador; a organização, uma vez que os componentes

da paisagem apresentam uma distribuição

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